Era uma vez um rei que tinha uma filha doente que desejava figos verdes da figueira no mez de janeiro. O rei disse: «Quem trouxer figos verdes á minha filha se fôr moço casa com ella, se fôr velho dou-lhe bens.»
Constou isto por terras ao longe.
Havia uma mãe n'uma freguezia que tinha dous filhos, um tolo, outro avisado, tinham uma figueira ao fim de uma casa onde havia ainda alguns figos em janeiro, mas que não eram bons. O filho avisado contou o desejo da filha do rei á mãe e disse-lhe: «Minha mãe, eu vou levar-lhe os figos n'uma cesta.» Foi por um caminho adeante e encontrou Nossa Senhora e ella perguntou-lhe o que elle levava no cesto; o rapaz respondeu-lhe: «Levo (com licença[1]) cornos.» Nossa Senhora disse: «Pois (com licença) cornos te nasçam.» O rapaz, pensando que levava figos chegou á porta do rei; este veio e o rapaz disse que levava aquelles figos que tinha no quintal. O rei pegou no cesto e foi a descobrir e viu (com licença) os cornos e mandou matar o moço.
Depois disse o irmão tolo á mãe que ia levar ao rei o resto dos figos que estavam na figueira e que demais ia saber do irmão. Pegou nos figos o tolo e levou-os. Lá vae com elles no cesto; chegou ao meio do caminho e encontrou Nossa Senhora com o menino ao collo e ella perguntou-lhe o que elle levava o tolo respondeu que levava figos para a filha do rei. A Senhora disse: «Figos vos nasçam.» Disse elle: «Deixe dar um figuinho ao menino, coitadinho; é tão bonitinho!» Deu o figo ao menino e foi para o palacio; os figos cada vez cresciam mais pelo caminho.
Chegou ao palacio e bateu á porta; veio o rei, pegou nos figos.
O rei como tinha dito que quem levasse os figos que lhe dava a filha e como palavra de rei não volta atraz, foi-se aconselhar sobre o caso, porque não lhe agradava o rapaz. Os conselheiros deram-lhe o conselho que désse ao moço dois coelhos bravos e que lhe dissesse que os levasse para o monte e que os soltasse lá e que se elle não trouxesse os coelhos para casa ao sol posto que o mandava matar. O tolo foi para o monte, soltou os coelhos e poz-se a chorar. Appareceu-lhe Nossa Senhora: «Vós que tendes?» Elle contou-lhe o que o rei lhe mandára fazer.» Nossa Senhora deu-lhe uma gaitinha e disse: «Toma esta gaitinha e ao sol posto toca-a que os coelhos veem para dentro do sacco; tu ata-o e leva-os e, assim que quizeres mais alguma coisa, toca a gaitinha.» E depois d'isto perguntou-lhe: «Não queredes mais nada?» «Queria ser tão bonito como o sol.» «E não queredes mais nada?» «Quero que quando metter a mão no bolso tire sempre dinheiro.»
Elle tocou a gaitinha; vieram os coelhos; metteu-os no sacco e foi andando. Chegou ao meio do caminho e encontrou dois homens que iam de mando do rei para o matar, se não levasse coelhos. Chegou o rapaz e o rei foi-se outra vez aconselhar e depois disse ao rapaz que escolhesse elle ou uma quinta ou dinheiro e o rapaz escolheu dinheiro; comprou um cavallo e foi correr terras. Foi indo, foi indo até que chegou a uma terra aonde estava um palacio e a filha do rei á janella. Disse ella para o pae: «Que lindo cavalleiro que acolá vem! é lindo como o sol; quem me déra casar com elle!» O rei veiu chamar o cavalleiro e disse-lhe que a filha queria casar com elle. «Sim, caso com a vossa filha se me deixardes dormir esta noite com ella.» O rei assignou e elle foi ficar com a filha; quando era meia noite tocou a gaitinha que lhe tinha dado Nossa Senhora e disse: «Quem entrou aqui?» Respondeu-lhe uma voz: «Foi um estudante.» Pela manhã disse ao rei que ia á terra e que depois voltava para casar com a filha d'elle. Foi indo e chegou a outro reino, onde a filha do rei tambem quiz casar com elle, que pediu para ficar com ella aquella noite. Á meia noite tornou a tocar a gaitinha e perguntou quem lá tinha entrado e a voz respondeu que tinha sido um preto. Foi-se embora d'ali, até que chegou ao palacio do rei aonde tinha ido levar os figos. A filha quiz casar com elle; lá não o conheceram; elle pediu a mesma coisa e á meia noite tocou a gaitinha e perguntou quem lá tinha entrado e a voz respondeu que ninguem. E elle casou com aquella princeza.
No dia do casamento o rei fez uma boda e convidou os outros reis todos para irem ao jantar. Foram tambem as duas princezas com quem elle tinha ficado de ir casar e os paes d'ellas começaram de clamar contra elle. Elle pegou e disse que casava com ellas mas que primeiro que haviam de ouvir o que ia dizer. Metteu a primeira n'um quarto e tocou a gaitinha e perguntou quem lá entrou e a voz respondeu que tinha sido um estudante; á segunda da mesma maneira e a voz respondeu que tinha sido o preto; á filha do rei a que elle tinha levado os figos a voz respondeu que ninguem e elle casou com ella.
(Foz do Douro.)
Notas do autor
editar- ↑ Este parenthese era dirigido pela narradora a quem a escutava.