O conflito público e jornalístico entre os deputados Natalício Cambuim e Andrade Bezerra tem sido muito comen­tado e gozado.

Não conheço nenhum dos dois, mas aprecio muito o senhor Bezerra.

Leio desde sempre os seus estirados artigos no Correio da Manhã,para estudar neles a sociologia católica.

Essa coisa de sociologia foi sempre mais ou menos vaga, por isso julgo muito justo que haja uma sociologia católica, outra muçulmana, outra budista, outra bramânica e assim por diante.

A do senhor Bezerra é católica e simplista, apesar das citações de autores mais ou menos belgas; a minha é mais ou menos fetichista com citações de poetas indianistas.

Uma vale bem a outra e é por isso que eu aprecio o senhor Andrade Bezerra, quando deita as suas homílias social­mente sacristães, pelas colunas do Correio da Manhã.

Há dias, porém, ele ficou furiosamente profeta e imprecou.

Disse dos seus colegas o que Mafoma não disse do toucinho; que não trabalhavam; que não faziam nada, etc., etc.

Veio o senhor Cambuim e disse que o senhor Bezerra também não fazia nada.

O que se pode concluir, de tudo isso é que a Câmara trabalha, à vista de que os deputados se acusam mutuamente de vadiagem.

Não tenho muita admiração pelo trabalho, sobretudo quando se trata de trabalho de deputados, mas acho inconveniente esse debate entre deputados.

Que pensará o povo do seu custosíssimo aparelho de representação? Que ele é inútil - não acham?

É uma conclusão perfeitamente revolucionária que os sociólogos da variedade católica devem evitar que o vulgo faça do papel eficiente dos seus representantes. Cuidado!

Careta, Rio, 4-10-1919.

NO "MAFUÁ" DOS PADRES

O meu amigo doutor João Ribeiro ainda não me pôde explicar o que quer dizer "mafuá".

Apesar disso, eu, pela boca do povo, sei que, mais ou menos, tal termo exprime uma barafunda de homens e mulheres de todas as condições.

Não quero contribuir para o dicionário de brasileirismos da Academia; mas o que aprendo ensino.

Ouvi esse termo de "mafuá" no Engenho de Dentro, para designar umas barraquinhas que os padres tinham lá feitas.

Era, como lá diziam, o "mafuá" dos padres.

Eles fazem um leilão de prendas, por intermédio de moças mais ou menos decotadas.

Aprecio o aspecto e, domingo último, com o meu amigo Modestino Kanto, escultor e laureado, fomos até lá.

Havia, como já disse, um leilão de prendas e numa das barracas estava em leilão um carneiro.

Surgiram logo como disputantes o Oscar Saião, soldado de linha de tiro, e o João do Norte, alferes de policia.

Ambos queriam dar o carneiro à crioula Candinha que não se importava com nenhum deles, mas tinha um grande interesse pelo carneiro.

Saião grita:

— Dou mil e quinhentos.

Logo João do Norte berra:

— Ofereço mil e setecentos.

A disputa ia assim, quando aparece o Raul Soares, reservista naval, e dá um lance maior:

— Levo por dois mil-réis.

Todos ficaram atônitos inclusive a Candinha, que logo se embeiçou pelo reservista, vendo a sua liberalidade.

Entretanto, estava ela enganada, porquanto, dentro em pouco, chegava o voluntário de manobras Kalogheras e cobria o preço do reservista naval Raul Soares:

— O carneiro me fica por dois mil e quinhentos.

Foi o diabo por aí, porquanto Candinha ficou logo apaixonada pelo voluntário de manobras.

O fato é que se engalfinharam e foi preciso a presença do almirante Epitácio, sendo os feridos pensados anteriormen­te pelo doutor Ângelo Tavares, clínico muito conhecido no Méier.

O delegado não prendeu Candinha; mas examinou o carneiro. Era falso e só dizia - "mé" - porque tinha uma gaita no bucho.

Careta, Rio, 11-10-1919.