Andava um dia um principe á caça n'uma certa mata e ouviu chorar uma creança; elle aproximou-se do sitio d'onde vinham os vagidos e ouviu uma voz que dizia:
«Procura, procura
Que a que chora ha de ser tua.»
Então o principe riu-se d'aquellas palavras e disse: «Veremos se isso ha de acontecer.» Depois procurou, procurou, até que encontrou uma creança que brincava na relva; tomou-a do chão, marcou-a na testa com um ferro em brasa e cortou-lhe o dedo minimo da mão direita e foi deital-a em uma silva. A creança tinha sido abandonada por sua mãe, por isso ninguem mais a procurou.
Havia n'aquelles sitios um pastor que levava as ovelhas a pastar entre as silvas. Quando recolhia as ovelhas faltava-lhe sempre a cabra melhor do seu rebanho; depois elle voltava a chamal-a; ella ia, mas no dia seguinte succedia-lhe a mesmo. Um dia disse elle para a mulher: «Olha, não sabes? desconfio da nossa cabra maltez, pois fica sempre entre as silvas e é preciso chamal-a muito para ella vir.» Então a mulher no dia seguinte foi espreitar a cabra e viu-a deitada no chão dando de mammar a uma creancinha. Como a mulher não tivesse filhos, ficou muito contente com aquelle achado e o pastor tambem, e crearam a menina como se fosse sua filha. A menina foi crescendo e, depois que morreram os pastores, foi ella para creada d'uma princeza que estava para casar. Ora o principe, noivo da princeza, ia muitas vezes ao palacio e tendo visto um dia Maria Silva sentiu grande paixão por ella; mas ao reparar que ella tinha uma mancha na testa e que lhe faltava um dedo na mão direita lembrou-se do que tinha feito a uma creancinha que uma voz lhe tinha dito lhe havia de pertencer. Então o principe resolveu fazer uma coisa muito má. Comprou tres anneis de oiro muito ricos e presenteou com elles as tres creadas da princeza e disse-lhes que aquella que ao fim de tres dias não lhe apresentasse o annel morreria enforcada. Depois recommendou ás duas creadas que fizessem com que Maria Silva perdesse o annel, que as havia de premiar bem.
As creadas taes traças empregaram que fizeram com que o annel de Maria Silva caisse ao mar, mas Maria Silva não se affligiu de o vêr cair. No dia seguinte quando o pescador veiu trazer o peixe para o palacio, ella pediu ao cozinheiro que lhe deixasse amanhar o peixe e encontrou o annel no bucho d'um savel. No dia em que o principe veiu para vêr se todas ainda tinham os anneis, Maria Silva apresentou-se muito contente e o principe ficou maravilhado de lhe achar o annel que lhe dera, e bem assim, as outras creadas que tinham a certeza de lh'o ter feito cair ao mar. Então o principe perguntou á Maria Silva como é que ella para alli tinha vindo, ao que ella respondeu:
«N'uma silva fui achada;
Por uma cabra fui creada;
Um pastor me educou
E agora aqui estou.»
Então o principe contou-lhe tudo o que lhe tinha feito e disse-lhe que já não casava com a princeza, pois era ella, a Maria Silva, que ia ser sua esposa.
(Coimbra.)