Deixamos Carlota casada, no fim do capítulo anterior, casada com o matreiro Lulu Borges, que abalou enfim o dente nos cabedais do crédulo sogro; deixemo-la durante os primeiros seis meses, os primeiros oito, os primeiros doze; é melhor; demos tempo ao tempo.
— És feliz? perguntou-lhe o dr. Cordeiro, dois dias depois do casamento, indo visitá-la, na Rua da Imperatriz.
— Sou, disse ela.
E tanto a pergunta como a resposta eram desacertadas e importunas. Não bastam dois dias para conhecer a felicidade conjugal; e os dois primeiros dias são sempre a felicidade, quando a vontade liga duas criaturas.
Não obstante esta reflexão que devera ter ocorrido ao nosso bom médico, a verdade é que ele acreditou dever fazer a pergunta, e deu-se por satisfeito com a resposta. Aliás, o dr. Cordeiro continuara a morrer de amores pelo secretário da sociedade patriótica, a achá-lo o mais simpático dos rapazes, o mais afetuoso e o mais digno. À idéia pois do sacrifício que o Lulu Borges pareceu fazer unindo-se a Carlota, a fim de tapar a boca ao mundo, que aliás nada tinha que dizer, essa idéia coroou o marido de Carlota e o fez para sempre senhor do coração do sogro; e tanto melhor se a filha era feliz: era ouro sobre azul.
Lulu Borges, na verdade, estava contentíssimo com a operação; tinha uma mulher bonita e de algum modo prendada, mas sobretudo pecuniosa, que era para ele o essencial. Carlota fora reqüestada de muitos, e o triunfo, em tal caso, tem um sabor maior, um certo pico, enfim lisonjeia a vaidade. Era, pois, excelente marido o Lulu Borges, atencioso, cortês, quase apaixonado. Parecia ter o único pensamento de fazer a mulher feliz.
— Vamos ao teatro? dizia-lhe às vezes.
— Não.
— Passear?
— Também não.
— Jogar?
— Quisera...
— Diz, meu anjo, o quê?
— Está bom, vamos ao teatro...
— Mas é contra a vontade...
— Não é; estava mesmo com vontade de ir ver a peça nova...
— Não é isso...
— É; juro, dizia Carlota sorrindo.
Saíam; e era Carlota quem delineava as distrações, quem escolhia o teatro, o passeio, a visita, ou o simples jogo ou piano, entre os dois, em casa, sozinhos.
O dr. Cordeiro ia muitas vezes achá-los assim, defronte um do outro, a conversar, ou a jogar cartas, quando os não achava ao piano — ela a tocar, ele a ouvi-la.
— Entre, papai, dizia a moça.
E o dr. Cordeiro entrava contente, e ali passava uma ou duas horas com “os seus filhos”, lá tomava chá, às vezes só, às vezes com a mulher, que estava tão feliz como ele.
No fim de algumas semanas, houve em casa da família Cordeiro uma notícia que alvoroçou a todos. Já se pode imaginar qual fosse: havia no horizonte um netinho. O dr. Cordeiro esfregava as mãos contentíssimo, logo que a mulher lhe deu a nova, e sentiu redobrar os seus afetos de pai. Um neto! Eram os seus sonhos, a sua maior ambição.
— E se for uma neta? perguntava a mulher sorrindo.
— Que tem? Será ainda melhor, porque você é melhor do que eu, replicava com amabilidade o médico.
Não era marear a alegria da futura mãe, e o casal parecia chegar ao cúmulo de todas as felicidades. Se um filho é a maior de todas, eles a tiveram daí a meses, completa e fácil. Nasceu com efeito um soberbo menino, que produziu em casa do dr. Cordeiro o maior alvoroço que ali houve, desde o nascimento de Carlota. Nenhum acidente notável; tudo correu perfeitamente, de modo que, para ser completa a ventura da família, não a recebia ela com lágrimas, mas extreme de todo o dissabor. Se fosse assim até o fim da vida, a vida era uma sorte grande; mas não há vida completa.