De quem seriam os passos ouvidos no corredor, senão do Padre Sá que percebera movimentos desusados na casa, ouvira a entrada da tia Mônica e quis saber a razão de tal saída a desoras? Alguma coisa soube, quanto bastou para que no dia seguinte acordasse com a resolução feita de concluir dentro de poucas semanas o casamento da sobrinha com o sobrinho.
— Ou se a não ama, que o diga logo de uma vez, pensou o bom padre; é melhor do que fazer padecer a minha pobre Lulu.
Ao mesmo tempo, pensou que não houvera prudência da parte da sobrinha em mandar emissários atrás do primo e fazer intervir criados em coisas de tanta monta.
— É preciso repreendê-la, porque não andou em bom caminho, nem a eduquei para leviandades tais.
Isto disse o Padre Sá, mas foi só dizer, porque logo que viu a sobrinha e lhe leu no rosto todas as amarguras da noite e os sinais de longa vigília, ficou tomado de comiseração e a severidade cedeu o passo à ternura.
Preferiu repreender a tia Mônica, depois de a interrogar acerca dos sucessos da véspera. A preta negou tudo, e mostrou-se singularmente admirada com a notícia de que ela havia saído de noite; o padre, porém, soube fazê-la confessar tudo, só com lhe mostrar o mal que havia em mentir. Nem por isso ficou sabendo muito; repreendeu a preta, e foi dali escrever uma cartinha ao sobrinho.
A carta foi escrita, mas não foi mandada. Daí a meia hora, anunciava-se nada menos que a rotunda pessoa da senhora D. Emiliana, que veio até à Gamboa arrastando a sua paciência e a idade, com grande espanto do Padre Sá que nunca a vira ali; D. Emiliana pediu muitas desculpas ao padre da visita importuna que lhe fazia, pediu notícias da sua obrigação, queixou-se do calor, beijou três ou quatro vezes a face de Lulu, deitando-lhe duas figas para a livrar do quebranto, e só depois destes prólogos expôs o motivo do passo que acabava de dar.
— Não admira, padre-mestre, disse ela, não admira que eu aqui venha, porque enfim... ora, que há de ser? Coisas de rapazes...
— De rapazes?
— De rapazes e moças; ou antes, desta única moça, bonita como ela só!... Que olhos que ela tem! Dá cá outro beijo, feiticeira.
Lulu beijou a boa velha, e ficou ainda mais ansiosa que o tio por ouvir o resto da exposição. O padre fez sinal à sobrinha que se retirasse; não o consentiu D. Emiliana.
— Oh! ela pode ficar aqui! Não vou dizer nada que ela não deva ouvir.
— O que eu desejava saber antes de tudo, padre-mestre, é se tem feito alguma coisa para que o meu Pedro tome ordens.
— Bom. Tenho, decerto... E que mais?
— E se é ainda intenção casar este anjinho com o senhor Alexandre... Alexandre, creio que é o nome dele?
— Mas... não sei a que propósito...
— A propósito de que estive hoje de manhã com o futuro esposo e o futuro padre, e ambos me pediram que interviesse por eles, de maneira que não houvesse demora nem no casamento nem na entrada no seminário.
— Nenhuma demora, D. Emiliana, disse o padre; é o meu maior desejo. Acho até esquisito que, por uma coisa tão simples...
— É menos simples do que parece.
— Ah!
— Menos simples, porque eles oferecem uma condição.
— Uma condição?
— Sim, reverendíssimo; ambos estão prontos a satisfazer os seus desejos, com a condição de que os há de trocar, passando o marido a ser padre, e o padre a ser marido.
O dono da casa deu um pulo na cadeira. D. Emiliana assustou-se vendo o gesto, mas voltou logo os olhos para a moça, cujo olhar, radiante de prazer, mostrou à boa velha a excelente impressão que lhe fazia a notícia. Lulu beijou a mão de D. Emiliana, e este simples gesto revelara ao tio o estado do seu coração. O padre esteve algum tempo calado. Depois sorriu e disse:
— De maneira que tive a perspicácia de enganar-me até hoje; e ia fazer, sem consciência, um mau padre e um mau marido.
— Justamente, disse D. Emiliana.
— E cuidava ter-lhes adivinhado a vocação! Sempre lhe direi, contudo, que são dois velhaquetes os rapazes... Mas não importa; terei o padre e o esposo de Lulu, e direi a Deus como Salomão: “Duas coisas te pedi; não mas negues antes que morra!”
Não lhas negou Deus; o esposo e o padre foram exemplares; um está cônego; o outro trata de fazer o filho ministro de Estado. É possível que, a fazer as coisas como as queria o Padre Sá, não houvesse nem cônego, nem ministro.
Segredo de vocação.
Mas que tem com esta história o título que lhe pus? Tudo; são umas vinte páginas para encher tempo. Em falta de coisa melhor, lê-se isto, e dorme-se.