A balda alexandrina é poço immenso e fundo,
Onde poetas mil, flagello deste mundo,
Patinham sem parar, chamando lá por mim.
Não morrerão, se um verso, estiradinho assim,
Da beira fôr do poço, extenso como elle é,
Levar-lhes grosso anzol; então eu tenho fé
Que volte um afogado, á luz da mocidade,
A ver no mundo secco a secca realidade.

Por elles, e por mim, receio, caro amigo;
Permitte o desabafo aqui, a sós comtigo,
Que á moda fazer guerra, eu sei quanto é fatal;

Nem vence o positivo o frivolo ideal;
Despotica em seu mando, é sempre fatua e vã,
E até da vã loucura a moda é prima-irmã:
Mas quando venha o senso erguer-lhe os densos véus,
Do verso alexandrino ha de livrar-nos Deus.

Deus quando abre ao poeta ás portas desta vida,
Não lhe depara o gozo e a gloria appetecida;
E o triste, se morreu, deixando mal escriptas
Em verso alexandrino historias infinitas,
Vai ter lá n'outra vida insipido desterro,
Se Deus, por compaixão, não dá perdão ao erro;
Fechado em quarto escuro, á noite não tem luz,
E se é cá do meu gosto o guarda que o conduz,
Debalde, immerso em pranto, implora o livramento;
Não torna a ser, aqui, das Musas o tormento;
Castigo alexandrino, eterna solidão,
Terá lá no desterro, em premio da illusão;
Verá queimar, á noite, as rosas esfolhadas,
Que a moda lhe offertára, e trouxe tão cuidadas,
E ao pé do fogo intenso, ardendo em cruas dôres,
Verá que versos taes são galhos, não dão flores;
Que, lendo-os a pedido, a creatura santa,
A paciencia lhe foge, a fé se lhe quebranta,

Se vai d'um verso ao fim; depois... treme... vacilla...
Dormindo, cahe no chão; mais tarde, já tranquilla,
Sonha com verso-verso, e as illusões floridas,
Risonhas, vem mostrar-lhe as largas avenidas
Que o longo verso-prosa occulta, do porvir!
Sonhando, ao menos, póde amar, gozar, sentir,
Que um somno alexandrino a deixa ali em paz,
Dormir... dormir... dormir... erguer-se, emfim, vivaz,
Bradando: «Chloroformio! O genio que te poz,;
A palma cede ao metro esguio, teu algoz!»

E aspiras, vate, assim, da gloria ao ideal?
Triste e funesto afan!... tentativa fatal!
Nesta sede de luz, nesta fome d'amor,
O poeta corre a estrella, á brisa, ao mar, á flor;
Quer ver-lhe a luz na luz da estreita peregrina,
Quer-lhe o aroma sentir na rosa da campina,
Na brisa o doce alento, a voz na voz do mar;
Ó inutil esforço! Ó improbo lutar!
Em vez da luz, do aroma, ou do alento, ou da voz,
O verso alexandrino, o impassivel algoz!...

Não cantas a tristeza, e menos a ventura;
Que em vez do sabiá gemendo na espessura,
Imitarás, no canto, o grillo atraz do lar;

Mas desse estreito asylo, escuro e recatado,
Alegre has de fugir, que erguendo altivo brado,
A lyrica harmonia ha de ir-te despertar!

Verás de novo aberta a copiosa fonte!
Da poesia verás tão lucido o borisonte,
Que a mente não calcula, e onde se perde o olhar,
Que nas asas do genio, a voar pelo espaço,
Dá perna sacudindo o alexandrino laço,
Has de a mão bemdizer que o soube desatar.

Do precipicio foge, e segue a luz secreta,
Essa estrella polar dos sonhos do poeta;
Mas, n'outro verso, amigo, onde ao mago ideal
A musica se ligue, o senso e a verdade;
— N'um destes vai-se, a ler, da vida a immensidade
Da syllaba primeira á syllaba final!

Meu Deus! Esta existencia é transitoria e passa;
Se fraco fui aqui, peccando por desgraça;
Se já não tenho jus ao vosso puro amor;
Se nem da salvação nutrir posso a esperança,
Quero em chammas arder, soffrer toda a provança
— Ler verso alexandrino... Oh! isso não, Senhor

Observação de Machado de Assis

Esta poesia, como se terá visto, é a resposta que me deu o meu amigo F. X. de Novaes, a quem foram dirigidos os versos anteriores. Tão bom amigo e tão bello nome tinham direito de figurar neste livro. O leitor apreciará, sem duvida, a difficuldade vencida pelo poeta que me respondeu em estylo faceto, no mesmo tom e pelos mesmos consoantes.