- Traço, sozinho, no meu cubículo de engenheiro, o plano,
- Firmo o projeto, aqui isolado,
- Remoto até de quem eu sou.
- Ao lado, acompanhamento banalmente sinistro,
- O tique-taque estalado das máquinas de escrever.
- Que náusea da vida!
- Que abjeção esta regularidade!
- Que sono este ser assim!
- Outrora, quando fui outro, eram castelos e cavaleiros
- (Ilustrações, talvez, de qualquer livro de infância),
- Outrora, quando fui verdadeiro ao meu sonho,
- Eram grandes paisagens do Norte, explícitas de neve,
- Eram grandes palmares do Sul, opulentos de verdes.
- Outrora.
- Ao lado, acompanhamento banalmente sinistro,
- O tique-taque estalado das máquinas de escrever.
- Temos todos duas vidas:
- A verdadeira, que é a que sonhamos na infância,
- E que continuamos sonhando, adultos, num substrato de névoa;
- A falsa, que é a que vivemos em convivência com outros,
- Que é a prática, a útil,
- Aquela em que acabam por nos meter num caixão.
- Na outra não há caixões, nem mortes,
- Há só ilustrações de infância:
- Grandes livros coloridos, para ver mas não ler;
- Grandes páginas de cores para recordar mais tarde.
- Na outra somos nós,
- Na outra vivemos;
- Nesta morremos, que é o que viver quer dizer;
- Neste momento, pela náusea, vivo na outra ...
- Mas ao lado, acompanhamento banalmente sinistro,
- Ergue a voz o tique-taque estalado das máquinas de escrever.