LVI


O RABIL

Havia um lavrador muito rico que tinha um creado muito fiel, de quem confiava todos os haveres que possuia. Entre os bois da manada que o creado guardava havia um chamado Rabil, que o seu dono muito estimava e um dia para experimentar a fidelidade do creado disse o lavrador a uma filha que tinha que fosse ter com o creado e lhe disse que se elle matasse o boi Rabil casaria com elle. Ia a rapariga varias vezes ao campo ter com o creado e como ella fosse muito alta e muito formosa já o rapaz ia sentindo grande paixão por ella. Uma dia disse-lhe ella: «Se queres que eu case, comtigo mata o Rabil.» Elle respondeu: «Senhora, ainda que eu morra por não casar comsigo, nunca mataria o Rabil, pois é o boi que seu pae mais estima.» Disse a rapariga: «Mas mata-o e diz a meu pae que elle appareceu morto.» «Tal nunca farei.» A final tanto a rapariga teimou e tal paixão ia sentindo o creado que já estava quasi resolvido a matar o Rabil. Dizia elle para comsigo: «Como farei isto? Mentindo a meu amo commetto um peccado e dizendo-lhe a verdade não me deixa elle casar com a filha; vamos a ver se eu sou capaz de matar o Rabil e de dizer a verdade a meu amo.» Então pegou no capote e no chapeu do amo, pol-os em cima de um pau para fingir o amo, poz-se em frente e disse:


«Senhor meu amo,
Pernas altas e cara gentil
Me fizeram matar o boi Rabil.»


Depois de repetir isto tres vezes, disse: «Nada, eu não mato o Rabil; antes quero morrer de paixão pela Cara-gentil da filha do meu amo.» Quando acabava de dizer este palavras appareceu-lhe o amo que tinha estado a escutar e disse-lhe: «Já que tantas provas me tens dado da tua fidelidade has de casar com minha filha e o Rabil hei de mandal-o matar para ser comido no dia da boda.» E assim se arranjou o casamento do creado com a Cara-gentil.

(Coimbra).