1- NÚBIL – É o adjetivo latino nubilis, tão eufônico e elegante como o seu equivalente pubere. Nenhum dicionário do meu conhecimento faz dele menção; mas talvez já fosse alguma vez usado por escritores portugueses.

2 - ESCUMILHAR – Diminutivo do verbo escumar, como o substantivo usado e conhecido escumilha é diminutivo de escuma. Da mesma procedência é fervilhar, de que falaremos adiante.

3 - PUBESCÊNCIA – Do latim pubesco laniginem, emito. Não há outro vocábulo na língua portuguesa para exprimir com tanta elegância e propriedade esse estado da cútis ou da maçã de certos frutos quando se cobrem de uma fina e macia felpa.

4 - EXALE – Hesitei quando a pena escreveu este adjetivo desconhecido na língua portuguesa. Lembrava-me sim das mui judiciosas observações do bom Filinto Elísio a respeito do uso dos adjetivos passivos, que ele tanto preconizou como uma das belezas da língua. Mas os adjetivos passivos de que ele falava vinham do latim em linha reta; e o meu não tinha por si o cunho da mestria romana. Refletindo mudei de pensar e arrisquei-me.

Assim como os bons clássicos latinos fizeram de infestatus, proecipitatus, exanimatus, occultatus, etc., os passivos irregulares infestus, proeceps, exanimis, occultus, podiam muito bem ter feito de exhalatus, exhalis. Esqueceram-se; nem era possível que de tudo se lembrassem. Convinha suprir a lacuna, tanto mais quanto exale é irmão de extreme, entregue, e outros que não descendem do latim. Em conclusão, o vocabulário aí fica registrado. Os que, como eu, têm o vício de esperdiçarem seu tempo e saúde a rabiscar papel, muitas vez terão sentido a monotonia das desinências uniformes dos particípios passados dos verbos, especialmente da primeira conjugação. Esses, espero, serão indulgentes para o meu objetivo.

5 - PALEJAR – Escrevi este verbo persuadido que andava ele inserido nos dicionários, e fiquei surpreso de não o encontrar aí, porque nenhum é mais do que ele necessário e genuíno na língua.

Talvez se lembre alguém de opor-me o verbo empalidecer, de igual origem, e já sancionado pelo costume; mas esse verbo está bem longe de exprimir a idéia do outro que eu introduzi, se é que antes de mim alguém já não fez este benefício.

Muitas são as desinências verbais da língua portuguesa, por meio das quais variamos o sentido do vocábulo primitivo, e exprimimos as diversas modificações de uma ação. A desinência escer, de esco, que a língua latina adotou do grego, forma os verbos chamados incoativos. Esco em grego tem a significação de crescer; junto a um nome ou verbo, indica uma ação contínua, mas lenta e gradual da idéia anterior. Assim alvorecer é o progresso que faz o alvor no oriente; embevecer o ato de ir bebendo aos poucos.

Ora, no período a que me refiro, página 45, não era minha intenção dizer que as luzes da sala iam a pouco e pouco tornando pálida a fronte da donzela; mas sim que lançavam-lhe reflexos ou ondulações que a faziam pálida. A idéia é muito diversa; em vez de ação contínua, lenta e progressiva, eu quis exprimir uma ação intermitente, rápida e igual. A desinência escer não servia para o caso; era mister recorrer a outra.

Essa devia ser a desinência ejar, derivada do latim ago, e muito usual em português. Ago, fazer, obrar, dá logo a idéia de iniciativa e poder criador; comunica ao nome ou verbo a força de produzir de si mesmo a idéia exprimida. Assim almejar é a alma que sai de si mesma excitada por um desejo; arquejar, a arca do peito que sai da sua posição natural; forcejar, a força emitida dos músculos; vicejar, o viço que se expande.

A desinência ago por isso mesmo que comunica o poder criador, a força ativa à palavra a que se junta, indica a persistência da idéia ou da ação; e por isso os gramáticos chamam os verbos dessa terminação freqüentativos. Assim arejar significa uma produção repetida do ar, murmurejar um murmurar amiudado, etc.

Palejar portanto é o verbo que servia ao meu pensamento; a palidez que as luzes lançavam de si obre a fronte da donzela, palidez que devia ser rápida, trêmula e intermitente como a oscilação da chama; todas estas circunstâncias aí estão no vocábulo.

Quanto à sua genealogia, talvez haja quem o preferisse derivado do adjetivo pálido, como empalidecer; entendi eu que o extraía bem do verbo palleo, donde saiu o adjetivo pallidus, e o verbo pallesco. E por que havia eu de fazer o meu verbo neto do verbo radical quando o podia fazer filho?

6 - ROFADO – Não sei por que não mencionam os dicionários o verbo rofar, do latim rufo, quando dão os nomes respectivos, rofo, prega, e rofo, rugado. Esse verbo foi admitido no composto arrufar com uma ortografia mais semelhante à etimologia. Prefiro rofar, para distinguir de rufar, tocar ruflas no tambor.

7 - GÁRCEO – Não é o adjetivo garço ou zarco, que significa azul esbranquiçado; mas o derivado de garça, como róseo foi derivado de rosa.

8 - GARRULAR – Da propriedade que tem nossa língua de criar novos verbos já falou com muito critério o autor do Gênio da língua portuguesa. Facilmente se adapta uma desinência verbal a qualquer nome, verbo. É o que se fez ao adjetivo gárrulo, criando-se assim o verbo para suprir a falta que nos faz o radical latino garrio, que bem se podia traduzir garrir.

De resto garrular tem procedência igual à de escapulir, que provém de escapulo em primeiro grau e de escapar em segundo.

9 - OLÍMPIO, do latim olympius, a, um.

Para que esta novidade? Não temos já olímpico?... que?...

Temos, sim; mas agora mesmo acabo eu de sentir quanto são incômodas e vexatórias para o escritor consciencioso essas palavras terminadas em sílabas ásperas, especialmente com o emprego freqüente do relativo que. A harmonia é uma das primeiras belezas da língua. Para mim ela vale mais do que todos os escrúpulos clássicos; desde que na língua mãe se deriva um adjetivo irmão que exprime a mesma idéia com mais eufonia, havia eu de rejeitá-lo por cortesia a uma só letra, e uma letra rude e áspera, especialmente nas palavras esdrúxulas?

10 - ELANCE – É bem possível que algum leitor enxergasse nessa palavra uma tradução ridícula e extravagante do vocábulo francês élan, e se horrorizasse do galicismo.

Mas espero que repare tal injustiça cometida contra o inocente autor.

A língua latina tem a palavra lancea, lança, da qual derivaram as seguintes: lanceo, meter a lança; lancisco, ferir com a lança.

Passaram essas palavras com pequena modificação para a língua portuguesa, a qual, pela propriedade que tem de criar substantivos verbais, de lançar tirou logo lançamento, como de defender, mover, conceber, aparecer, derivou defendimento, movimento,, concebimento, aparecimento, e muitos outros desconhecidos no latim.

Outra propriedade preciosa da nossa língua é comunicar ao nome a idéia de atividade ou passividade da ação verbal por meio de certas desinências em que ela é muito rica. Assim essa desinência em ento, talvez corrupção do gerúndio latino agendus, exprime um movimento sucessivo, ainda não acabado. Exemplo: revolvimento. A desinência em ão, de actio, indica o movimento rápido e consumado. Exemplo: revolução. A essas duas desinências ativas correspondem outras duas passivas, em ado ou ada, ido ou ida, de actus, que significa o objeto que já sofreu o movimento do verbo. Exemplo: mandado. A outra é uma desinência irregular, ou antes não é desinência, mas ausência dela, e contração dos nomes em ento para designar o movimento passivo, ou o efeito do anterior movimento, como mando, que é o efeito de mandar.

Sobre estas desinências pode-se ver a obra já citada, Gênio da língua portuguesa, a qual contudo não é completa.

Nada mais natural, em vista do expendido, que a língua portuguesa tendo criado o nome verbal lançamento o apassivasse por contração e fizesse lance para exprimir o efeito do movimento do verbo, como o outro exprimia esse mesmo movimento continuado. Igual operação ideológica houve na palavra realce, engaste, encaixe, disfarce, transe, contração de realçamento, engastamento, encaixamento, disfarçamento e transimento. Nenhum desses nomes contraídos e passivos tem equivalentes no latim.

Tal é a verdadeira etimologia da palavra portuguesa lance; e não a que dá Morais, derivando-a do francês élan, ou a que procurou Constâncio arbitrariamente e conforme seu costume na palavra grega laxis. Que necessidade tinha a língua de socorrer-se de elemento estranho, quando em si própria tinha o necessário para dar raiz lancea tirar por gradações o vocábulo lance?

Ao passo que em português a radical era assim desenvolvida, no francês produzia o verbo lancer, o nome lancement, e segundo pretende Bescherelle e os melhores dicionários esse outro nome composto élan e seus derivados élancer, etc. Quanto a mim, élan parece antes uma corrupção por transposição de an-helus; a sua significação de ímpeto ou salto arrebatado é figurada e não primitiva.

Como quer que for, tenham os franceses feito o seu vocábulo élan ou lancea ou de anhelus, como nós fizemos o nosso de lance, não podemos nós os portugueses explorar mais essa fonte para dela haurir as riquezas que existam sem incorrer em crime de galicismo? Porque os franceses compuseram a raiz, e criaram élan, élancer, élancement, não é permitido ao escritor português usar de igual direito e prerrogativa?

Quando de lance fizeram os bons autores relance, relancear, juntando o prefixo que indica repetição, concederam autoridade para todos aqueles compostos que forem necessários e harmoniosos. Elance está nesse caso; ele é parente próximo e eflúvio, efeito, efúgio, efusão, elisão, emanação, e tantos outros formados da preposição e ou ex que exprime a emissão ou produção externa da ação.

11- RUTILO – De restilar, brilhar, trilar, fizeram restilo, brilho e trilo; de cintilar, cintila ou centelha. Por que razão o verbo rutilar, um dos mais belos da língua portuguesa, não havia de ter um só nome substantivo, quando outros têm-os os três e quatro? Nada de privilégios, nem mesmo para os vocábulos; igualdade perante a língua, como perante a lei.

12- ROÇAGAR – Este verbo, se não me engano, já foi usado; eu mesmo o escrevi freqüentes vezes sem investigar dos seus títulos e diplomas. De feito, sendo o particípio presente roçagante consagrado, parece que não pode ele existir sem o verbo, cujo é. Constâncio diz, é verdade, que deriva roçagante de roçar; mas creio que não obstante seus devaneios em matéria de etimologia, não pretendeu ele que fosse o particípio daquele verbo.

Aqui aparece a desinência ejar de que falamos em outra nota, mais aproximada da radical ago. Essa desinência, como foi dito, comunica ao verbo a idéia de iniciativa e atividade; e por dedução a idéia de freqüência e repetição. Roçagar é pois uma variante de rocegar ou rossejar; variante de grande estimação pela beleza e harmonia. Sua verdadeira significação deve ser a seguinte: produzir roçamento freqüente e repetido.

Daí veio chamar-se roçagante a roupa talar e ampla, não somente porque arrasta no chão, como dizem Morais e Constâncio, mas porque suas muitas dobras tocando-se de leve umas às outras produzem um roçamento repetido, rossejam. Na significação usual foi usada a palavra neste volume da Diva, página 171; porém afastei-me dela em Lucíola, página 195: "Avistando-me, roçagou o véu, e disse com um triste sorriso, etc."

Como se vê da frase, não se tratava de objeto que arrastasse no chão, e que por conseguinte tirasse daí a significação atribuída ao vocábulo; mas era alguma coisa flutuante, cheia de rugas e pregas, como são os véus; o movimento da pessoa que o quisesse colher, para descobrir o rosto, havia por força produzir o contínuo e repetido roçamento.

O verbo arregaçar não exprime tanto nem tão bem; é mais do que colher e seus compostos, pois é colher fazendo seio ou regaço; mas não dá a idéia de ondulação contínua, e nem a da rejeição do véu por sobre a cabeça. Arregaçar o véu é levantá-lo apenas; roçagar é atirá-lo para as espáduas. Em idêntica significação o empreguei à página 22, "...enquanto a mão ligeira roçagava os amplos folhos da seda que rugia arrastando." Traduza-se: enquanto a mão ligeira rejeitava fazendo roçar uns nos outros repetidas vezes os amplos folhos, etc."

13 - FRONDES – A palavra latina frons, ondis, que significa propriamente a folha superior e recente, o renovo-gérmen, arborum, hervarum et florum. Introduzida na linguagem científica por Lineu, foi logo adotada, como merecia, pela linguagem literária e artística, onde ela vem aumentar a família de vocábulos que receberam do latim os nossos clássicos frondear, frondejar, frondente, frondoso, frondífero, etc.

Para exprimir os renovos das palmeiras ela é sobretudo de grande beleza, porque acrescenta a idéia de elevação.

14 - AFLAR – A virtude ou vício desse vocábulo me deve ser imputado, porque fui eu o primeiro que o transportei para a nossa língua ex auctoritate qua scribo.

Afflo vel adflo, ad aliquid spiro, vel flatu contingo, composto de ad, para, e flo, soprar. Se acharem na língua portuguesa um verbo que exprima ao mesmo tempo, com tanta propriedade, elegância e beleza imitativa, o movimento produzido pelo bafejo da aragem sobre as folhas, ou a ondulação de certos objetos que agitam o ar, como o leque, os folhos de um vestido, etc., eu confessarei que cometi uma superfluidade emprestando do latim essa palavra nova.

Mas duvido que achem termo nessas condições. Eu conheço soprar, arejar, bafejar, arar, espirar e seus compostos, ventilar, e talvez outros que me não recordem agora. Nenhum deles satisfaz: soprar, arejar, ventar e ventilar têm a significação genérica de emitir sopro, ar ou vento; bafejar é o ar ligeiro que expelimos pela boca, ou figuradamente o que se lhe assemelha pela brandura e tepidez; espirar, respirar, suspirar significam várias modificações no movimento do ar vital; arfar exprime a ondulação produzida pelo ar interior.

Aflar porém reúne a significação de muito desses verbos. Ele indica a emissão do ar, acrescentando a idéia de um lugar para, ad. Afla a brisa, sopra para, dirige-se a outro lugar. Indica também, como arfar, uma ondulação produzida pelo ar, mas não é de expansão, e sim de deslocação. O seio arfa porque se intumesce de ar; a palma afla porque o sopro intermitente a embalança.

A grande beleza porém do vocábulo está na onomatopéia; afla é o som harmonioso de certos movimentos que o verbo seja chamado a exprimir: afla um mimoso leque meneado lentamente, um vestido de chamalote com a ondulação do andar gracioso, uma bandeira agitada pela brisa, etc.

15- RUBESCÊNCIA – Já se tratou da desinência verbal escer, que designa continuação gradual, progressiva e lenta. A essa desinência verbal corresponde a dos substantivos derivados encia, que exprimem a mesma idéia.

A língua portuguesa foi parca em seu empréstimo da latina quanto à família deste vocábulo; apenas tomou o substantivo rubor, o adjetivo rúbido, e o verbo composto enrubescer; desprezou o verbo rubir, de rubeo, ser vermelho, o substantivo rubidino, is, rubidez, que outros adotaram quando sentiram a necessidade, e com tão bom direito como foram adotados languir e languidez.

Eu limitei-me a adotar o verbo simples rubescer e seu substantivo rubescência, porque careci dele para exprimir a minha idéia. Rubor exprime o efeito da ação verbal rubeo. O outro derivado, rubidez, se fosse admitido, exprimiria um estado ou qualidade, conforme a ação. Rubescência porém indica a gradação da cor que se vai acendendo nas faces até chegar a ser rubor.

16- FERVILHAR – É palavra conhecida e usada; é o diminutivo de ferver. Essa propriedade de diminuir a significação dos verbos, como de a aumentar pela desinência, é outro privilégio da língua portuguesa.