Descobrimento Prodigioso e suas Incalculaveis Consequências para o Futuro da Humanidade/A invenção

II
A INVENÇÃO

Luctei com alguma difficuldade para conseguir a idéa principal da minha invenção.

Dizia-me uma especie de vaga intuição, que não segue bom caminho quem se obstina em querer, por meio dos motores conhecidos, dar direcção aos vehiculos aereos mais ou menos pesados que o ar. Fosse qual fosse a força motriz, era fatalmente insufficiente, desde que exigia mecanismos pesados. Quanto mais se trabalhar para augmentar a grandeza e efficacia das azas, vèlas, helices ou quaesquer outras machinas destinadas a produzir a locomoção, tanto maior será a necessidade d'uma força motriz consideravel, impossivel de obter no ar em rasão do peso das machinas, principalmente si exigem provisão d'agua e combustivel. Para augmentar a potencia dos meios, é forçoso augmentar em proporção ainda maior a difficuldale do resultado. A concepção dos balões governados, ou de quaesquer vehiculos que recebam o impulso de um dos motores conhecidos, implicava no meu conceito contradição. Era um verdadeiro circulo vicioso, um impossivel. Era preciso cousa differente de tudo quanto se havia tentado até então. Era preciso uma concepção primordial nova e radicalmente diversa.

Puz-me a pensar no que poderia apresentar a natureza como motores até ali mal conhecidos, mal estudados e para fallar verdade, não descobertos.

Pensei primeiro na gravitação. E' evidentemente uma força, e força enorme, que funcciona sem mechanismo, o que é uma preciosa condição.

Que energia de quéda n'um rochedo a cahir d'uns cem metros ! Que enormes que não são essas forças que determinam o movimento dos corpos celestes !

Mas ha um embaraço, a gravitação não é força que se possa dirigir. Tem para nós um centro de direcção unico, o do globo em cuja superficie se pódem produzir phenomenos ao nosso alcance.

A gravitação era o motor exactamente contrario do que eu precisava.

E este exactamente contrario foi um raio de luz. Não teria a gravitação uma contraria?

Devia te-la. O phenomeno da atracção e repulsão se observa nas combinações chimicas, como na dos corpos. Já na sciencia manifestava tendencias para attribuir todos os phenomenos physicos da materia a uma causa unica : o movimento molecular, de que não são mais que modos variados o calor, o som, a luz e a electricidade. Adiantava-se, porém, demais em desconhecer a dualidade d'essa causa primaria, que pretendia reduzir à unidade absoluta ; em explicar, pelos mesmos impulsos exteriores dos atomos do ether, os phenomenos repulsivos e os attractivos,e desterrar para o numero das hypotheses rejeitadas a concepção das duas electricidades, positiva e negativa.

Por esse tempo a electricidade não era conhecida. Entretanto serviam-se d'ella. Possuia-se o telegrapho electrico, invenção que parece tão simples, mas que passava então pelo nec plus ultra do genio da sciencia pratica.

Havia confusas suspeitas de que existia alguma relação entre a electricidade e o magnetismo ; mas ninguem tinha ainda descoberto a identidade d'esses phenomenos, de que são meras manifestações a faisca electrica, o magnetismo, a galvanisação, a magnetisação, a gravitação e as affinidades chimicas. Bem pouco merito talvez me acharão por ter descoberto, que a gravitação e a electricidade são uma e a mesma cousa ; descobrimento este que andava até então em estado de pura hypothese, mal suspeitado e nunca demonstrado. E' a historia do ôvo de Colombo. Todo problema resolvido parece muito facil de resolver.

Ninguem imagina que de esforços me custou, que de meditação, trabalho, experiencias, desanimos e perseverança o chegar a esta formula : a gravitação é um dos modos de manifestação da electricidade.

A electricidade é por assim dizer a gravitação condensada, em quint'essencia, no seu maximo de intensidade. E' uma especie de furia attractiva.

Manifesta-se por duas forças contrarias, que se exprimiam pelas denominações de electricidade positiva e negativa. Assim tambem a gravitação propriamente dita, ou positiva, tem sua contraria na gravitação negativa, on anti-gravitação.

Por suas acções combinadas produz-se o movimento dos corpos celestes, o que completa o descobrimento de Newton. A gravitação só explicà a metade do phenomeno, sendo a força que mantem a terra a uma certa distancia do sol, que a attrahe. Para explicar como a terra não chega a ajuntar-se com o sol, era forçoso suppôr um impulso original dado de uma vez para sempre e que se transformasse em força centrifuga. Ignorava-se a natureza d'essa força, que não é original, mas continua e tende a afastar a terra do sol, para o qual tende a attrahil-a a gravitação. A anti-gravitação, ou gravitação negativa,é um dos modos de ser da electricidade negativa. As duas gravitações, positiva e negativa, actuam em diverso sentido formando um angulo, cuja resultante, variando em cada instante, produz a revolução de cada planeta em torno do seu sol, de cada satellite em torno do respectivo planeta.

O motor existia pois na natureza. Cumpria dominal-o, moderal-o, governar e utilisar.

Foi essa a parte mais difficil do meu trabalho. Quanta noite velada, quanta experiencia, quanta tentativa iufructifera que não fiz para chegar a crear os dous corpos electro-metalo-chimicos, que chamei pos e neg,abreviando as palavras positivo e negativo ! O pos, amarello cono o ouro, duro como a platina, fusivel em temperatura tão alta e tão difficil de obter como o iridio ! O neg, branco como a prata, leve como o aluminio, poroso como a pedra-pomes. Cada um de per si, comportam-se como todos os outros corpos ; cahem para a terra e obedecem ás leis da gravitação. A juxtaposição dá-lhes as suas qualidades particulares, como na pilha do Volta os discos superpostos de zinco, cobre e baêta convenientemente humedecidos desenvolvem electricidade.

E' tambem electricidade o que desenvolvem o pos e o neg juxtapostos : electricidade positiva ou attractiva pelo pos, e electricidade negativa ou repulsiva pelo neg. Aquelle é solicilado pela gravitação, este pela antigravitação. As experiencias deram-me o seguinte resultado :

Fiz uma bola composta de um hemispherio de pos e outro de neg. A bola cahia quando estava para o lado da terra o pos ; quando ao contrario estava o neg, subia com grande rapidez. Naturalmente foi imperfeitissimo o meu primeiro apparelho. Todavia bastou para me dar certeza de bom exito.

Conheci que as duas electricidades gravitantes, positiva e negativa, desenvolviam-se de um modo continuo, uma pelo pos, pelo neg a outra. Mas esse desenvolvimento nenhum effeito produzia no corpo, cuja superficie não ficava para o lado da terra. A força attractiva ou repulsiva anullava-se quando não tinha em frente a massa terrestre. Era pouco mais ou menos como si se suppozesse um corpo pesado solto no espaço longe dos corpos celestes : estaria sempre sujeito á força de gravitação, entretanto não cahiria para parte alguma, porque nada o faria mover-se. Si quizessemos usar de linguagem juridica, deveriamos dizer que estaria no gozo da faculdade gravitante mas não no exercicio.

Da mesma sorte, quando eu voltava a bola com o pos para baixo, desprendia-se sempre pelo neg electricidade repulsiva, que nenhum effeito produzia, por não achar no espaço objectivo. Pelo contrario, desprendendo-se electricidade attractiva pelo pos, a bola era com violencia attrahida para a terra. Quiz verificar si este effeito de quéda era resultado só da gravidade. Eu tinha tomado para formar a bola mil e quinhentas grammas de pos e quinhentas de neg. Si pois só obedecesse á gravidade, pesaria dous kilogrammas. Colloquei-a na concha de uma balança, com o pos para baixo, e fui pondo na outra concha pesos cada vez maiores, até cincoenta kilogrammas, sem que a primeira concha se movesse : adheria com uma força invencivel, como os pesos ôcos que os prestigiadores levantam com um dedo, mas não se podem levantar, por mais esforços que se empreguem, logo que se estabeleça corrente electrica. O tamanho da balança não dava para levar àdiante a experiencia, mas satisiz-me com o resultado. Virei a bola, e cessou a adherencia immediatamente.

Voltado o neg para baixo, a bola subia com força extraordinaria, indo bater no tecto da sala, onde ficava suspensa. Dava-se o effeito contrario. A electricidade gravitante attractiva, sahindo pelo pos voltado para cima, não achava objectivo no espaço e não produzia effeito em sentido algum. A electricidade gravitante repulsiva, ao contrario, desprendendo-se pelo neg, achava objectivo na terra e affastava a bola violentamente. Era como uma móla distendida que, dado o ponto de resistencia, se soltasse.

Quiz tambem verificar o grảo de adherencia ao tecto. Por mais pesos que appliquei-lhe não pude arrancar a bóla. Isto bastava-me ; deixei exactamente a força dynamica do systhema, tanto attractiva como repulsiva. Rolei a bola um tanto, e arranquei-a facilmente para depois medir do tecto.

Estava o problema quasi resolvido. Eu possuia um motor poderosissimo, ascendente à minha vontade. Bastava uma bola do tamanho da cabeça de um homem para elevar navios aereos de grandes dimensões. Mas isto não passava ainda de um progresso sobre os balões. Era mister achar meio de moderar a força ascencional para não ser carregado a alturas demasiado grandes, assim como de transformal-a em força lateral para dirigir o apparelho.

O primeiro foi facil de obter. A adherencia completa do pos e do neg dava o maximo de acção da electricidade gravitante positiva ou negativa. Achei que separando-os um pouco, o phenomeno diminuia apenas de intensidade. A' distancia de dous centimetros manifestava-se ainda, mas já muito fraco : assim dispostos, ficavam quasi parados no ar, no ponto em que os soltava, subindo ou descendo com extrema lentidão, conforme a parte voltada para a terra. Estava eu senhor da força motriz, podendo augmental-a ou diminuir, como quizesse.

Faltava a direcção. Aqui andei por muito tempo sem rumo certo. Calo as particularidades e vou direito ao processo que me deu a solução.

Experimentei uma bola formada de uma parte media de neg e as extremas de pos. Produziu um phenomeno assaz curioso.

A juxtaposição do hemispherio inferior ao mediano desenvolvia electricidade gravitante positiva e tendia a fazer descer a bola. Mas a juxtaposição simultanea do disco com o hemispherio superior produzia electricidade gravitante negativa e tendia a levantar a bola, sem que a isso se oppozesse o hemispherio inferior, o que causou-me admiração. Estes dous phenomenos eram simultaneos. A bola era solicitada por duas forças directamente contrarias,— a attractiva e a repulsiva. Obedecia á maior, subindo ou descendo mais ou menos rapido, conforme as proporções que fui dando ás differentes partes da bola. Mas nunca pude conseguir proporcional-as de maneira que o systhema ficasse completamente immovel no ponto em que o largava no ar.

Lembrei-me de dar ao disco intermediario a fórma de uma cuaha bem aguçada. Obtive um effeito maravilhoso.

As duas forças contrarias continuavam a desenvolver-se, mas obliquamente, dando uma resultante horisontal. Fiz outra bola e colloquei-a sobre a chaminé com a parte mais grossa da cunha voltada para a parede fronteira. Veloz como uma bala, foi de encontro á parede, rasgando o papel e deitando abaixo uma pouca de caliça.

Foi facil moderar-lhe a força separando mais ou menos as suas differentes partes.

Muitos annos gastei para chegar a este resultado, mas emfim tinha o problema da locomoção aerea theoricamente resolvido. Possuia o motor, o meio de gradual-o assim como de governal-o ; só me faltava aperfeiçoar. Não era cousa difficil. Darei aqui os resultados, que obtive das modificações que fui successivamente imaginando :

Mudei a forma do systhema fazendo-o esphero-conico em vez de espherico : — para me tornar mais claro, uma pêra ou figo em vez d'uma laranja ou maçã. A pêra devia ficar ordinariamente horisontal. Compunha-se de tres partes, todas mais grossas de um lado, afilando para o outro : no meio o pos, è o neg por cima e por baixo. Por meio d'um mecanismo muito simples, podia approximar ou affastar as partes umas das outras ; bastava girar para um lado ou para outro, como se faz com uma chave na fechadura, uma haste que sahia da pêra verticalmente pela parte de baixo. A mesma haste servia, dando-se-lhe movimentos circulares analogos aos que se dão a uma manivélla, ou á canna do leme, para voltar a ponta da pêra para o lado que se quizesse, eleva-la ou abaixar à vontade.

Suppondo-me suspenso pelo systhema, imaginei que estava a viajar pelo ar com tanta facilidade e rapidez, como a ave mais agil. Comecei gyrando a haste de modo que permittisse ao apparelho actuar muito fracamente, e dirigindo a parte grossa da pêra para cima fazendo um angulo de quarenta e cinco gráos com o horisonte. Lá foi mansa e obliquamente carregado pelos ares. Chegando a uma certa altura puz a pêra horizontal, e dei á manivéla de sorte que approximasse as peças do apparelho, sendo transporta-lo horisontalménte na direcção que quizesse, com velocidade que podia augmentar a meu sabôr até o maximo vertiginoso.

Nada mais facil de realisar.