(Crepusculo, Novembro. Pela encosta fria e desnudada vae andando, esfarrapado e exangue, um pobresinho triste, arrimado ao bordão.)
Mendigo d'olhos sem esp'rança,
Vaes-te perder na escuridão...
Entra em meu lar; dorme, descança...
Quem dera a paz divina e mansa,
Velho, que tens no coração!...
Mendigo d'olhos sem ventura,
Dentro da azenha ha um enxergão;
Terás lençoes, terás fartura...
Eu só quizera essa candura,
Irmã da Graça e da Ilusão!...
Mendigo d'olhos d'engeitado,
Na nossa casa ha vinho e pão;
E ha leite fresco; e ha mel doirado...
Tua alegria sem cuidado,
Eis o que eu busco... em vão! em vão!...
Mendigo d'olhos de coveiro,
Trago a merenda no surrão;
O queijo é bom, mas é grosseiro...
Dá-me o teu riso feiticeiro,
Lirio do monte inda em botão!
Mendigo d'olhos na agonia,
Dou-te o meu manto e o meu bordão;
Nada mais levo... a noite é fria...
Apenas ai! desejaria
Tua cristã resignação!...
O' sonhador louco d'outrora,
Teus sonhos lindos onde estão?!
Ebrio da luz, rico d'aurora,
Vi-te partir... e vejo agora
Um morto erguido d'um caixão!
Teus olhos fulvos namorei-os
De dia e noite, da amplidão:
Vi-os sorrir entre gorgeios,
Vi-os cantar e vi-os cheios
De pranto e febre e indignação!
Regressa emfim, é teu destino,
Á paz obscura, á submissão...
E outra vez meigo e pequenino
Deixa dormir, como um menino,
Teu velho e exhausto coração!...
Só tu, estrella, me conheces
Em minha dor, minha aflição!...
Só tu não dormes, não esqueces...
Só tu ouviste as minhas preces...
Bemdito, estrella, o teu clarão!
Setembro – 91.