MOTE
Empunhou cupido as setas,
Dirigiu-as a meu peito,
Obrigou-me a ser amante,
Amei, ficou satisfeito.
- GLOSA
- I
Nenhum outro mais que eu
Zombou sempre por capricho
Desse formidável bicho,
Ou gigante pigmeu.
Do ardente poder seu
escarneci às secretas;
Mas depois bispando as netas
Do mui famoso Plutarco,
Vibrando mais forte o arco
Empunhou Cupido as setas.
- II
Inda assim fugi ao queima,
Pois na verdade não quero,
Como Leandro por Hero,
Fazer outra tal toleima,
Persisti na minha teima
Com manha, cômodo e jeito;
O que vendo o tal sujeito,
Despreza as setas rombudas,
Põe no arco as mais agudas,
Dirigiu-as a meu peito.
- III
Qual outro amante mingote
Ardendo de amor na calma
Quase dei ai demo a alma
Na ponta do meu fagote.
Pôs-me logo andar de trote
Sem sossegar um instante;
E com furor incessante
Em tão terrível cuidado,
Depois de trazer-me a nado,
Obrigou-me a ser amante.
- IV
Nisto tanto se interessa,
E me faz tamanho fogo,
Que fiquei amante logo
Desde os pés té a cabeça.
Sucedeu com tanta pressa
Esta caso com efeito,
Que sem mover-se mais pleito
Que o dizer dos Rabolistas,
Me pôs no Rol dos fadistas,
Amei, ficou satisfeito.