No quarto de vestir malva e rosa, emq que os móveis de peroba clara punham uma nota risonha em cada canto, os cristais faiscavam, repletos de perfumes caros, denunciando a presença, ali, de uma mulher de luxo. E essa mulher era Albertina Baga, flor humana de vinte e dois anos, tipo autêntico de beleza moderna, esbelta, flexível, seios pequenos, oxigenada, cujos olhos grandes e negros o prazer bistrava quatro vezes por dia.

Viúva de um antigo diplomata sul-americano, havia se unido legalmente ao engenheiro Gomide Ramos, encantadora figura de milionário e de estroina, cuja mocidade se havia consumido toda em Paris, como um regato límpido se consome de passagem pelo Deserto. Casados, a vida era-lhes uma perpétua festa dos sentidos, interrompida, apenas, pelos jantares, pelos teatros, pelos chás, pelos passeios, pelas exigências, em suma, de uma vida intensamente elegante. Pálido, alto, espigado, os olhos marcados pelo monóculo e pelas vigílias, Gomide Ramos, a perna cruzada, vestido para sair, esperava, recostado no canapé, lendo um jornal da cidade, que a companheira desse último retoque à sua elegância. E Albertina andava de um lado para outro no aposento, pregando e repregando o vestido, retocando os tufos do cabelo de ouro, pés pequeninos, enluvados em meias cor de carne, mergulhados, como aves no ninho, nas pantufas de seda rosa. De repente, a moça parou de andar, sentou-se em uma cadeira de mola, a um canto, e, chamando a criada:

— Lola, traze-me os meus sapatos "marron", os novos.

E após um instante:

— Traze-me, também, a calçadeira.

Cinco minutos decorreram. A calçadeira na mão, curvada para diante na cadeira, a moça começava a impacientar-se. O sapato não entrava, irritando a dona, em cuja fronte vermelha de "rouge" e de sangue, o suor principiava a por um orvalho tênue, como o que as rosas recebem pela manhã. De súbito, Albertina amuou-se.

— Antonico?... — chamou.

E com gestos de criança mimada:

— Não entra, meu filho!

Absorvido pela leitura, Gomide Ramos ouviu a queixa por alto. O jornal na mão, lendo-o pelo quarto, levantou-se, o andar de sonâmbulo. No toucador, tomou uma bisnaga de metal, encaminhou-se para o canto em que a rapariga se calçava, entregando-lha.

— Toma!

E distraído, os olhos no jornal:

— Talvez entre...