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A MAIS FEIA
 

As Pennafortes eram tres: a Joanna,
A Leonor e a Laurinda.
A Joanna era mui linda;
Altivez soberana
Tinha, no olhar, no caminhar, no porte;
Dir-se-ia uma princeza,
Se o pae della não fosse o Pennaforte,
Cuja honrada pobreza
Foi publica e notoria.

Era a Leonor tambem muito bonita,
Da estranha boniteza
Que, em cada olhar cantando uma victoria,
Olhos encanta e corações agita.

Poderia dizer-se que a belleza
Era naquella casa obrigatoria,
Se a Laurinda, das manas a mais nova,
Não fosse muito feia,
O que prova (ou não prova)
Que á equidade é a natureza alheia.

A inditosa Laurinda, todavia,
Tinha tal graça e tanta sympathia,
E tão bonitos dentes,
Que os da familia amigos e parentes
Todos gostavam della;
Só o Pennaforte não lhe perdoava
Não ser, como as irmans, bella
E com menos carinhos a tratava.

A Leonor e a Joanna
Vestiam do melhor, quasi com luxo:
Era rara a semana
Em que perdiam festa,
Embora o pae se visse atrapalhado
Era aguentar o repuxo.
A Laurinda calava-se, modesta,
Até sorria de um sorrir magoado,
E vestia as irmans, e as enfeitava,
Qual n’outros tempos a mucama escrava.
— Fica em casa! dizia o Pennaforte.
Que irias lá fazer se te eu levasse? —
E ás outras em voz baixa accrescentava.
— Com tal cara não ha quem na supporte
Meninas, a vox popoli fallace
Diz que os filhos mais feios
São pelos paes os filhos preferidos.
A tal proposição não deis ouvidos,
Pois em todos os meios
O contrario se vê; sempre a belleza
A preferida foi pelos humanos,

Gemesse embora a fraca natureza! —
As duas, caracteres levianos,
A irmã não defendiam;
Dos seus defeitos physicos se riam;
Apenas aturavam-na, coitada,
Porque ella lhes servia de criada.

A duas raparigas tão bonitas
Não faltavam, stá visto, pretendentes:
Andava a casa cheia de visitas
E a rua de transeuntes persistentes;
Mas as moças vaidosas não achavam
Nem nos que entravam, nem nos que passavam,
Nenhum noivo que fosse digno dellas:
Uns eram gordos, outros magricelas;
Este vestia mal, fóra da moda;
Aquelle era o contrario: um figurino;
Este não pertencia á boa roda;
Aquelle sim, mas era um libertino;
Emfim, por pretendentes infinitos
Foram pedidas não sei quantas vezes,
Mas, por não terem os seus namorados
Taes e taes requisitos,
Com phrases descortezes,
Um por um, foram todos regeitados,
Inclusive tambem o Rodovalho,
Moço elegante, ajuizado e puro,
Muito dado ao trabalho.
Verdade é que era pobre,
Mas, talvez, no futuro,

Lhe deixasse algum cobre
Um tio velho e cheio de dinheiro,
Que estava no estrangeiro
E era — inda mais! — do Pennaforte antigo
E muito bom amigo.

O Rodovalho requestou a Joanna
E depois a Leonor em pura perda;
A’ vista dessa impafia deshumana,
Ninguem mais se atreveu a requestal-as.
Vendo-se o velho em posição esquerda,
Sempre mettido em talas
P’ra sustentar o luxo das pequenas,
Receou que, passando-se mais dias,
Ellas ficassem ambas para tias,
E fez-lhes um discurso,
Dizendo-lhes: — Meninas,
Casar-vos é o meu ultimo recurso;
Se continuaes fazendo-vos tão finas,
Tornaes-me esta existencia muito amarga,
E um dia destes eu arrio a carga! —
Ellas mostraram-se ambas obedientes,
Tornando-se, da noite para o dia,
Em vez de pretendidas, pretendentes.

Mas eis que um bello dia
Recebe Pennaforte
A noticia da morte
Do amigo no estrangeiro,
O qual em testamento
Deixava o Rodovalho por herdeiro,

Porém se contrahisse casamento
Co’a Leonor, co’a Joanna, ou co’a Laurinda.
O rapaz ficou muito consternado,
Que a nova foi bemvinda e foi malvinda,
Mas aceitou a deixa
Sem protesto nem queixa,
Mesmo porque, se houvesse recusado,
Todo aquelle dinheiro passaria
Para uma casa pia.

A Leonor e a Joanna
Pularam de alegria,
Pensando cada qual que entre ella e a mana
O Rodovalho não hesitaria.
Este avisou o velho Pennaforte
Que no domingo visital-o iria,
Afim de decidir-se a sua sorte.
As duas raparigas,
Que desfaçadamente, sem disfarce,
Já pareciam velhas inimigas,
Olhando-se com olhos iracundos
E evitando falar-se
Noite e dia passaram agitadas
E desassocegadas,
Contando horas, minutos e segundos.

Chegou, emfim, o rico Rodovalho,
O futuro marido,
E logo recebido
Foi pelo velho e as duas, que a Laurinda,
Essa era carta fóra do baralho...

Antes da historia finda,
Adivinham ter sido pelo moço
Escolhida a mais feia.
Assim foi, realmente. Que alvoroço.
Affirmo-lhes que ainda
A Leonor chora e a Joanna sapateia.