Foi um dia um pinto pellado, estava pinicando n'um terreiro, achou um papelzinho e disse: «Bravo! vou levar esta carta a rei, meu senhor.» E partiu. Chegando adiante, encontrou uma raposa, que lhe disse: «Aonde vae pinto pellado?» — «Quirrichi; vou levar esta carta a rei, meu senhor.» — «Apois eu tambem quero ir.» — «Apois entre aqui no meu oveiro;» respondeu o pinto. A raposa[1] entrou e o pinto seguiu. Chegando mais adiante encontrou um rio, que lhe perguntou: «Aonde vae pinto pellado?» — «Quirrichi; vou levar esta carta a rei, meu senhor.» — «Eu tambem quero ir.» — «Apois entre aqui no meu oveiro.» Seguiu. Chegando adiante encontrou um espinheiro, que lhe perguntou: «Aonde vae pinto pellado?» — «Quirrichi; vou levar esta carta a rei, meu senhor.» — «Eu tambem quero ir». — «Apois entre aqui no meu oveiro.» Seguiu, e, depois de muito andar, foi ter no palacio do rei. Entrou e entregou a carta. O rei se zangou por aquelle atrevimento do pinto lhe ir levar um papel sujo, e o mandou jogar entre as gallinhas e gallos do poleiro, muito o espancaram. Ahi o pinto largou a raposa que cahiu em cima dos gallos e gallinhas e acabou com tudo. O pinto largou-se para traz a toda a pressa. O rei, quando deu por falta de suas gallinhas, mandou pegar o pinto. Sahiu gente atraz d'elle. Mas o pinto quando avistou a gente, largou o rio. Foi agua por cima do tempo, e a gente não pôde passar. Arranjaram canôas, e passaram sempre; mas o pinto pellado já estava longe. A tropa avançou na carreira, e quando ia chegando perto do pinto, elle largou o espinheiro, e gerou-se no mundo aquella matta de espinhos muito grande e serrada que ninguem pôde varar. Então voltaram todos para traz, e o pinto pellado teve tempo de chegar ao seu terreiro, onde ninguem mais o incommodou.