Natividade dormiu tranqüila, em Botafogo, mas acordou pensando nos filhos e na moça de São Clemente. Viera reparando nos três. Parecera-lhe antes que Flora não aceitava um nem outro, logo depois que os aceitava a ambos, e mais tarde um e outro alternadamente. Concluiu que ainda não sentiria nada particular e decisivo; naturalmente iria com os tempos, a ver qual destes a merecia deveras. Eles é que pareciam sentir igual inclinação e igual ciúme. Daí alguma possível catástrofe. A separação não suprimiria tudo; mas, além de que, separadas as famílias, nem tudo seria presente a seus olhos, as visitas podiam ser menos freqüentes e até raras. Tinha assim o que quisera.

Ao demais, ia chegando o tempo de ir para Petrópolis; propriamente, chegara. Natividade cuidava de subir com os filhos. Sempre haveria lá no alto damas elegantes, diversões, alegria. Podia ser até que eles achassem noivas, e bastava uma para um. O que ficasse sem ela teria a liberdade de desposar Flora. Cálculos de mãe; vieram outros que os modificaram, e outros que os restauraram. Quem for mãe que lhe atire a primeira pedra.

Nenhuma outra mãe atirou a primeira pedra à nossa amiga. Quero crer que a razão disto não foi senão a própria discrição de Natividade. Suspeitas e cálculos iam ficando no coração dela. Calou tudo e esperou.

Ao cabo, Flora cada vez gostava mais de Natividade. Queria-lhe como se ela fosse sua mãe, duplamente mãe, uma vez que não escolhera ainda nenhum dos filhos. A causa podia ser que as duas índoles se ajustassem melhor que entre Flora e D. Cláudia. A princípio, sentiu não sei que inveja amiga, antes desejo, quando via que as formas da outra, embora arruinadas pelo tempo, ainda conservavam alguma linha da escultura antiga. Pouco a pouco, foi descobrindo em si mesma o intróito de uma beleza, que devia ser longa e fina, e de uma vida, que podia ser grande...

Flora conhecia a predição da cabocla do Castelo, relativamente aos dois gêmeos. A predição não era já segredo para ninguém. Santos falara dela em tempo, apenas ocultando a subida de Natividade ao Castelo; emendou a verdade, dizendo que a cabocla é que viera a Botafogo. O resto foi revelado em confiança, como ao finado Plácido, e ainda depois de alguma luta. Três ou quatro vezes investiu e recuou. Um dia, a língua deu sete voltas na boca, e o segredo saiu medroso e sussurrado, mas perdeu o medo pelo gosto de mostrar que os rapazes seriam grandes. Enfim, o segredo foi esquecendo. Mas Perpétua, por isto ou aquilo, contou-o agora à moça Batista, que a ouviu incrédula. Que podia saber a cabocla do futuro?

— Sabia, e a prova é que adivinhou outras coisas, que não posso contar e eram verdadeiras. Você não imagina como o diacho da cabocla via longe. E tinha uns olhos de espetar o coração.

— Não acredito, D. Perpétua. Pois agora o futuro da gente... E grandes como?

— Isso não disse por mais que Natividade lhe perguntasse; disse só que seriam grandes e subiriam muito. Talvez venham a ser ministros de Estado.

Perpétua parecia haver comprado os olhos à cabocla. Enfiava-os pela amiga abaixo, até o coração, que aliás não batia com força nem apressado, mas tão regular como de costume. Entretanto, não sendo impossível que os dois rapazes chegassem aos altos deste mundo, Flora deixou de objetar e aceitou a predição, sem outra palavra mais que um gesto, — sabes, creio, — um gesto de boca, fazendo descair os cantos dela, levantando os ombros levemente, e espalmando as mãos, como se dissesse: Enfim, pode ser.

Perpétua acrescentou que, mudado o regime, era natural que Paulo chegasse primeiro à grandeza, — e aqui espetou bem os olhos. Era um modo de apanhar os sentimentos de Flora, acenando-lhe com a elevação de Paulo, pois bem podia ser que viesse a amar antes o destino que a pessoa. Não achou nada. Flora continuou a não se deixar ler. Não lhe atribuas isto a cálculo, não era cálculo. Seriamente, não pensava em nada acima de si.