Introdução
"Saber é poder: incomensurável é o valor do conhecimento para o progresso do indivíduo e da sociedade"
Este trabalho já foi publicado, em 2005, pela Campus/Elsevier com o título “Pequena enciclopédia da cultura ocidental”. Estando a edição original esgotada há algum tempo, o autor, atendendo à constante demanda de interessados, resolveu procurar outra editora disposta a continuar a divulgação da obra considerada de utilidade pública, pois destinada a bibliotecas familiares e institucionais, bem como à leitura individual. O livro foi revisto e atualizado, chegando ao público com uma nova veste tipográfica e diferente título. Autor e editor acharam por bem não deixar no oblívio este compêndio de cultura geral, rico manancial de informações indispensáveis para a formação de uma verdadeira cidadania.
Como já dizia o mestre Epicuro, há uns 24 séculos atrás, a ignorância está na origem das superstições e de todos os outros males da humanidade. Ela é o único pecado realmente “capital”, pois é a fonte de onde procedem todos os outros danos. É a falta de conhecimentos que cria o medo nas civilizações antigas ou primitivas e a desgraça em muitas sociedades modernas, culturalmente atrasadas. Ignorante é quem não conhece o passado da civilização em que está vivendo e não tem uma visão crítica do presente, pois não pensa com sua própria cabeça e não reflete sobre as conseqüências de seus atos. Sem dúvida, é a falta de cultura da massa popular que permite o predomínio de alguns líderes carismáticos e fanáticos, capazes de exacerbar ódios e vinganças entre diferentes etnias, insuflando um falso patriotismo e assumindo uma missão messiânica. Como também é a ignorância do povo que permite as sucessivas reeleiçoes de líderes políticos corruptos. O dramaturgo alemão Berthold Brecht acertou em cheio ao afirmar: infeliz do povo que precisa de um herói! A Alemanha de Hitler e a Rússia de Stalin ( → Marx) que o digam! Povos civilizados não necessitam de um Messias, de um Salvador da Pátria. Eles precisam apenas de escolas!
Aumentar o conhecimento do passado cultural é a base do progresso do indivíduo, da família e da sociedade. A cultura é a mais poderosa e eficaz arma política. Precisamos possuir o conhecimento para sermos social e economicamente livres. Mas o saber, a que estou me referindo, não é dado pela simples informação, pois os dados adquiridos devem ser estudados, interpretados, para chegarmos ao verdadeiro conhecimento, ao saber que nos enriquece por dentro e que transborda e transforma a realidade em que vivemos. Adquirindo cultura, um povo toma consciência da própria identidade, não se deixando manipular por vendedores de ideologias ou por caçadores de votos. Sim, porque pouco adianta nos orgulharmos do nosso regime democrático e do exercício da liberdade, se a grande massa do povo não é esclarecida, vivendo completamente alienada dos problemas da coletividade.
A finalidade deste trabalho é contribuir, um pouco que seja, para a divulgação do cabedal cultural que a tradição humanística nos deixou e que, infelizmente, se está perdendo. É curioso notar que, na sociedade moderna, tudo evoluiu, com exceção da educação. O avanço tecnológico se, de um lado, nos propicia uma avalanche de notícias regionais, nacionais e internacionais, de outro lado, contribui para reduzir ainda mais o hábito da leitura em nosso lar, onde a Internet está suplantando a Biblioteca. É uma pena, pois “lendo” se aprende muito mais do que “vendo”. O livro, além de nos acompanhar em qualquer lugar da casa e durante as viagens, permite parar para pensar. O conhecimento é proporcionado de uma forma mais lenta, porém mais proveitosa, estabelecendo um diálogo entre o escritor e a consciência do leitor. A afirmação de Monteiro Lobato de que “uma nação se faz com homens e livros” ainda não ficou obsoleta.
A chamada democratização do ensino, hoje em dia, faz com que os estudantes cheguem às Faculdades com conhecimentos cada vez mais minguados e delas saiam com mais diplomas e menos sabedoria. E isso porque não existe a base cultural propiciada pela família, na primeira infância, e continuada na escola primária e secundária. Apenas a escola, pública ou privada, por melhor que seja, não é suficiente para a aprendizagem, se não houver o homework, o trabalho de casa, assistido por quem é responsável pela educação da criança. Não se aprende de repente ou apenas fazendo um curso. Sem tradição e estudo sustentado não há civilização. Como diria Lavoisier, nada sai do nada. O gênio é apenas um anão sentado em cima de uma montanha, que é o passado cultural da sua etnia, a que ele acrescenta mais alguma coisa. Sem o Atomismo de Demócrito e a Física de Arquimedes, não teríamos a genialidade de Einstein. Sem Homero, Virgílio ou Sófocles, a grandiosidade de Dante, Camões ou Shakespeare seria outra.
Este dicionário cultural é o fruto de quase meio século de discência, docência e pesquisa universitária em várias áreas das Ciências Humanas, bem como de uma vida sofrida e viajada. Considero este trabalho como meu testamento intelectual, deixando para meus ex-alunos e para todas as pessoas interessadas em cultura um testemunho do pouco que consegui aprender e reter na minha memória, ao longo de tantos anos. Aproveitei um pouco do material já publicado em livros e artigos, especialmente na área de Teoria da Literatura, e extendi minhas pesquisas em outros campos do conhecimento. Os assuntos, colocados em ordem alfabética, são apresentados não de uma forma teórica, mas através de histórias míticas, literárias e artísticas. Daí o subtítulo "o saber indispensável, os mitos eternos". Na verdade, o presente livro é uma coletânea de ensaios sobre Obras (Ilíada, Odisséia, Eneida, Divina Comédia, Lusíadas, Dom Quixote, Hamlet, Fausto, Metamorfose, Processo etc), Autores (Homero, Virgílio, Dante, Shakespeare, Fernando Pessoa, Machado, Dostoievski, Kafka, Darwin, Freud, Marx, Einstein, Picasso etc) e Temas fundamentais da nossa cultura (mito, religião, filosofia, literatura, artes plásticas, política, ciências etc).
Enfim, tentei colocar num único livro o essencial dos conhecimentos que qualquer ser humano, de cultura média, deveria ter, tentando completar, de uma certa forma, as falhas do ensino colegial e universitário. A matéria está distribuída em verbetes de A a Z, desenvolvidos por uma redação média de uma página. Para evitar repetições, alguns verbetes são apenas remissivos, indicando o lugar onde o assunto é tratado. O chamamento pelo “negrito” possibilita ao leitor a indicação de que aquele vocábulo está redigido em lugar apropriado, estabelecendo assim uma rede remissiva que conecta os vários assuntos. Pretendi realizar um trabalho de interdisciplinidade e de intertextualidade, aí residindo sua originalidade, pois o distingue de outros dicionários culturais. Nunca escreveria um livro que tivesse similares na praça, pois o trabalho intelectual, para mim, é demais penoso para ter como recompensa apenas a vaidade ou alguns trocados.
Existem, é verdade, bons dicionários de mitos, filosofia, pedagogia, psicologia etc, mas todos eles são específicos. Este pretende ser o “genérico”, aquele que lança pontes entre as várias áreas do conhecimento, colocando em evidência a interdependência entre as várias atividades humanas, pois não existe um saber verdadeiro fora de um contexto histórico, científico, artístico, religioso. O verbete “Édipo”, por exemplo, é visto na sua origem como mito primitivo da Grécia, depois como personagem de uma tragédia de Sófocles, como complexo materno na psicanálise de Freud, e em sua fortuna artística até nossos dias, servindo este mito ainda hoje como inspiração para obras literárias, teatrais, cinematográficas. E o verbete “Édipo” remete a outros assuntos tratados, tais como Tragédia, Teatro, Freud.
O desenvolvimento dos verbetes é maior ou menor, dependendo da importância do assunto e da minha competência. Evidentemente, os temas relativos à Teoria da Literatura e à Cultura Clássica estão mais bem desenvolvidos, pois é a minha área específica de conhecimento. O trabalho apresenta-se como uma “mini-enciclopédia” geral. O grande desafio foi condensar, num único livro, de fácil consulta e a um preço razoável, a cultura encontrável em volumosas enciclopédias, escritas por vários especialistas. O critério da seleção e do tratamento dos verbetes foi sua “essencialidade”: escolhi alguns Autores, Obras e Temas que considero “eternos” por terem ultrapassado os limites do tempo e do espaço. Procurei apresentar os mitos e os homens que, segundo meu parecer, mais contribuíram para a formação da cultura ocidental, envolvendo Filosofia, Religião, Artes e Ciências. Se alguma escolha ou omissão não agradar ao leitor, peço-lhe desculpas. E ele vai me perdoar, pois sabe que, em qualquer seleção, é difícil escapar do demônio da subjetividade.
Além de proporcionar conhecimentos, este trabalho pretende ser um estímulo para a leitura e a reflexão, um convite para o contato direto com as obras apontadas. Muita gente tem vontade de ler livros importantes, pois culturalmente fundamentais, mas não sabe de onde começar. Aqui está um guia para o leitor se orientar na escolha dos autores e das obras mais relevantes que o gênio humano produziu. Apesar da amplidão e complexidade dos assuntos, sua exposição é simples e direta, num estilo às vezes divertido ou até irônico, tentando evitar pedanteria ou chatice. Como bem adverte nosso Machado: “a primeira condição do escritor é não aborrecer”. A maioria dos verbetes são ilustrados com a citação de frases inteligentes de autores famosos e o significado é explicado a partir da etimologia da palavra, pois o sentido original dos vocábulos é geralmente o mais certo. O livro tem como destinatários estudantes universitários, docentes, profissionais liberais, pais e outros responsáveis pela ajuda às crianças nas tarefas escolares. Interessa, enfim, a todas as pessoas que percebem a importância de exercitar o intelecto e apreciam o valor do conhecimento para o exercício da cidadania e um melhor entendimento de obras filosóficas ou artísticas.
Embora apresentada em verbetes, a obra foi concebida como um compêndio de cultura humanística para ser lida todinha, de ponta a ponta, como se fosse um romance eclético sobre cultura, e não apenas consultada como um dicionário. E isso porque a experiência me ensinou que, sem uma visão gestáltica, o conhecimento do particular se esvai, não se solidifica, pois todo o saber é sempre contextual, comparativo, referencial. Como pondera Blaise Pascal, “é preferível conhecer alguma coisa sobre tudo a tudo sobre apenas uma coisa”. Mais ainda: não podemos esquecer que a sabedoria é indissociável do amor. A leitura deste livro tem que ser carinhosa, assim como foi sua escrita. Não sei exatamente o valor deste meu esforço intelectual, mas gostaria de terminar esta introdução com as palavras do sábio indiano Mahatma Gandhi (Buda): “o que você fizer poderá até ser insignificante, mas é da maior importância que o faça”.