Para Aragão, na Espanha[2]
Tenho em meu coração
Um lugar todo Aragão,
Franco, feroz, fiel, sem sanha.

Se quiser um tonto saber
Por que o tenho, lhe digo
Que ali tive um bom amigo,
Que ali quis a uma mulher.

Além, na várzea florida
A da heróica defensa
Por manter o que pensa
Joga a gente a vida.

E se um alcaide o aperta
Ou lhe irrita um rei caturro,
Veste a manta o baturro[3]
E morre com sua escopeta.

Quero à terra amarela
Que banha o Ebro lodoso[4]:
Quero o Pilar azuloso
De Lanuza e de Padilla.[5]

Estimo a quem de um revés
Deita por terra um tirano;
Estimo, se é um cubano;
Estimo, se aragonês.

Amo os pátios sombrios
Com escadas bordadas;
Amo as naves caladas
E os conventos vazios.

Amo a terra florida,
Muçulmana ou espanhola,
Onde rompeu sua corola
A pequena flor da minha vida.

  1. Para essa tradução não se obedeceu à métrica original, optando-se pelo sentido e lirismo da obra.
  2. Esteve Martí estudando Direito e Filosofia e Letras em Madri e em Saragosa, cidade aragonesa. A mulher que o poeta relembra aqui é Blanca de Montalvo, que mais tarde casou-se com o dr. José Simeón Pastor
  3. NT: baturro - campônio aragonês; não há tradução para a língua portuguesa.
  4. O Ebro é um dos maiores rios de Espanha
  5. O poeta parece se referir à revolta ocorrida em 1590-1591 e que passou à história como "Alterações de Aragão", em que morreu decapitado Juan V de Lanuza.