I
Ira-se horrendo, e se orna tenebroso
Renovado na sombra o Inverno esquivo,
Aos afagos do Zéfiro nocivo,
Às carícias de Flora rigoroso:
Com vestido de nuvens impiedoso
Melancólica a fronte carregada,
Por velho desagrada,
E tendo a chuva sempre em seus rigores,
Enfermo está de lânguidos humores.
II
Aumenta seu rigor o triste Inverno,
Encarcerando no queixoso Pólo
A luz propícia do gentil Apolo,
E mais que Inverno, fica escuro inferno:
Apolo pois com sentimento externo
Entra na casa atroz do Deus lunado,
Que de luas armado
Dois chuveiros vibrando, arma inclementes
Em minguantes de Lua, de água enchentes.
III
Vomita o Bóreas no furor ingrato
O nevado rigor, bem que luzido,
Adornando aos jardins branco vestido,
Despindo dos jardins o verde ornado:
Sendo ao prado nocivo, aos olhos grato,
Da neve esperdiçada o candor frio,
Nos disfarces de impio
Parece a neve em presunção fermosa
Emplumado candor, ou lã chuvosa.
IV
Prisioneiros se vêem arroios claros,
Quiçá, porque murmuram lisonjeiros,
Dando às almas avisos verdadeiros,
Dando a perfeitos Reis exemplos raros;
Da prata fugitiva sendo avaros,
O frio caramelo os prende duro:
Que pois o cristal puro
Corre louco, castigam com desvelo
Loucuras de cristal, pedras de gelo.
V
A planta mais galharda, que serena
Era verde primor, lisonja ornada,
Padece nus agravos de prostrada,
Perde subornos plácidos de amena;
E quando tanta lástima lhe ordena
Do vento, bem que leve, a grave injúria,
Ao brio iguala a fúria,
Pois no exame dos golpes inimigo
Folha a soberba foi, vento o castigo.
VI
Pede o Céu contra o vale, contra o monte
O socorro cruel da horrenda prata,
Quando bombardas de granizos trata,
Escurecendo a luz na irada fronte;
Vertendo bravo sucessiva fonte,
Formando condensado guerra escura,
Contra a terra conjura
Quando não por assombros, por vinganças
De sombras esquadrões, de aljôfar lanças.
VII
Mas logo o mar soberbo ao mesmo instante
Por vingar generoso a terra impura,
Levanta de cristais soberba pura,
Sacrilégios argenta de arrogante:
Pois opõe contra Jove, qual gigante
Em montes de cristal de cristal montes,
E em densos horizontes
Jove quiçá, por fulminar desmaios,
De nuvens se murou, se armou de raios.
VIII
O lenho pelas ondas navegante
Sendo de vários ventos combatido.
Teme o profundo mal de submergido,
Padece o triste horror de flutuante:
A marítima turba naufragante
Alarido levanta lastimoso
Contra o Céu rigoroso,
Vendo que a escura, e súbita procela
Quebra o leme, abre a tábua, rompe a vela.
Canção, na bela Fílis
Outro Inverno repetem mais escuro
A tristeza que sinto, a dor, que aturo.