Perto das nove horas ou logo depois, chegou Pedro com o casal Batista e Flora.

— Vimos trazer o seu menino, disse Batista a Natividade.

— Obrigado, doutor, acudiu Santos, mas ele já não está em idade de se perder por essas ruas e, se se perder, acha-se logo, acrescentou sorrindo.

Natividade não gostou da graça, tratando-se do filho e ao pé dela. Era talvez excesso de pudor. Há muito excesso nesse sentido, e o acertado é perdoá-lo. Há também excessos contrários, condescendências fáceis, pessoas que entram com prazer na troca de alusões picantes. Também se devem perdoar. Em suma, o perdão chega ao Céu. Perdoai-vos uns aos outros, é a lei do Evangelho.

Ele, o rapaz, é que não ouvia nada; interrompeu a conversa que trazia com Flora, e trocadas algumas palavras, os dois foram reatar o fio a um canto. Aires reparou na atitude de ambos; ninguém mais lhes prestava atenção. Ao cabo, a conversa era em voz surda; não os poderiam ouvir. Ela escutava, ele falava; depois era o contrário, ela é que falava, ele é que ouvia, tão absortos que pareciam não atender a ninguém, mas atendiam. Possuíam o sexto sentido dos conspiradores e dos namorados. Que conversassem de amores, é possível; mas que conspiravam, é certo. Quanto à matéria da conspiração, podereis sabê-la depois, brevemente, daqui a um capítulo. O próprio Aires não descobriu nada, por mais que quisesse fartar os olhos naquele diálogo de mistérios. Persuadiu-se que não era grave, porque eles sorriam com freqüência; mas podia ser íntimo, escondido, pessoal, e acaso estranho. Supõe um fio de anedotas ou uma história comprida, coisa alheia; ainda assim podia ser deles semente, porque há estados da alma em que a matéria da narração é nada, o gosto de a fazer e de a ouvir é que é tudo. Também podia ser isto.

Vede, porém, como a natureza encaminha as coisas mínimas ou máximas, mormente se a fortuna a ajuda. A conversação tão doce, ao que parecia, começou por um enfado. A causa foi uma carta de Paulo, escrita ao irmão, e que este se lembrou de mostrar a Flora, dizendo-lhe que também a mostrara à mãe, e a mãe se zangara muito.

— Com o senhor?

— Com Paulo.

— Mas que dizia a carta?

Pedro leu-lhe o ponto principal, que era quase toda a carta; falava da questão militar. Já havia a "questão militar", um conflito de generais e ministros, e a linguagem de Paulo era contra os ministros.

— Mas por que é que o senhor foi mostrar essa carta a sua mãe?

— Mamãe quis saber o que é que ele me dizia.

— E sua mãe zangou-se, aí está; vai talvez repreendê-lo.

— Tanto melhor; Paulo precisa ser emendado; mas, diga-me, por que é que a senhora defende sempre a meu irmão?

— Para ter o direito de defender também ao senhor.

— Então ele já lhe tem falado mal de mim?

Flora quis dizer que sim, depois que não, afinal calou. Desconversou, perguntando por que eles se davam mal. Pedro negou que se dessem mal. Ao contrário, viviam bem. Não teriam as mesmas opiniões, e também podia ser que tivessem o mesmo gosto... Daqui a dizer que ambos a amavam era uma vírgula; Pedro pintou o ponto final. Esse astuto era também tímido. Mais tarde, compreendeu que, calando, andou melhor, e deu a si mesmo o aplauso da escolha; mas era falso, não escolhera nada. Não digo isto para fazê-lo desmerecer; sim, porque o medo acerta muitas vezes, e é mister deixar aqui esta reflexão.

Veio a zanga. Flora não replicou mais nada, e, por seu gosto, não teria jantado, a tal ponto sentia piedade do outro. Felizmente, o outro era este mesmo, aqui presente, com os olhos presentes, as mãos presentes, as palavras presentes. Não tardou que a zanga fugisse diante da graça, da brandura e da adoração. Bem-aventurados os que ficam, porque eles serão compensados.