Contos de Andersen/Deus nunca morre

Deus nunca morre

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Era uma manhã de domingo. O sol resplandecia ardente e calorosamente no ambiente, assim como o ar, suave e refrescante, entrava pela janela que estava aberta. E lá fora, sob o céu azul de Deus, onde os campos e as pradarinas estavam vestidos de verde e de flores, todos os passarinhos brincavam felizes. Enquanto a alegria e a felicidade faziam festa por todos os cantos, na casa, a miséria e a tristeza lhes tiravam a paz. Até mesmo a esposa, que estava sempre bem humorada, se sentou naquela manhã à mesa do café matinal com uma expressão de tristeza; até que ela se levantou da mesa, sem sequer ter tocado um dedo na comida, secou os olhos entristecidos, e caminhou em direção à porta.

Estava tudo parecendo como se um grande pesadelo pairasse sobre aquela casa. O custo de vida era alto, o suprimento de alimentos baixo; os impostos estavam cada vez mais altos; e ano após ano os bens domésticos ficavam cada vez mais desvalorizados, e agora, então, a paisagem que se desenhava para eles era apenas de pobreza e miséria. Há muito tempo que tudo isso preocupava intensamente o seu marido, que sempre pautou pelo trabalho constante e sempre fora um cidadão cumpridor das leis; mas agora a perspectiva do futuro deixava-o desesperado; sim, e algumas vezes, até ameaçava por fim à existência miserável e sem esperança. Nem as palavras consoladoras de sua esposa cheia de fé e confiança, nem o apoio material e espiritual de seus amigos o ajudavam; isso servia apenas para torná-lo mais silencioso e infeliz. Era fácil entender porque a sua esposa havia perdido a coragem, também. Todavia, uma outra razão havia para a sua grande tristeza, e que logo ficaremos sabendo.

Quando o marido observou que a sua esposa sofria muito e queria sair da sala, ele parou diante dela e disse, "Não deixarei você ir até que me diga o que há de errado com você!"

Depois de um minuto de silêncio, ela suspirou e disse, "Oh, meu querido marido, ontem à noite eu sonhei que Deus havia morrido, e que todos os anjos do céu seguiam-lhe até a sepultura!"

"Como é que você pode acreditar ou pensar nessas tolices!" respondeu o marido. "Você sabe, naturalmente, que Deus nunca morre!"

O rosto da esposa dedicada luziu de felicidade, e enquanto afetuosamente apertava a mão do marido, ela exclamou, "Então, o nosso Deus ainda vive!"

"É claro que ele está vivo," disse o marido. "Como é que você pode duvidar disso!"

Então, ela o abraçou, e o observava com olhos apaixonados, que expressavam confiança, paz, e felicidade, quando ela disse, "Mas, meu querido marido, se Deus ainda está vivo, porque nós não acreditamos e confiamos nele! Ele sabe até quantos cabelos temos em nossas cabeças; e nenhum deles se perde sem o Seu conhecimento. Ele veste os lírios do campo; alimenta os pardais e os abutres."

Isso foi como se um véu fosse levantado de seus olhos e como se um peso muito grande caísse de seu coração quando ela disse essas palavras. Ele sorriu pela primeira vez depois de muito tempo, e agradeceu à sua esposa amada e piedosa pelo susto que lhe havia pregado, e através do qual a sua fé em Deus renasceu e a sua confiança foi restaurada. E na sala o sol brilhava com mais calor sobre o rosto das pessoas felizes; uma brisa suave afagava os rostos sorridentes, e os pássaros cantavam cada vez mais alto seus sinceros agradecimentos a Deus.




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