GUIMARÃES Rosa (ficcionista mineiro)

Sertão é isto, o senhor sabe:
tudo incerto, tudo certo

João Guimarães Rosa (1908–1967), médico e diplomata mineiro, operou a renovação da abúlica narrativa "regionalista" tradicional, elevando o sertão mineiro à categoria do universal, por expressar toda a epicidade e a poeticidade do homem sertanejo. Em suas coletâneas de contos (Sagarana, Corpo de baile, Tutaméia, Primeiras estórias) e na obra-prima, o volumoso romance Grande sertão: veredas, os personagens que povoam o sertão brasileiro (coronéis, jagunços, peões, prostitutas, moças de família, velhas devotas etc.) se encontram representados em suas lutas pela sobrevivência e pela afirmação de indivíduos ou de grupos sociais. A rivalidade entre coronéis e seus bandos de jagunços pela posse de territórios e pelo mando sobre povoados, a coexistência do mal e do bem, a crença nas forças demoníacas e a fé em Deus, a tradição do passado e as incertezas do futuro, o tormento de paixões inconfessáveis, são linhas de força que criam um campo de ambigüidade, que domina toda a obra ficcional de Guimarães Rosa, aparecendo em primeiro plano no relacionamento amoroso entre os protagonistas de Grande sertão: veredas, o jagunço Riobaldo e o rapaz/moça Diadorim. Notável é ainda que o mundo sertanejo é representado por uma linguagem altamente poética. O discurso de Guimarães Rosa não é referencial, na medida em que composto de palavras-signos de realidades, mas criador de realidades, pois, ativando constantemente a função poética da linguagem, estabelece um nexo intrínseco e necessário entre significante e significado. Tendo por base o português arcaico, assim como falado pelos sertanejos mineiros, o autor trabalha esse material, lançando mão de todos os recursos da linguagem poética (aliterações, onomatopéias, elementos rítmicos, elipses, anacolutos, imagens metafóricas, comparações ousadas, oxímoros, neologismos, desvios sintáticos), com o dúplice efeito de expressar o que se passa no subconsciente dos personagens e de obrigar o destinatário a refletir sobre as palavras lidas e os problemas da existência humana.