No album do Sr. F. V. da Cunha.


Em uma noite sonhei
Estar sentado junto a mim —
Mimoso Anjo do céo
D’azas brancas de setim —
Era fermoso — innocente,
Quando branda e docemente
De seus olhos descerrava
O ceruleo d’oiro manto
Que mostrava o seu encanto
Que d’amor extasiava.

Sobre mim poisou a face
Sua face de jasmim,
E querendo dispertar-me —
De seus labios de carmim
Ouvi com voz sonora
Que arrebata e que namora
Dizer-me, ó Santo Deus! —
Dôces palavras d’amor
Que exprimiam com fervor
Os ardentes votos seus!

Despertei, e do sonhar
A realidade senti

Não sei se era um anjo
O corpo gentil qu’eu vi:
Porém tinha o seu candor —
Era do mundo o primôr —
E se não era do céo
Porque azas não trazia
Com suave melodia
Repetia o canto seu!

Tinha nos labios candura
Nos olhos meiguice e amor —
Era lindo — como é linda
A primavera da flôr
Era puro como é pura
Na desgraça e desventura
A consoada maternal —
E ingenuo quando dizia
Que o amor qu’elle sentia
Na terra não tinha igual.

Ouvi o anjo da terra
Que p’los do céo me fallava —
Que juras d’eterno amor
Tão meigamente jurava —
Imprimi então um beijo
Que a fez córar de pejo —
Nos seus labios de coral —
E de prazer tão subido

Soltei após um gemido —
O gemido do meu mal!

Neste enleio mergulhado —
Fujamos — eu lhe bradei
Do mundo qu’insano olvida
Da natura a doce lei —
Delle audazes zombemos
E a outro mundo voemos
Onde possamos fruir —
Quer aos roncos das procellas
Quer em céo azul d’Estrellas
A vida do teu sorrir!