Correspondência ativa de Euclides da Cunha em 1904

[1904] editar

Escobar

A minha maldita memória somente agora me fez lembrar de uma dívida que não quero que fique velha. Peço-te para tirar do que aí vai o que te devo porque não sei —, livros, telegramas etc.

Não vá zangar!

Mande os fascículos da Revista Enciclopédica e venha até cá.

[Cartão de visita. Impresso: Euclides da Cunha]

Santos, 1904 editar

Solon

Recebi o teu cartãozinho. Estimei saber que estás bom. Há seis dias te escrevi. Vejo que se perdeu a carta.

Todos em casa vão bem. O Quidinho gostou muito da figurinha… que colaste na tua carta.

Escrevo-te de Santos, onde estou em serviço, apesar de ser domingo. Voltarei logo à tarde para Guarujá e levarei o teu cartão. Estuda sempre, meu filhinho!

Quero te ver breve bem adiantado. Cultiva também o teu coração, porque ele vale mais do que a cabeça. Sede sempre bom, digno e forte.

E não te esqueças de escrever-me sempre. Marca para isto, um dia certo da semana: a quinta-feira, por exemplo: para eu esperar as tuas cartas.

Adeus. Recomenda-me ao revmo. pe. Numarelli e a todos os teus mestres.

Abraça-te o teu pai e amo.

Euclides

S.l., [1904] editar

[A Lúcio de Mendonça, 1904]

Li com o máximo interesse a sua carta de 22 onde estão alguns apontamentos sobre o nosso homem. Não se surpreenda com o desejo de conhecer tais pormenores, por parte de quem, (estudante militar e formando-se precisamente na época em que ― em pleno poder ― nos colocava acima de todos os homens deste país) devia-os conhecer perfeitamente. Explico: naquela quadra não calculei bem a situação; vi no homem apenas um dos muitos soldats heureux que entram estonteadamente na história. Além fui sempre um tímido; nunca perdi esse traço de filho da roça que me desequilibra intimamente ao tratar com quem quer que seja. Daí o ter perdido.

Aqui tenho um convite que leio hoje com tristeza e que na ocasião recebi com indiferença. “29 de janeiro de 1893. Euclides ― o marechal precisa lhe falar hoje. Pinto Peixoto”.

Lá fui constrangido na minha farda de 2º tenente e atrapalhado com a espada. Encontrei o homem na sala de jantar, à vontade, e em um dos seus dias de expansão. A filha mais velha, d. Ana, que já naquela hora matinal estava junto a uma máquina de costura ― retirou-se logo que a cumprimentei.

E o grande dominador abriu-me a apertadíssima pasta da sua intimidade: Veio em ar de guerra… não precisava fardar-se. Vocês aqui entram como amigos e nunca como soldados.

Decorei textualmente. Agora meu caro dr. Lúcio, vá preparando o mais fulminante alexandrino das Vergastas para fulminar a minha horrorosa inaptidão. O grande doador de posições, referindo-se à minha recente formatura e ao meu entusiasmo pela República, declarou-me que tendo eu direito a escolher por mim mesmo uma posição, não se julgava competente para indicá-la… Que perspectiva! Basta dizer-lhe que estávamos em pleno despencar dos governadores estaduais!…

E eu (nesta época sob o domínio cativante de Augusto Comte, e que isto vá como recurso absolutório) ― declarei-lhe ingenuamente que desejava o que previa a lei para os engenheiros recém-formados: um ano de prática na E. F. C. do Brasil!

Não lhe conto o resto. Quando me despedi pareceu-me que no olhar mortiço do interlocutor estava escrito: nada vales.

E tive ainda a inexplicável satisfação de descer orgulhosamente as escadas do Itamaraty, atravessar alegremente o saguão, embaixo, e sair agitando não sei quantos sonhos de futuro… um futuro que desastradamente eu tinha destruído.

Conto-lhe o caso para que avalie a insciência em que estava daquele momento histórico, o que explica a minha ignorância atual.

Por isso, sempre que puder, sem que isto seja um compromisso que lhe tome o tempo tão bem empregado ― transmita-me as suas impressões pessoais.

Santos, 13 de janeiro de 1904 editar

Meu caro coronel Borba

Saúdo-te — e não preciso dizer-te que aqui estou às tuas ordens.

Peço-te que entregues ao sr. Ernesto Nogueira a importância das minhas 8 diárias. O pedido justifica-se pelas aperturas em que me pôs a mudança da minha tenda de engenheiro-árabe.

Adeus.

Recado do

Euclides da Cunha

Santos, 16 de janeiro de 1904 editar

[Cartão de visita]

Ao Exmo. sr. Machado de Assis

[Cartão de visita. Impresso: Euclides da Cunha]

Euclides da Cunha [impresso]

Saúda; e comunica-lhe que na sua nova residência, em Santos, onde veio dirigir uma das seções do Saneamento, está inteiramente ao dispor do distinto mestre e amigo.

Euclides da Cunha

Santos, 23 de janeiro de 1904 editar

[Cartão de visita]

A Plínio Barreto, distintíssimo companheiro e amigo,

Euclides da Cunha [impresso] saúda afetuosamente: agradece-lhe as suas generosas palavras e pede-lhe que disponha sempre de seus diminutos préstimos nesta cidade…

[No verso]

Quanto à “bandeira”, estou verdadeiramente incomodado. Perdi-a na minha precipitada mudança! Além disso, aqui cheguei e me vi logo a braços com um serviço desconhecido e complexo. O Barjona que me desculpe e dê notícia. Estou doido para tomar pé no emprego, equilibrar a vida, volver às leituras prediletas e colaborar mais ativamente no Estado.

Euclides

Santos, 15 de fevereiro de 1904 editar

A Machado de Assis

Meu eminente mestre. O sr. está numa cidade que eu vi na mais remota juventude, e bem perto do pequeníssimo vilarejo onde nasci — Santa Rita do Rio Negro. Não a conheço mais. Mesmo dessa encantadora Nova Friburgo tenho uma impressão exagerada. Foi a primeira cidade que eu vi; e conservo-lhe neste rever na idade viril, uma impressão de criança, a imagem desmesurada de uma quase Babilônia… Calcule, portanto, quantas emoções me despertou a sua carta! Recebi-a em plena faina do meu triste ofício, e para logo olvidando não sei quantos requerimentos e reclamações, andei a vadiar galhardamente no passado. E foi uma consolação: vi-me por algum tempo fora desta agitação dispersiva em que ando metido. Realmente, desde que aqui cheguei não tive ainda um quarto de hora para me dedicar aos assuntos queridos, nem aos livros prediletos. Estou inteiramente embaraçado e preso numa rede… de esgotos! A comparação, tristemente realista, é tristemente verdadeira. Mesmo na ordem intelectual, a minha leitura exclusiva tem-se feito nuns pesados calhamaços, onde capa página faz o efeito de uma estrapada inquisitorial, no deslocar o espírito em sucessivas quedas. Durand-Clayde, Bechmann, Arnold (como estamos longe de Taine, Buckle, Comte, Renan…) estes bárbaros anônimos são os familiares deste Mau-Oficio…

Mas já lhes paguei o meu tributo de resignação, aprendendo afinal algumas formulazinhas entre as mil que ensinam; e livre, em breve, dos grandes charlatas, que a ciência brutalmente utilitária transformou em beneméritos curandeiros de cidades, — julgo que poderei em breve dedicar-me à minha profissão real.

E tanto assim é que lhe peço dizer-me para quando está definitivamente marcada a recepção na Academia. Prefiro a 1ª quinzena de maio; mas subordinar-me-ei ao seu parecer. De qualquer modo aguardo a sua resposta para ir desde já alinhando o discurso.

Recomende-me a todos os seus e creia sempre na maior consideração e profunda estima do colega muito admirador

E. da Cunha

[Timbre: Comissão de Saneamento de Santos]

Santos, 5 de março de 1904 editar

Meu ilustre mestre e amº [Machado de Assis]

Saúdo-te e à Exma. família.

Na carta que anteriormente lhe escrevi (enviei-a para Nova Friburgo) consultei-o sobre a data da recepção na Academia. Aguardo a sua resposta, por ir desde já dispondo as coisas, e poder estar aí no dia marcado. Penso que a melhor quadra é a de maio a junho; mas aguardo o que resolver.

Continuo na mesma vida fatigada de sempre. Encontro, entretanto, sempre algumas horas de folga para os estudos prediletos; e quando aí for hei de lhe dar conta do pouco que tenho feito.

Disponha sempre de quem é com a maior consideração admor. e amº.

E. da C.

Santos, 12 de março de 1904 editar

Max Fleiuss

Recebi com a maior satisfação a sua carta de anteontem. Aqui estou às voltas com o meu triste ofício de engenheiro. Quer isto dizer que bem pouco tempo me sobra para cuidar de coisas mais altas. Calcule a minha revolta contra essa situação lastimável: chumbado à profissão ingrata que me desvia tanto dos estudos prediletos…

Mas realizo o milagre incrível de inventar o tempo; não deixo passar um quarto de hora de tréguas, nesta azáfama estéril — e neste estudo aos pedaços, mal feito, grandemente atrapalhado, vou seguindo pelos meandros de nossa história. Um velho paulista — homem dos bons tempos — cedeu-me a sua coleção completa da Revista do Instituto — e ali tenho colhido muitos materiais para fixar a fisionomia da nossa gente no princípio do século passado. Sem a conhecer bem, jamais poderei fixar os traços essenciais do nosso velho Caxias.

A sua carta perturbou-me. Realmente, um estudo da época de d. João VI é tentador. Além disto, para mim seria melhor o prólogo à grande vida do nosso grande e tranquilo heroi. É bem possível, portanto, que transfira para mais tarde o desempenhar-me do compromisso que tomei, para concorrer ao certame que se abrirá. Mas que prazo tem para isto? Para mim o grande valor da tese a desenvolver, está menos na figura de d. João VI que na alta significação da sua época. Quem a explanar com segurança fará simplesmente uma coisa extraordinária: As Origens do Brasil Contemporâneo.

Se me resolver a isto hei de lhe escrever. Em todo o caso mande-me dizer que tempo há para a entrega dos trabalhos. Os concorrentes que me citou seriam um motivo para que desde já eu evitasse o pleito, se a vontade de estudar não me dominasse a própria fraqueza.

Fez bem em mandar que eu aditasse ao folheto do Laemmert o parecer do Instituto, que tanto me satisfez.

Mande-me sempre notícias suas — e disponha sempre de quem é, com muita estima e consideração — amº. obrmo. e admor.

Euclides da Cunha

Santos, 19 de março de 1904 editar

Ilustre am. Max Fleiuss

Em aditamento à minha carta anterior de 15, peço-lhe dizer-me quando se encerrará o prazo do concurso para a “Memória” acerca de d. João VI, assim como se é necessário uma inscrição para o mesmo, ou qualquer outra formalidade. Faço o pedido com a maior reserva porque ainda não sei se a minha vida atarefada me dará tempo para a empresa.

Saúdo-o cordialmente, subscrevendo-me amº., obrmo. e admor.

Euclides da Cunha

Santos, 28 de março de 1904 editar

Escobar

Recebi o livro anteontem! Atrasado no correio.

Escrevo-te só para te dizer isso: continuam apertadíssimos os trabalhos.

Invejável vida! Quando vens? Quando te mudas para S. Paulo? Escreva. Mande notícias.

Lembranças ao Valdomiro.

Recomenda-me aos teus. Todos os de minha casa mandam lembranças.

Recado do

Euclides

Rio, 22 de abril de 1904 editar

Coelho Neto

Tens razão. Li a tua carta, e para logo, rompendo com um propósito que me parecia inflexível, procurei o Lauro Müller e pedi um emprego. Aquele velho companheiro, com enorme surpresa minha, ― tão destemperados andam os homens e os tempos! ― recebeu-me admiravelmente. Não era o ministro, era o antigo companheiro de ideal, o sócio daqueles estupendos sonhos de mocidade (ó República!…) que não sei mais onde existem. Mas antepõe-se um obstáculo grave: a legião inumerável de engenheiros desempregados, que entope as escadas das secretarias. Não imaginas o que eu vi… Vê se concebes, de momento, com o melhor da sua fantasia, o quadro de uma espécie de Encilhamento da Miséria. Há em cada caracol das escadas que levam aos gabinetes dos ministros urna espiral de Dante. Considera agora isto: eu entrei por uma delas; ninguém me conhecia; esquecera-me a preliminar de um cartão, de um empenho; de sorte que, a breve trecho, no apertão dos candidatos afoitos, capazes de pagarem com dois anos de vida cada degrau da subida, me vi frechado de olhares rancorosos… Estaquei, arfando, espetado, em pleno peito, por um cotovelo rígido e duro, de concorrente indomável; não ouvi o trágico ranger de dentes; ouvi grunhidos. Quis voltar; impossível: não havia romper-se a falange que se unia, em baixo, inteiriça, ombros colados como os dos suíços medievais na hora da batalha. Tirei desesperadamente o lenço amaldiçoei-te, ó homem, que, a cem léguas de distância, com um movimento da pena e um bater do coração, me atiravas naquela ciscalhagem de almas, de músculos e de nervos! Mas naquele instante alvorou um rosto amigo e desconhecido e, logo após, sacudida por um gesto, que roçou um impertinente cavanhaque vizinho, como a asa de um pássaro num capão de mato, uma pergunta: ― É o sr…? O cavanhaque contemplou-me curioso, um sujeito gordo e tressuante por sua vez recuou, e na face cheia espalmou-se-lhe um sorriso; um outro, também gordo (a que mais podem aspirar estes homens? Noto que na sua maioria os candidatos são repletos de carnes) fez o milagre de afastar-se um pouco… e num minuto, nem sei como isso foi, estava lá em cima. E lá em cima empolgou-me a vaidade, porque, em verdade, quem me levara até lá, com tanta felicidade, fora o Euclides da Cunha!

Estas tolices escandalosas só se dizem aos irmãos.

Em resumo, ― volto amanhã para Guarujá, já repleto de esperanças; e conto que dentro de 2 ou 3 meses estarei restituído à engenharia. Tenho a boa vontade incondicional dos dois Lauros ― Müller e Sodré, além de muitos outros. Mas como não poderei ficar inativo (repito: a minha demissão foi uma cartada no vácuo; preciso trabalhar já e já), aceitei o convite que me fez o Lage para escrever n’ O País. Escreverei também n’ O Estado. Mas tudo isto é provisório. ― Conversaremos melhor depois.

Recomenda-me aos teus e aos bons amigos de Campinas.

Abraço-te

Euclides da Cunha

Guarujá, 27 de abril de 1904 editar

Vicente

Aqui estou, diante de tua carta de 24, e a bater com ambas as mãos no peito, penitenciando-me de haver comentado amargamente o teu silêncio. De fato na roda íntima do Viegas, do Sete e do Catunda esbravejei homericamente contra a demora da tua resposta.

Mas passou…

Estive no Rio. Fui cativantemente recebido pelo Lauro Müller; e voltei cheio de esperanças. Considerando, porém, o doloroso estado em que encontrei ali a pobre engenharia — torpemente jogada na calaçaria estéril da rua do Ouvidor ou entupindo as escadas das Secretarias — creio bem que todas as esperanças são vãs. Que podem arranjar-me? Imagina, portanto, quanta vacilação e quanto agitar o ser e o não ser, me lavram devastadoramente o espírito… Espero muita coisa; alimento projetos vários todos mais ou menos viáveis; imagino outras, que se esvaem logo; e neste tumulto, vou-me agitando no estonteamento de quem segue tateando entre miragens.

Doloroso é isto: tenho doze anos de carreira fatigante, abnegada, honestíssima, elogiada, traçada retilineamente; passei-os como um asceta, com a máxima parcimônia, sem uma hora de festa dispendiosa, e chego ao fim desta reta tão firme, inteiramente desaparelhado!

Nada caracteriza melhor as deploráveis convicções deste país para os trabalhadores verdadeiramente dignos de tal nome. Mas não desanimo. Por comodidade prefiro ficar em Santos. Tenho pena da pobre família arrastada nestas mudanças continuadas… Há talvez um meio de ficar: vai construir-se o instituto ou a escola da herança do dr. Otávio.

Muitas pessoas desejam que eu me encarregue, administrativamente, dos trabalhos.

Apenas uma, o sr. Júlio Conceição, por motivos a que sou estranho, tem outros intuitos. Não sei se a tua intenção junto dele teria eficácia decisiva. Se assim o julgas, escreva-lhe a este respeito. Conseguindo aquele serviço, eu poderei continuar os estudos prediletos, e aguardar com mais serenidade que apareça uma colocação melhor.

Porque agora, de repente, não há boa vontade nem influências que me consigam boa colocação no funcionalismo. Está tudo tomado; e para alguns lugares vagos, que ainda existem, há triplicado número de candidatos que há muitos meses moram nas ante-salas das secretarias.

Segundo me disse o Müller, e eu verifiquei depois, muitos deles, já estão trabalhando desde muito tempo, gratuitamente, para adquirirem direitos à nomeação.

Ainda mais: para se entrar nesse quadro original de funcionários gratuitos… é preciso empenho!

Encaro, entretanto, estas coisas com serenidade. Assustei-me mais no naufrágio manqué do Alamiro. Lembras-te?

Pois, meu Vicente, estende-me de lá a tua mão amiga, para que este sudeste rijo da desgraça não arrebate inteiramente o teu

Euclides

Lembranças a todos os teus Endereço: Santos (Guarujá)

Hotel de França — Quarto nº 8 — São Paulo editar

[Carimbo postal: 10 de junho de 1904]

Ilmo sr. Francisco de Escobar

Espero-te domingo, sem falta, em Guarujá. Conversaremos melhor e talvez eu te possa guiar melhor quanto à tua pretensão.

Recado do amo. Obrmo.

Euclides

São Paulo, 13 de junho de 1904 editar

Ilustre colega e amo. dr. José Veríssimo

Saúdo-o desejando-lhe felicidades. Breve pretendo ir até aí, e então darei melhores notícias minhas. O objetivo único desta carta é enviar-lhe um número do Estado, onde se lê um artigo de Henrique Coelho, um magnífico companheiro e uma esperança. Sei da grande inclinação que o sr. tem pelo grande problema social; e desejo saber qual a sua opinião sobre o artigo do Henrique, que é um convencido e um dos poucos que no nosso reduzidíssimo meio intelectual se preocupa com estas questões.

Continuo ainda em Guarujá (Santos), para onde voltarei amanhã. Lá estou inteiramente ao seu dispor, e lá aguardo a sua resposta.

Creia sempre na maior consideração do seu amo. muito admor.

Euclides da Cunha

[Carimbo do bilhete postal:]

Guarujá, 20 de junho de 1904 editar

[Bilhete postal]

Hotel de França — S. Paulo

Ilmo. Sr. Francisco de Escobar

Seguirei S. Paulo logo que fique melhor filhinho menor gravemente queimado num pé. Falarei diretamente sobre o teu negócio. A carta não terá valor nenhum. Há tempo: ontem o Carlos Guimarães me disse que não é para já; depende da reforma judiciária; coisa de 4 ou 5 meses. Fiquei descansando.

Mas se por qualquer circunstância for absolutamente necessária a minha carta — diga-me por telegrama. Ela poderá chegar aí terça-feira.

Mas a carta pouco adiantará; à viva voz conseguirei tudo. Mande-me apenas algumas indicações a respeito.

Abraça-te o

Euclides

[À margem:] Parabéns pela aceitação da proposta.

Guarujá (Santos), 24 de junho de 1904 editar

Meu ilustre confrade e amo. dr. José Veríssimo

Saúdo-o, desejando-lhe felicidades.

Por uma carta, neste momento recebida, de Oliveira Lima, vi com a maior satisfação que o sr. aplaude o meu intento de seguir para os remotos pontos da nossa terra que desejo ver e estudar de perto. Ainda mais, sei que intervirá eficazmente para o sucesso pleno da minha tentativa. Venho agradecer-lhe a boa vontade e o valioso concurso. Não lhe escrevi antes porque não desejava que se ampliasse aquele intento, ainda instável e tendo como recurso único a minha resolução. Mas já que em boa hora aquele nosso distintíssimo confrade lhe revelou, venho dizer-lhe que espero tudo dos seus bons ofícios. Não escreverei diretamente ao barão do Rio Branco. Mas do que as minhas palavras valerão a sua e a de Oliveira Lima.

Para mim esse seguir para Mato Grosso, ou para o Acre, ou para o Alto Juruá, ou para as ribas extremas do Mahú, é um meio admirável de ampliar a vida, o de torná-la útil e talvez brilhantíssima. Sei que farei muito. Aquelas paragens, hoje, depois dos últimos movimentos diplomáticos, estão como o Amazonas antes de Tavares Bastos; e se eu não tenho a visão admirável deste, tenho o seu mesmo anelo de revelar os prodígios da nossa terra.

Se por acaso for tardia a organização das comissões demarcadoras dos nossos limites, poderei seguir só — com o objetivo de dizer sobre os aspectos físicos e riquezas essenciais daquelas regiões. Não creio que seja coisa difícil. Pelo menos não é uma novidade. O simples nome de Alexandre Ferreira (desculpe-me este envaidar-me em ousados paralelos) nos diz que o exemplo é velho, tem muito mais de cem anos. Além disto, se as nações estrangeiras mandam cientistas ao Brasil, que absurdo haverá no encarregar-se de idêntico objetivo um brasileiro?

Isto justifica as minhas fundadas esperanças. Aguardo a sua resposta; e espero muito breve abraçá-lo aí. Creia sempre na maior consideração do seu

muito cordialmente

Euclides da Cunha

P.S. — Não há temer-se a oposição de um espectro, o Exército, por causa dos Sertões. Tenho lá, mesmo naqueles lugares, amigos — bastando citar o nome de Siqueira de Menezes. Além disto, o rancor despertado pelo livro vai muito atenuado…

Guarujá, 26 de junho de 1904 editar

Escobar

Conversei ontem com o Henrique Coelho a teu respeito. Disse o que és. Ele ficou extremamente desejoso de te conhecer; e é escusado dizer-te que ampara francamente a tua candidatura. Podes escrever-lhe, baseado no que te digo. Satisfaz, assim, o que desejavas. Dispõe sempre do

Euclides

Quanto ao resultado da minha ida a S. Paulo: esperanças! Esperanças!! Esperanças!!!… desespero!

Euclides


Santos, 2 de julho de 1904 editar

[Carimbo postal]

Plínio

Seguiu hoje, registrado, o primeiro artigo para o Comércio.

Reclamo a tua revisão.

Recado do

Euclides

[Carimbo no bilhete postal:]

5 de julho de 1904 editar

Ilmo sr. dr. Plínio Barreto

Redação do Estado de S. Paulo S. Paulo

Plínio

Escreveu-me anteontem o Oliveira Lima pedindo-me dois números do Estado de 25 (não sei se é a data do que traz a “Comédia Histórica”) — e eu imediatamente transmiti o recado ao Carlos Ferreira para enviá-los diretamente daí — para o Hotel dos Estrangeiros — Rio. Agora desconfio que pus o endereço errado. Verifica-me isto — porque me parece que mandei a carta para o Comércio, com o artigo que ontem seguiu.

Diga ao Laerte para transcrever o “Ideal da América” do País de ontem. Façamos a propaganda do magnífico Roosevelt, o grande evangelizador.

Euclides

[À margem:] Quando aparece por aqui? Responda.

Guarujá, 5 de julho de 1904 editar

Henrique Coelho

Transcrevo de uma carta de José Veríssimo, que não mando por tratar de outros assuntos que me interessam:

“Também me agradou muito o artigo que me fez o favor de enviar, do sr. Henrique Coelho, pelo fundo e pela forma, que é já de um escritor. De parte o talvez excessivo esmero de citações — a que aliás nós escritores brasileiros somos obrigados pela inépcia do nosso público — o artigo é muito bem feito. Não obstante extenso é de uma leitura fácil e agradável.”

Aí está um juízo feito na intimidade. Absolutamente sincero, portanto.

Adeus; felicidades. Abraço-te

Euclides da Cunha

Guarujá, 7 de julho de 1904 editar

Meu ilustre amo. dr. José Veríssimo

Recebi a sua prezada carta e fiquei satisfeitíssimo com o seu valioso juízo relativamente ao meu “Marechal de Ferro”. Também transmiti ao Henrique Coelho a sua opinião sobre o trabalho dele.

Quanto ao outro assunto — ela fortaleceu as esperanças na realização do meu ideal de bandeirante. Estou cada vez mais animado em levá-lo por diante. Que melhor serviço poderei prestar à nossa terra? Além disto, não desejo Europa, o boulevard, os brilhos de uma posição, desejo o sertão, a picada malgradada, e a vida afanosa e triste de pioneiro. Nestes tempos de fragilidade já não é pouco.

Ampare por isto, com o inegável prestígio do seu nome, a minha pretensão. E diga-me sempre uma palavra a respeito dela. Aguardo ansiosamente uma decisão.

Escrevi ontem outra vez ao nosso eminente confrade Oliveira Lima.

Recomendo-me muito a todos os seus, e creia sempre em quem é seu muito cordialmente.

Euclides da Cunha

P.S. — Antes de partir tomarei posse da cadeira na Academia. Mas não poderei sair daqui sem uma decisão clara.


Guarujá, 18 de julho de 1904 editar

[Bilhete postal]

Exmo. sr. dr. Plínio Barreto

Redação do Estado de S. Paulo Rua 15 de Novembro, 58 S. Paulo

Plínio

Saúdo-te. Estou intrigadíssimo. Escrevi há dias um cartão ao Laerte pedindo-lhe que me mandasse o Comércio — (que não assinei, até por um pacto vulgar de delicadeza pessoal) e não obtive resposta. O caso é aparentemente sem importância. Mas considerando a minha situação de colaborador recente, ali, essa desatenção pode ser uma revelação de desagrado. Concluo: talvez não tenham agradado os meus artigos. É exato? Diga-me francamente. Estou na mais completa impossibilidade de escrever uma linha para o Comércio enquanto persistir esta dúvida. E como foi por instâncias tuas que atendi aos pedidos do Laerte — peço-te esta explicação que se dirige sobretudo a um amigo.

É escusado dizer-te que de modo algum desejo que me mandem mais aquele jornal — gratuitamente — mesmo que a colaboração continue. De qualquer modo, aguardo a tua resposta, e abraço-te cordialmente.

Euclides

[Bilhete postal]

Guarujá, 25 de julho de 1904 editar

Ilmo. sr. dr. Plínio Barreto

Redação do Estado de S. Paulo S. Paulo

Amanhã, terça, pretendo ir até aí.

Previna o Valdomiro — e combinem de modo que possamos vir, juntos, na quarta.

Euclides

Guarujá, 27 de julho de 1904 editar

Plínio

Ontem respondi a tua carta — de acordo com o que disseste. Espero-te sem falta com o Valdomiro e o Breno. Não faltem. Estou a procurar assunto para escrever. Há muitos nesta terra… mas tão […] que a escolha é dificílima. Mandei para o País um com o título “Vida das Estátuas” — Pelo título poderás calcular o que é. Talvez o País não o publique. Se o fizer peço que seja transcrito no Comércio. Talvez valha a pena. É uma ferroada política… através de um temperamento.

Até breve

Euclides

[Bilhete postal]

30 de julho de 1904 editar

Ilmo. sr. Plínio Barreto

Redação do Estado de S. Paulo S. Paulo

Plínio

Hoje aconteceu-me uma única. Escrevi para o Comércio… e mandei o artigo para o País! Vejo pelo recibo do registro! É que estava sob a impressão de uma carta do Lage, pedindo-me para não interromper a colaboração naquele. Expliquei o caso ao Laerte. Vou emendar a mão.

Até breve.

Euclides

[Santos, 1904] editar

Plínio

Recebi o teu cartão. Conversaremos depois sobre o Transiberiano. Por que não me mandam o Comércio?

Estou terminando um artigo para o Estado de domingo. Não posso enviá-lo hoje. Mandá-lo-ei expresso amanhã — de modo que esteja aí amanhã mesmo, sábado, à noite. — Previne ao Carneiro.

Quando vens? Responda-me porque talvez eu tenha que ir ao Rio.

Euclides

A “Missão da Rússia” foi bem revista. Mas como é que me escapou e te escapou aquele — MAS SE ESQUECE etc.?

[Guarujá] editar

Plínio

Escrevi-te hoje. Lembrei-te a transcrição do artigo “Vida das Estátuas” no Comércio. Nunca!!! O País estropiou todo o artigo. Um horror! Que revisão!

Abraça-te

Euclides

Guarujá, 7 de agosto de 1904 editar

Coelho Neto

Cheguei neste momento da ilha dos Búzios, onde estive com o Cardoso de Almeida. Encontrei a tua carta e leio-a, de pé, de mala a tiracolo e de botas, sem mesmo sentar-me, tal o desejo que tinha de notícias tuas. Obrigadíssimo. Vejo que estás bom e com a melhor coragem para a luta, embora digas o contrário. Impressionou-me apenas pouco agradavelmente o fato de não ires mais para a Europa. Por que? Conta-me isto. Egoisticamente folguei com a nova, mas, como amigo, lamento o caso, prevendo-lhe causas que sejam para você um desgosto. Conta-me isto. Quanto a mim estou entre miragens, tendo milhões de promessas, milhões de esperanças e creio mesmo que, amanhã hei de ver-me atrapalhado para escolher os empregos. Enquanto isto não acontece caio na engenharia a retalho das vistorias.

Quanto à Politécnica: ia tudo admiravelmente — eu queria, o governo queria muito, a congregação queria muitíssimo a minha nomeação, porém, à última hora razões muito sérias, e muito honestas, obrigaram-me a escrever ao sr. Garcia Redondo uma carta que era, afinal, o rompimento das nossas relações. Depois te contarei este caso melancólico. Renunciei desabridamente à pretensão. Mas muitos não me entendem neste ponto, de sorte que talvez ainda seja surpreendido com a nomeação.

Andas escrevendo muito. Três artigos diários! Não te esgota esta dissipação da fantasia e esta caçada exclusiva de assuntos? Quando voltas para Campinas? Afinal, tive razão… Não devias ter deixado a boa cidade provinciana. Vai fazer de filho pródigo, de talento e de ideais — e como o da Bíblia serás recebido com o melhor carinho daquela gente. Ainda bem.

Habituei-me ao Guarujá, ou melhor: o Guarujá comigo — tolera as minhas distrações, o meu ursismo, a minha virtude ferocíssima de monge e de dispéptico, de sorte que passo a melhor das vidas às voltas com o gárrulo H. Heine ou com o Gumplowicz terrivelmente sorumbático. Ponto. Imagina que ainda estou de botas, e de mala ao lado, e de chapéu à cabeça, — com os meus dois pequenos a puxarem-me desesperadamente para a sala de jantar! Recomenda-me aos teus. Abraço-te muito afetuosamente.

Euclides da Cunha

Guarujá, 8 de agosto de 1904 editar

Meu Pai

Acabo de receber do dr. Oliveira Lima um telegrama noticiando a minha próxima nomeação para a comissão de engenheiros para os limites do Peru. Não sei ainda em que cargo. De qualquer modo devo aceitar. Só terei a lucrar — como brasileiro que vai prestar um serviço à sua terra, como engenheiro que não pode ter um trabalho mais digno, e como escritor que não poderá ter melhor assunto. Quanto à família — ficará com a minha sogra, no Rio. Logo que se faça a nomeação irei ao Rio a fim de conhecer os meus encargos — e porei o sr. ao corrente de tudo. Se for possível, verei se consigo do governo do Estado de S. Paulo, onde conto com as melhores simpatias a nomeação para a Politécnica — para exercer este cargo, definitivo, na volta da minha comissão que será naturalmente provisória. Mas mesmo na hipótese contrária — penso que não devo deixar a oportunidade que se me apresenta para ampliar a minha carreira — sobretudo tratando-se de uma missão tão nobre. Estou certo de que o sr. aprovará a minha resolução. O que ocorrer de novo prontamente lhe comunicarei. Esta, rapidamente escrita, só tem por fim lhe dar parte disto. [...]

P.S. — Como já viu pelos jornais fui há dias à ilha dos Búzios, com o Cardoso de Almeida — que verificou em todos os pontos a exatidão do meu relatório anterior.

Guarujá, 8 de agosto de 1904 editar

[Bilhete postal]

Ilmo. sr. dr. Plínio Barreto

Redação do Estado de S. Paulo S. Paulo

Um anônimo entusiasta escreveu-me furiosíssimo por saber que vou colaborar num jornal de S. Carlos. Peço-te dizer-lhe (confio na tua argúcia incomparável) que vou deferir à sua vontade.

Hoje, mandei para o Comércio o “Kaiser”, sangrando com meia dúzia de farpas. Até breve,

Abraço-te

Euclides

Saudades ao Valdoro

Guarujá, 11 de agosto de 1904 editar

Meu ilustre amigo dr. José Veríssimo

Recebi neste momento a sua carta de 8, deste; e para logo comecei a preparar-me para a viagem — de modo a estar pronto à primeira voz. Ainda não recebi o telegrama de Domício, mas um do Oliveira Lima, ontem, à noite, noticiando-me a nomeação até o dia 12. Até breve, pois. Creia sempre em quem é seu muito cordialmente

Euclides da Cunha

[Guarujá, 1904] editar

Escobar

Desejo-te felicidades — e, principalmente, que encontres toda a família boa e feliz.

Insisto num pedido: encontra-me em S. Paulo, por qualquer preço o Ferro e Fogo de Sienckiewicz, mas em inglês. Talvez já exista algum no Garraux e com certeza no Rio.

Nada mais. Escreva-me das alterosas montanhas, se tiveres tempo e dispões sempre amo. obrdo.

Euclides

Guarujá, 22 de agosto de 1904 editar

Meu ilustre confrade e amo. Domício da Gama

Saúdo-o, desejando-lhe felicidades.

Recebi ontem o interessante folheto de Chandless. Obrigadíssimo.

Ainda estou aqui — em Guarujá — mas pronto ao primeiro sinal de partida; e logo que termine uns projetos e orçamentos, que tenho em mãos, partirei para aí. Peço-lhe que me recomende muito ao nosso ilustre chefe, o barão do Rio Branco, e a todos os bons amigos — acreditando sempre em quem é seu muito cordialmente,

Euclides da Cunha

Guarujá, 23 de agosto de 1904 editar

Plínio

Recebi a tua carta. Obrigadíssimo. Quanto ao célebre escangalhador, já lhe sabia da capoeiragem — a que não devemos dar nenhuma importância. Em todo o caso agradeço muito o teu interesse e as tuas palavras.

Não sei quando irei até aí: talvez dentro destes 6 dias. Ando às voltas com dois longos orçamentos.

Lembrei-me do seguinte: enfeixar num volume os meus últimos artigos do Estado e do País. Talvez possa fazer o negócio com o Melilo. Nada quero lucrar — desejando apenas que a edição seja decente.

Se puderes, conversa com o livreiro sobre o assunto — mandando-me dizer o que ocorrer.

Lembranças a todos, do

Euclides

P.S. — Calculo que os artigos darão um volume de 300 páginas — porque podemos aditar-lhes alguns outros entre os melhores dos que escrevi antigamente.

Pense sobre o assunto e responda-me algo a respeito.

Euclides

[Timbre: Thomas Viegas. Caixa Postal, 224. Santos]

Guarujá, 25 de agosto de 1904 editar

Meu Pai

Recebi a sua carta — e fico ciente do que nela me diz. Creio — mas há muita certeza — que os vencimentos são de 3:000$000 mensais. Em todo o caso não serão muito inferiores a esta quantia, para os 1os comissários — havendo, além disto, uma ajuda de custo que ainda não se fixou. Quanto aos orçamentos da Bertioga e dos Búzios (mandei ontem o 1º) estou certo de que o dr. Cardoso de Almeida — saberá avaliar devidamente o trabalho.

O sr. tem razão: tenho sido idealista demais — e disto me arrependo. Vou fazer o possível para considerar as coisas praticamente, sem contudo perder a minha velha linha reta à qual já estou habituado. Para mim a comissão ao Purus terá o valor de preparar-me talvez outras — porque pretendo desempenhá-la com a máxima dedicação. Antes de partir — irei até aí, e conversaremos melhor. Esta vai sendo precipitadamente escrita porque pretendo acabar hoje o orçamento da colônia penal dos Búzios.

Peço-lhe que nos recomende a todos e abençoe ao filho e amo.

Euclides

Guarujá, 27 de agosto de 1904 editar

Meu ilustre amo. dr. Domício da Gama

Saúdo-o. Escrevi-lhe há dias comunicando haver recebido a monografia de Chandless e agradecendo-lha.

O meu fim agora é pedir-lhe que me diga em que data, mais ou menos, se realizará a partida para o Alto Purus.

Estou pronto mas considerando o mau estado sanitário do Rio, só levarei a família nas vésperas da viagem.

Aguardando as suas ordens aqui, em Guarujá, subscrevo-me, com a maior consideração, amo., ato. admor.

Euclides da Cunha

Guarujá, 31 de agosto de 1904 editar

Meu ilustre amo. dr. Oliveira Lima

Felicidades. Aqui o esperei longos dias para a peregrinação à lendária Bertioga. Afinal, não obtendo resposta às cartas que escrevi, para lá segui, sentindo sinceramente não ter ao meu lado quem tanto se devota ao nosso passado interessantíssimo. Como lembrança da romaria aí vai esta estampa, que não mandei cartonar, para facilitar a remessa pelo correio. Mais tarde lhe darei outras.

Ainda estou aqui, aguardando a voz de partida. Se souber de algo sobre ela queira dizer-me.

E creia sempre na afeição sincera de seu amo. e admor.

Euclides da Cunha

Guarujá, 31 de agosto de 1904 editar

Meu ilustre amo. dr. José Veríssimo

Tenho-lhe falado tanto na minha ilha dos Búzios que não resisto à ideia de mandar-lhe uma amostra desse belo recanto da nossa terra. Veja como é caprichosa a nossa natureza: ocultar no mar alto uma de suas faces mais belas! Como o sr. talvez queira conhecer alguns dos do grupo que lá está, numerei-os: 1 — Benedito Calixto, talentoso pintor vicentista; 2 — Cardoso de Almeida, ministro da Justiça do Estado; 3 — Antonio de Godoy, chefe de polícia; 4 — um engenheiro cujo nome não me ocorre; e 5 — Alberto Souza, escritor paulista. No extremo do cartão, muito afastado, e em destaque, está um animal bem superiora todos os outros, um pescador da ilha, rija e empertigada figura de piraguara robusto.

Desculpe-me mandar a estampa sem cartão — é o melhor meio para o transporte no correio. — Até breve. Se souber alguma coisa sobre o dia provável da nossa partida, peço dizer-me logo — porque aqui estou na mais absoluta insciência das coisas. Queira abraçar por mim ao Veríssimo Filho; recomendar-me a todos os seus e dispor sempre do amo. ato. e admor.

Euclides da Cunha

P.S. — Faço votos para que já esteja inteiramente restabelecida a sua filhinha.

Guarujá, 1 de setembro de 1904 editar

Meu ilustre amo. dr. Oliveira Lima

Ontem, depois que lhe escrevi e mandei registrada uma fotografia da nossa velha Bertioga — recebi a sua carta. Veio, ela, tirar-me de grande vacilação porque afastado, como estou, não sabia se estava ou não, próxima a época da partida para o Purus. Vejo que talvez ainda se demore. Em todo o caso renovo o pedido anterior, isto é, avisar-me com uns 8 dias de antecedência (se for possível) a fim de que eu siga para aí — o que não faço já para não expor a família à virulência da varíola. Penso que com certeza ainda aqui estarei até o dia 10. Revive assim, inesperadamente, o belo plano de um passeio a Bertioga. Espero que desta vez não surjam obstáculos que no-lo impeçam.

Fiquei satisfeitíssimo com a digna solução da sua crise. Bem lhe disse aí, que do barão do R. Branco o sr. só poderia esperar as maiores atenções e fidalga gentileza. Afinal a Venezuela é talvez a parte mais intelectual de toda a América Latina. Há, pelo menos, ali, uns poetas extraordinários, e de um, Estrada Palma, conservo ainda a impressão dos versos maravilhosos. De lá virão as suas cartas para o Estado, que as receberá festivamente. Peço-lhe que me recomende a todos os seus. Creia sempre no amo. ato. e admor.

Euclides da Cunha

P.S. — Muitos parabéns pela 2ª edição d’O Japão. Recebi a monografia de Chandless; obrigadíssimo.

Guarujá, 5 de setembro de 1904 editar

Plínio

Recebi a tua carta — mas como o Mesquita dentro de 8 ou dez dias irá definitivamente para aí — não tratei com ele sobre o assunto de que trataste. Tenho passado muito mal! Imagine — uma nevralgia por dia! Não sei a que atribuir semelhante tortura, agravada neste momento pela necessidade urgente de recordar quase toda a astronomia. Aí está a razão porque não tenho escrito. Ainda hoje, a pedido do Mesquita, procurei traçar um ligeiro esboço da agitação da Independência — mas nada consegui escrever, sob a angústia desse parafuso sem fim que me atravessa a cabeça de lado a lado. Por outro lado uma sobrecarga intelectual assombrosa! Só respiro senos, cossenos, tangentes e tudo quanto há de seco e brutalmente insípido em matemática. Estou vendo que um dia acordo desfeito em raiz quadrada… extraída pelo célebre escangalhador das dúzias.

Afinal tudo esto passará — e como só seguirei para o Rio nos últimos dias deste mês (a nossa partida será em outubro) hei de ainda ter tempo de escrever algo para o Estado e Comércio.

Adeus. Lembranças a todos do

Euclides da Cunha

P.S. — No dia 10 ou 11 chegará aí o Oliveira Lima (se vier por terra) e como não posso ir lá agora, telegrafar-te-ei — para que recebas o distintíssimo patrício. Ele deve seguir logo para aqui, onde o espero. Desculpa-me esta maçada, mas eu não poderia encontrar quem melhor, e até com vantagem, me substituísse.

Euclides

Guarujá, 5 de setembro de 1904 editar

Meu ilustre amo. dr. Oliveira Lima

Recebi a sua carta dando a boa notícia da sua próxima vinda. Peço-lhe dizer-me se vem por terra ou por mar — sendo o último caso, a meu ver, muito melhor.

De qualquer modo aqui o espero, aguardando o seu telegrama.

Sempre seu.

Muito cordialmente

Euclides da Cunha

Guarujá (Santos), 6 de setembro de 1904 editar

Meu ilustre mestre dr. Luís Cruls

Saúdo-o. Antes de vir para cá deixei no Laemmert, com uma dedicatória para o sr., um exemplar dos Sertões. Recebeu-o?

Como só teremos de seguir para Manaus em princípios de outubro, demorei a minha ida ao Rio, para livrar tanto quanto possível a família do mau estado sanitário dessa cidade. Espero ir nos últimos dias deste mês de setembro.

Creia sempre no discípulo amo. ato. e admor.

Euclides da Cunha

Guarujá, 6 de setembro de 1904 editar

Meu ilustre amo. dr. José Veríssimo

A sua carta de 3 do corrente deixou-me verdadeiramente atônito; nunca, meu ilustre amigo, absolutamente nunca, batizei o menor dos acidentes topográficos nesta terra; e se tivesse de o fazer, creia que de modo algum me utilizaria do nome de quem quer que seja, por mais expressivo que ele fosse. Há por força um equívoco em tudo isto; alguma informação errada quem em prontamente destruirei desde que lhe conheça a origem.

Realmente, como diz bem o sr., seria lamentável, seria até desastroso, que eu escorregasse por esse plano inclinado do engrossamento abaixo, que os homens de hoje armaram… para subirem! Não — ainda estou, com o sr., ao lado da exígua minoria dos que entendem que o melhor serviço a prestar-se nesta terra, no atual momento, consiste sobretudo na seriedade, que é uma forma superior do heroísmo no meio deste enorme desabamento… Peço-lhe muito e muito que me esclareça; estamos enleados num mal entendu bem desagradável, mas que será desfeito.

Quanto à notícia do Jornal do Brasil — falsíssima. Veja por aí como andam esses homens! Não os conheço, nunca os conversei — e no entanto de julgam habilitados a afirmativas de tal porte!

Fez bem em não lhes dar o menor crédito: a partida para o Alto Purus é ainda o meu maior, o meu mais belo e arrojado ideal. Estou pronto à primeira voz. Partirei sem temores; e nada absolutamente (a não ser um desastre de ordem física, que me invalide), nada absolutamente me demoverá de um tal propósito. Já abri mão de outros interesses que aqui me ofereceram, de sorte que, até sob o ponto de vista material, a minha renúncia seria inexplicável. Além disto, eu teria o cuidado de notificá-la para logo ao barão do Rio Branco, ao sr. e ao Oliveira Lima. Assim, sobre este ponto — estamos entendidos.

Quanto ao Cubatão, dentro de dois dias (depois de consultar um velho conhecedor do assunto que assiste em Santos) dir-lhe-ei algo a respeito. Por ora o que sei é isto: Cubatões (e não Cubatão) chamam-se em geral os pequenos morros nas vertentes ou melhor, no sopé das cordilheiras. É o significado popular; talvez o melhor.

Mando-lhe nova fotografia com os sujeitos cujos nomes mandei na minha carta última. Muitas recomendações a todos os seus, e creia no seu amo. e ato. e admor.

Euclides da Cunha

Guarujá, 9 de setembro de 1904 editar

Henrique Coelho

Ontem, quando aí estive, na Secretaria, não pude dizer-te o que sentia, na ocasião. Impediu-me a presença perturbadora de dois estranhos — embora o quer tivesse a fazer fosse bem simples. Isto: dar-te um grande abraço e dizer-te que o insucesso da minha velha pretensão eu o abençôo — e largamente compensado. Procurava, ansiosamente, uma cadeira, uma prosaica posição de lente — e encontrei dois corações. Francamente, prefiro os últimos. Sou um eterno idealista. Nem esta vida pode ter encantos sem esta forma superior e incompreensível à grande maioria dos vivedores. A tua estima e a desse Bento Bueno tão gentilmente grande no sentir e na nobreza incomparável com que espontaneamente se colocou ao meu lado — dizem que triunfei.

Abençoada a hora em que eu desejei sem um simples lente substituto da Escola Politécnica de S. Paulo!

As palavras animadoras e cativantes de Ramos de Azevedo foram certamente sinceras. Homens daquela têmpora não disfarçam o sentir, nem precisam disfarçá-lo.

Mas o fato é que foi — graças aos mais justos motivos — removida para o futuro, um futuro indeterminado, a realização do velho ideal.

E só por esta circunstância já não creio nela. Mudam vertiginosamente os tempos e os homens…

Pois bem! Não cuidarei mais disto — e continuo a dar-me parabéns.

Ganhei a partida. Obrigado, meu velho amigo; abrace por mim… Bento Bueno e creiam ambos, sempre, no teu

Euclides da Cunha

Guarujá, 9 de setembro de 1904 editar

Vicente

Felicidades. Recebi a tua carta de 5, e de acordo com ela esperei o Selvagem — que ainda não chegou. Escrevo-te atrapalhadamente no tumulto da arrumação da minha papelada, para a próxima mudança. Pretendo seguir depois do dia 22 para S. Paulo, e de lá para o Rio — devendo a partida para o Purus realizar-se na 1ª quinzena de outubro. Assim, tenho tempo de trabalhar um pouco em prol da tua candidatura. Afirmo-te que agirei fortemente. Escrevi ao Neto para que ele por sua vez a agitasse e estou bem convencido de que o pedido será satisfeito. Amanhã espero aqui o Oliveira Lima e vou atacá-lo diretamente. Depois — no Rio — espero conseguir algum resultado.

Mas lembra-te que esses homens não te conhecem como eu te conheço e que eu não posso, em que pesem as mais entusiásticas referências, dar-lhes uma ideia exata do teu valor real. É preciso agir. A inscrição para o concurso (li ontem esta notícia nos jornais do Rio e no Popular) já está aberta devendo encerrar-se no dia 30 deste. A eleição será em fevereiro.

Deste modo há tempo para que se faça o livro de prosa a que te referiste. Que ele se publique em janeiro — e isto talvez seja o triunfo. Será a espada de Breno lançada no último momento, num dos pratos da balança. Arma-te, pois, de uma forte decisão! Tem muita coisa feita; resta-te quase que apenas o trabalho material de uma escolha cuidadosa. Este resto de setembro pode ser aplicado em fazê-la e no conseguir o editor, mesmo em S. Paulo. Restarão outubro e novembro para a impressão. Em dezembro pode aparecer o livro… É indispensável este esforço. Tens pela frente adversários de há muito bem aconchegados nas côteries parciais que os aninham e a aviventam. Alguns sem grande valor, mas práticos, sujeitos que fizeram um nome como os usuários fazem a fortuna, vagarosamente, ajuntando todos os vinténzinhos dos aplausos frívolos e todos os mulambos de umas ideias esmirradas. Mas lá estão como grandes coisas. Não te resistirão no dia em que puseres ao lado do lírico da Rosa do Amor a rija envergadura do atleta magnífico da prosa. Para estes Kuropatkines das letras uma tática tempestuosa de Kuroki… Assim — não vaciles; não vaciles absolutamente! Considera-te numa batalha em que o triunfo só possa surgir nos deslumbramentos de um movimento inesperado. O livro é indispensável. Um dos concorrentes — e tem valor real — Souza Bandeira — só tem um livro que afinal é uma reunião de velhos artigos há muito publicados.

O exemplo, portanto, existe. Traço-te um programa que deve ser estritamente cumprido: deves ir a S. Paulo, reunir o melhor de tuas publicações dispersas, contratar logo o editor e a impressão — e anunciar desde já o livro, com o título competente. Não há tempo a perder. Não deves perder um dia. Responde-me logo, dizendo o que houveres resolvido. Deves apresentar-te à concorrência depois do dia 20 deste — em carta dirigida ao presidente da Academia — Machado de Assis — (rua Cosme Velho 18, Laranjeiras). O pedido especial a cada um dos acadêmicos, depois. É o que tenho a dizer-te hoje — na enorme atrapalhação em que acho às voltas com os preparativos da mudança. Não te esqueças: a inscrição encerra-se no dia 30 deste.

Lembranças a d. Biloca e a todos. Abraça-te fraternalmente o

Euclides

[S.l. setembro de 1904] editar

Plínio

Dolorosa, a tua carta de 8. Bem se vê que os tempos vão maus, campeando, impunes, todas as iniquidades. Se a desordem anda nos nossos próprios órgãos, que esperar do resto desta vida? As tuas pernas bailam, agitam-se, deslizam e revoluteiam sobre os patins, atiram-se em curas coreográficas a desenharem volutas pelo espaço em fora — e num belo (seria mesmo belo?) num belo momento, perturbam-se, atrapalham-se, escorregam, caem escandalosamente… e ficam intactas, e sofre todas as consequências da troça o pobre do teu braço esquerdo! O braço esquerdo! O braço morto do escritor, o braço que não atacou Pedrão, o braço que não assina Pistol, o braço inofensivo (embora segundo a gíria popular talvez não fosse outrora inocente!) Talvez ele esteja pagando velhas dívidas, mal veladas na maldade daquele parêntesis…

De qualquer modo — que ele se reconstrua — permitindo-te deixar as damas para o jugo titânico dos homens.

Ainda não recebi o telegrama do Oliveira Lima.

Aí estive — sempre de relance, como verdadeiro meteoro, rápido e instantâneo — um clarão repentino entre a estação da Luz e a livraria do Melo Abreu. Voltei; e aqui estou arrumando a papelada — preparando-me para a romaria de 1500 léguas ao Purus. Quase escrevi Paris. Realmente penso que nenhum rastaquera arranja as valises para a patuscada reles dos boulevares com entusiasmo maior do que este meu entusiasmo no avançar para o deserto.

E lá alijaram o pobre do Neto! Não quis insistir mais com o Mesquita. Tu não calculas, porém, como a coisa me doeu!

Vocês foram injustos e iníquos…

Enfim — passou… À viva voz conversaremos ainda sobre isto.

Não serei nomeado, agora, para a Politécnica. Imagina que o substituto do Redondo é obrigado a ensinar Veterinária… Lá está no Regulamento. Eu li…

Singularíssimo e epigramático. Recusei: e foi uma solução belíssima.

Adeus; desejo sinceramente o teu pronto restabelecimento; quero que me abraces o Valdoro — e acredites sempre no

Euclides da Cunha

22 de setembro de 1904 editar

[Bilhete postal]

D. Gabriela Sena

Rua da Luz, nº 5 — Rio de Janeiro

Euclides da Cunha (Da Academia Brasileira) —

[Retrato]

Escrever num cartão-postal!… Aí está um repto que eu não aceito. Fujo. E creiam: não me adapto à moda para a qual me sinto tão inapto.

Tão plenamente inepto…

Euclides da Cunha

28 de setembro de 1904 editar

Meu ilustre confrade Domício da Gama

Desejo-lhe felicidades. Aqui cheguei, estive com o diretor da Secretaria do Exterior; e ainda sem saber qual a data provável da partida porque ele nada resolveu, além da consulta que fez ao ministro, relativamente aos detalhes para se organizar a Comissão. Tudo depende da resposta àquela consulta; e eu venho pedir-lhe que influa para que ela não se demore, de modo a não se afastar muito o dia da viagem. Ainda que tenha de demorar-me em Manaus, serei mais útil lá (onde poderei firmar os preliminares dos trabalhos), do que aqui, numa atitude meramente expectante.

Não escrevo diretamente sobre isto ao Exmo. sr. barão do Rio Branco para não o perturbar. Mas apelo para a sua intervenção valiosa; e graças a ela sei que me verei livre desta inatividade forçada.

Além disto, cada conferência com o venerando visconde de Cabo Frio, faz-me o efeito de uma ducha enregelada, desinfluindo-me, tais as complexas formalidades que aparecem ainda não cumpridas — e que vão da escolha do resto do pessoal à simples aquisição dos instrumentos astronômicos ou topográficos.

Daí esta resolução de escrever-lhe.

Se entender necessária aí a minha presença, queira dizer-me.

E creia na maior consideração do confrade amo. ato. e admor.

E. C.

Rio, 3 de outubro de 1904 editar

Ilmo sr. Percegueiro do Amaral

Saúdo-o.

Apresentei hoje ao sr. visconde de Cabo Frio a seguinte lista dos funcionários que escolhi para a Comissão do Alto Purus:

Médico e farmacêutico — dr. Tomás Catunda, eng. auxiliar — 2º ten. da Armada Alfredo de Andrade Dodsworth, encarregado do material — C. R. Nunes Pereira.

Sem mais sou com a maior consideração.

Amo., crdo., ato. e obrdo.

Euclides da Cunha

Rio, 3 de outubro de 1904 editar

Plínio

Não estranhes o meu silêncio. Desde que cheguei tenho andado numa faina verdadeiramente desorientada, entre homens e coisas inteiramente novas — de sorte que, embora não tenha esquecido os bons companheiros daí — tenho sido forçado a involuntário silêncio. Nem sei quando partirei. Calcula a minha impaciência — obrigado a invernar neste Rio de Janeiro canicular, e a atenuar minha ânsia de partir, nas mil tortuosidades de um formalismo para mim de todo desconhecido. Uma tortura… Manda-me notícias tuas e de todos. Diga ao Valdoro que não perderei a primeira hora de folga para escrever-lhe, calmamente, e sem as precipitações de um bilhete. Quero também que faças com que mandem o Estado e o Comércio para a rua Laranjeiras 76, onde é a minha residência. Hei de escrever para ambos. Mas creio que só poderei fazê-lo a bordo. Aqui, em terra, neste tumulto em que ando, é impossível.

Abrace por mim o Mesquita, Luiz Carneiro, Queiroz (como vai a Arcádia?) ao Melo Abreu e ao Barjona.

Creia sempre na estima sincera do

Euclides

==[Rio de Janeiro], 4 de outubro de 1904

Arnaldo

Há motivos que tornam muito duvidosa a tua nomeação e, em primeiro lugar, está a própria circunstância de ter eu sugerido o pensamento da tua ida. Quando o fiz (ainda em Guarujá) estava muito longe de avaliar a malignidade da região. Conheço-a agora. Em conversa, ontem, com o dr. Cruls, soube, por exemplo, que da comissão por ele dirigida ninguém absolutamente escapou à malária ou ao beribéri; alguns morreram e outros (entre os quais o próprio dr. Cruls) ainda agora sofrem as consequências da viagem. Ora, isto me aterra ― não por mim, já meio cansado desta vida, mas por ti que vais nela estrear, e pelo tio José, e afinal por todos, que nunca, que nunca me desculparão no caso de um desastre.

E.

Rio, 10 de outubro de 1904 editar

Meu Pai

Ontem foi escolhido o coronel Belarmino para comissário do Juruá e chefe da Comissão; de sorte que talvez não se demore muito a nossa partida — embora haja ainda muito que fazer. Foi útil toda esta demora. Como o sr. sabe julguei que a casa da minha sogra era o ponto melhor onde deixar a minha família — e, neste propósito, acarretando com todas as despesas, aluguei nova casa na rua das Laranjeiras, 76. Mas vejo que é impossível continuar a aliança que planeei. Não por mim, mas pela desarmonia insanável entre a Saninha e os irmãos. Não perderei tempo ao relatar-lhe incidentes lamentáveis. Basta dizer-lhe que as pequenas contrariedades explodiram ontem, na minha ausência — tendo um dos filhos da d. Túlia (casado, e que aqui está com a mulher na mais absoluta ociosidade) entendeu dizer a Saninha todos os impropérios que lhe vieram à boca. Ao chegar soube do fato e tive a felicidade de conter-me. Mas não posso continuar aqui. Estou verdadeiramente assombrado diante do quadro desta família. A minha sogra é profundamente infeliz com os filhos. Preciso afastar-me desde já de tudo isto. Mas não tenho outra porta onde bater, além da tua. Peço-lhe que agasalhe a minha família — e que me salve de uma situação bem infeliz para a qual não contribui senão em virtude da minha boa fé e da minha crença no coração humano.

Se o sr. me repelir — o que absolutamente não creio — serei obrigado a renunciar à comissão e como não poderei ficar aqui nem voltar para S. Paulo — estarei irremediavelmente perdido.

Creia, meu pai, que não tenho outra saída. Peço o seu auxílio. A Saninha está mudada; tem sofrido muito; acaba de passar por amargos desapontamentos; tem pelo sr. verdadeira estima; pode ser quase uma filha e afinal, e à parte defeitos de caráter que já estão dimin 1 litro de água numa panela e deixar ferver por alguns minutos. A seguir, tapar a panela e esperar amornar, beber o chá várias vezes ao diminuídos, é digna da estima pela sua generosidade e pelo coração.

Eu previa estas coisas — e, prevendo-as, antes de vir para cá consultei a Adélia e o Otaviano sobre a ida dela, com o filhinho menor, para a companhia deles; mas compreendi que não desejariam isto. Diante desta desventura, porém, não creio que ainda me repilam — sobretudo porque eu mereço ser muito mais feliz.

Espero ansiosamente uma resposta sua. Peço-lhe que não me abandone neste transe. Como o sr. vê nenhuma culpa tenho nestas coisas, sou estranho a estes sucessos — o que é mais um motivo para que não me desampare.

Abençoe ao seu filho e amo.

Euclides

Endereço — ainda rua das Laranjeiras 76

[S.l.], 19 de outubro de 1904 editar

Arnaldo

Recebi a tua carta onde se reflete a tua louvável disposição para o trabalho, mesmo à custa dos maiores riscos. Diante dela perdi os últimos temores que me tolhiam e creio que ainda há tempo para incluir-te na Comissão. Não te afirmo isto de modo positivo, porque nada se pode afirmar neste tumulto de candidatos.

O que te peço é que não recuses de modo algum, depois de nomeado, porque isto causará muita perturbação e contratempos.

Assim, ficamos entendidos: desde que surja a oportunidade, que aguardo e julgo inevitável, indicarei o teu nome, bem convencido de que aceitarás o cargo.

E.

Rio, 22 de outubro de 1904 editar

Meu caro Plínio Barreto

Aqui recebi a tua culinária — justíssima e enérgica — e ao mesmo passo que te vi cheio de razões para fazê-la, vi-me cheio de motivos absolutórios. É que não podes imaginar os contratempos em que me acho envolvido. Há mais de um mês que me agito e trabalho — de graça — num país em que se inventam os empregos para a vadiagem remunerada.

Felizmente está próximo um desenlace: deve votar-se hoje o decantado crédito para a expedição. Graças aos deuses! Enfim — creio que faltam bem poucos dias para que se torne efetiva essa minha trágica candidatura ao impaludismo, ao beribéri, à filária, e, talvez, à morte.

E dizem que não há mais sonhadores!

Conheces acaso algum da minha têmpera? Já lucrei com tudo isto: a maior intimidade com o Rio Branco é uma coisa enobrecedora. Ali está um espírito encantador e forte, que nem toda a gente compreende. Digo-te isto porque são expansões confiadas a um amigo. Em público não se pode elogiar ninguém neste país.

Antes que me esqueça: mudei outra vez de casa. Um varioloso nas vizinhanças espalhou o terror no meu pequeno lar. Estou agora na rua do senador Francisco Otaviano, nº 91 (Cosme Velho) — no mesmo bairro das Laranjeiras. Quer isto dizer que terás nova maçada de alterar os endereços do Comércio e do Estado. Desculpa-me tanta maçada. Dou-te também procuração plena para abraçares a todos os bons companheiros das duas redações — pedindo a todos desculpas pelo meu silêncio. Só escreverei depois de partir. Neste tumulto não há burilar-se uma frase, nem o mais ligeiro período. Além disto o Observatório Astronômico, onde atravesso os dias, absorve-me muito tempo.

E o Valdoro? Zangado ainda? Dẽ-lhe, em troca, dois abraços.

Escrevi ao Mesquita. Não me respondeu. Velho e magnífico costume.

Por que não vens até cá? Conversaríamos longamente e teria o prazer (doce pungir…) de dar-te o abraço da despedida o velho companheiro

Euclides da Cunha

P. S. — O Manuelzinho às vezes recorda-se do admirador e amigo — Causaram bom efeito os artigos do Oliveira Lima?

Rio, 1 de dezembro de 1904 editar

Meu caro amo. dr. Catunda

Felicidades. Hoje porém, finalmente!, feitas as nomeações. Assim a nossa partida não se demorará. Esteja, por isto, prevenido. Hei de telegrafar-lhe e escrever quando julgar necessária a sua vinda, para receber a ajuda de custo e preparar-se. Creio que este aviso não demorará pois a viagem está marcada para o dia 15, mais ou menos, deste.

Recomenda-me a todos os seus; abrace os amigos, mande-me notícias do Vicente, e creia sempre em quem é seu, muito cordialmente,

Euclides da Cunha

Rio, 10 de dezembro de 1904 editar

[cartão pessoal]

Porchat

Envio-te o meu abraço de despedida. Sigo no dia 13 para Manaus de onde abalarei para as nascentes do Purus. Não te escrevi nos últimos tempos por ter de atender a toda ordem de trabalhos — e este cartão mesmo faço-o a correr, entre as atrapalhações dos últimos aprestos para a partida. Melhor: não agravarei as minhas saudades numa longa carta a um verdadeiro amigo.

A minha família fica residindo aqui, à rua Cosme Velho 91 (Laranjeiras). Escreva-me para Manaus. Endereço:

[...] Chefe da Comissão de Reconhecimento do Alto Purus Manaus.

E até breve, meu bom amigo. Dentro de uns dez meses te apertará num longo abraço o teu

Euclides

Rio, 11 de dezembro de 1904 editar

[cartão pessoal]

Escobar

Recebi a tua carta no meio dos precipitados aprestos para a partida. Mal posso respondê-la.

Adeus. Até a volta. Escreva-me para Manaus onde nos demoraremos uns 20 dias para regularizar os cronômetros. Endereço: [...] Chefe da Comissão de Reconhecimento do Alto Purus-Manaus. Estado do Amazonas.

Levo uma enorme boa vontade e disposição franca para os máximos sacrifícios.

De lá te escreverei. Muitas recomendações e saudades aos amigos daí.

Recomendações aos teus. E um abraço, um grande abraço de despedida do

Euclides

[Rio, dezembro de 1904] editar

[A Plínio Barreto]

Plínio, adeus! Sigo no dia 13 (dia 13, terça-feira!) para a Amazônia — mais um longo capítulo nesta minha vida trabalhosa. Não preciso dizer-te que me acompanham as imagens sagradas dos meus amigos, e entre elas a tua. Propositadamente te escrevo num cartão, de abalada, como quem foge: fora intolerável alongar pelas quatro páginas de uma carta a saudade irremediável. Adeus, recomendações a todos. Creia sempre no

Euclides

E. T.: Manda-me notícias tuas. Endereço: [...] Chefe da Comissão de Reconhecimento do Alto Purus-Manaus. — Mesmo depois de partir desta última cidade, servirá aquela indicação.

Rio, dezembro de 1904 editar

Ao presidente da Academia Brasileira de Letras

Exmo. sr. presidente da Academia Brasileira de Letras, / Impossibilitado de tomar posse, em sessão solene, do meu lugar nessa Academia, pelos motivos que V. Exa. conhece, faço-o, de acordo com o artigo 22 do Regimento Interno, por meio deste ofício.

Apresentando a V. Exa. os protestos da minha mais elevada consideração, subscrevo-me,

Confrade ato. obrsup>do. e admsup>or.

Euclides da Cunha

Rio de Janeiro, 14 de dezembro de 1904 editar

Graça Aranha

Conto com a tua presença na terça-feira à noite, na Academia. Preciso mostrar outra carta do Assis Brasil, que requer resolução urgente.

Recado do confrade amo. e admor.

Euclides da Cunha

Recife, 19 de dezembro de 1904 editar

[cartão postal] (Pernambuco — Ponte Buarque de Macedo)

[A Machado de Assis]

Saudades e lembranças — Sigo hoje Paraíba.

E. Cunha

Recife, 19 de dezembro de 1904 editar

[Bilhete postal]

Exmo. sr. dr. Rodrigo Otávio

Rua da Quitanda, 47 — Rio de Janeiro

Anverso: Pernambuco. Vista geral do bairro do Recife (foto) Reverso: Boa viagem até aqui. Saudades… Lembranças aos teus.

Euclides

Recife, 19 de dezembro de 1904 editar

[Bilhete postal]

Exmo. sr. dr. Henrique Coelho

Secretaria da Justiça — São Paulo

Anverso: Beberibe. Arrebalde do Recife (foto) Reverso: Saudades…

Euclides

Fortaleza, 22 de dezembro de 1904 editar

[Bilhete postal]

Exmo. sr. dr. Rodrigo Otávio

Rua da Quitanda 47 — Rio de Janeiro

[verso] Estação Central — E. F. Central Minha jangada de vela Que vento queres levar — De dia vento de terra — De noite vento de mar!

Não resisto ao desejo de transmitir-te esta belíssima quadra, que neste momento ressoa ao meu lado, na boca de um rude filho deste Ceará admirável…

Felicidades. Lembranças a todos

Euclides

Belém, 26 de dezembro de 1904 editar

[Cartão de visita. Impresso: Euclides da Cunha]

Amo. dr. Oliveira lima

Desejo-lhe muitas felicidades e a todos os seus.

Encontrando entre os números da Revista do Instituto daí, que me foram oferecidos, muitas duplicatas e conjeturando que possam pertencer-lhe, remeto-as hoje, registradas. Se entre os restantes números ainda existirem outras que sejam suas, queira dizer-me logo que as mandarei.

Até aqui continuamos com boa viagem. Seguiremos hoje mesmo para Manaus.

Muitas recomendações a todos: creia sempre no seu, muito cordialmente,

Euclides da Cunha

Manaus, 30 de dezembro de 1904 editar

Meu Pai

Muitas felicidades é o que lhe desejo e a todos.

Acabamos de chegar e como temo que o vapor volte amanhã muito escrevo esta ainda de bordo para não perder a oportunidade de mandar algumas notícias. Fizemos sempre boa viagem embora o meu estômago incorrigível me trouxesse num meio enjoo intolerável desde a partida do Rio! Foi bom. Preciso afeiçoar-me ao mal-estar. Considero estas coisas como um preparatório à minha empresa arrojada.

Em todos os pontos onde saltei fui gentilmente recebido graças à influência de seu grande neto ― os Sertões. Realmente nunca imaginei que ele fosse tão longe. No Pará tive uma lancha especial oferecida pelo senador Lemos e alguns rapazes de talento. Passei ali algumas horas inolvidáveis ― e nunca esquecerei a surpresa que me causou aquela cidade. Nunca S. Paulo e Rio terão as suas avenidas monumentais largas de 40 metros e sombreadas de filas sucessivas de árvores enormes. Não se imano resto do Brasil, o que é a cidade de Belém, com os seus edifícios desmesurados, as suas praças incomparáveis e com a sua gente de hábitos europeus, cavalheira e generosa. Foi a maior surpresa de toda a viagem. Na volta hei de demorar-me ali alguns dias.

Nada lhe direi sobre o Amazonas. Não teria tempo. Escrevo na atrapalhação do desembarque.

Peço-lhe que me mande notícias suas. Devemos permanecer aqui mais de um mês, porque os peruanos chegaram com as lanchas desarranjadas ― e mandaram-nas para Belém onde estão consertando-se e ainda não as vi. Direi depois sobre a impressão que me causaram estes desconhecidos com os quais terei de passar tantos dias na mais estreita intimidade. Peço-lhe dizer ao Otaviano que lhe escreverei, infalivelmente, pelo primeiro vapor. Ele que me mande também noticias suas e de todos. Mandei-lhes brevíssimas notícias de todos os pontos onde estivemos cartões-postais. Não sei se aí chegaram. Felizmente reina boa harmonia entre todos os da minha comissão e entre esta e a do coronel Belarmino. Apenas o Otávio andou querendo sair fora da trilha mas lá o coloquei de novo, severamente ― de modo que se corrigiu em tempo. Estou animado. Avalio bem as minhas responsabilidades. Não vacilo. Hei de cumprir inflexivelmente o dever e tanto quanto possível corresponder à confiança com que me honraram. Muitos e muitos abraços a todos. Receba saudades do filho e amº.

Euclides