Tanto cresceram as opiniões de Pedro e Paulo que, um dia, chegaram a incorporar-se em alguma coisa. Iam descendo pela Rua da Carioca. Havia ali uma loja de vidraceiro, com espelhos de vário tamanho, e, mais que espelhos, também tinha retratos velhos e gravuras baratas, com e sem caixilho. Pararam alguns instantes, olhando à toa. Logo depois, Pedro viu pendurado um retrato de Luís XVI, entrou e comprou-o por oitocentos réis; era uma simples gravura atada ao mostrador por um barbante. Paulo quis ter igual fortuna, adequada às suas opiniões, e descobriu um Robespierre. Como o lojista pedisse por este mil e duzentos, Pedro exaltou-se um pouco.
— Então o senhor vende mais barato um rei, e um rei mártir?
— Há de perdoar, mas é que esta outra gravura custou-me mais caro, redargüiu o velho lojista. Nós vendemos conforme o preço da compra. Veja; está mais nova.
— Lá isso, não, acudiu Paulo. São do mesmo tempo; mas é que este vale mais que aquele.
— Ouvi dizer que também era rei...
— Qual rei! responderam os dois.
— Ou quis sê-lo, não sei bem... Que eu de histórias, apenas conheço a dos mouros que aprendi na minha terra com a avó, alguns bocados em verso. E ele ainda há mouras lindas; por exemplo, esta; apesar do nome, creio que era moura, ou ainda é, se vive... Mal lhe saiba ao marido!
Foi a um canto e trouxe um retrato de Madame de Staël, com o famoso turbante na cabeça. Ó efeito da beleza! Os rapazes esqueceram por um instante as opiniões políticas e ficaram a olhar longamente a figura de Corina. O lojista, apesar dos seus setenta anos, tinha os olhos babados. Cuidou de sublinhar as formas, a cabeça, a boca um tanto grossa, mas expressiva, e dizia que não era caro. Como nenhum quisesse comprá-la, talvez por ser só uma, disse-lhes que ainda tinha outro, mas esse era "uma pouca-vergonha", frase que os deuses lhe perdoariam, quando soubessem que ele não quis mais que abrir o apetite aos fregueses. E foi a um armário, tirou de lá, e trouxe uma Diana, nua como vivia cá embaixo, outrora, nos matos. Nem por isso a vendeu. Teve de contentar-se com os retratos políticos.
Quis ainda ver se colhia algum dinheiro, vendendo-lhes um retrato de Pedro I, encaixilhado, que pendia da parede; mas, Pedro recusou por não ter dinheiro disponível, e Paulo disse que não daria um vintém pela "cara de traidores". Antes não dissesse nada! O lojista, tão depressa lhe ouviu a resposta como despiu as formas obsequiosas, vestiu outras indignadas, e bradou que sim, senhor, que o moço tinha razão.
— Tem muita razão. Foi um traidor, mau filho, mau irmão, mau tudo. Fez todo o mal que pôde a este mundo; e no Inferno, onde está, se a religião não mente, deve ainda fazer mal ao Diabo. Este moço falou há pouco em rei mártir, — continuou mostrando-lhes um retrato de D. Miguel de Bragança, meio perfil, sobrecasaca, mão ao peito, — este é que foi um verdadeiro mártir daquele, que lhe roubou o trono, que não era seu, para dá-lo a quem não pertencia; e foi morrer à míngua o meu pobre rei e senhor, dizem que na Alemanha, ou não sei onde. Ah! malhados! Ah! filhos do Diabo! Os senhores não podem imaginar o que era aquela canalha de liberais. Liberais! Liberais do alheio!
— É tudo a mesma farinha, reflexionou Paulo.
— Eu não sei se eles eram de farinha, sei que levaram muita pancada. Venceram, mas apanharam deveras. Meu pobre rei!
Pedro quis responder ao remoque do irmão, e propôs comprar o retrato de Pedro I. Quando o lojista tornou a si, começou a negociar a venda, mas não puderam entender-se no preço; Pedro dava os mesmos oitocentos réis do outro, o lojista pedia dois mil-réis. Notava-lhe que estava encaixilhado, e Luís XVI não; além disso, era mais novo. E vinha à porta, a buscar melhor luz, chamava-lhe a atenção para o rosto, os olhos principalmente, que bela expressão que tinham! E o manto imperial...
— Que lhe custa dar dois mil-réis?
— Dou-lhe dez tostões; serve?
— Não serve. Mais que isso me custou ele.
— Pois então...
— Veja sempre. Pois isto não vale até três mil-réis? O papel não está encardido; a gravura é fina.
— Dez tostões, já disse.
— Não, senhor. Olhe, por dez tostões leve este de D. Miguel; o papel está bem conservado, e, com pouco dinheiro, manda-lhe pôr um caixilho. Vá; dez tostões.
— Se eu já estou arrependido... Dez tostões pelo imperador.
— Ah! isso não! Custou-me mil e setecentos, há três semanas; ganho uns trezentos réis, quase nada. Ganho menos com o Senhor D. Miguel, mas também concordo que é menos procurado. Este de D. Pedro I, se passar amanhã, talvez já o não ache. Vá, sim?
— Eu passo depois.
Paulo já ia andando e mirando Robespierre; Pedro alcançou-o.
— Olhe, leve por sete tostões o senhor D. Miguel.
Pedro abanou a cabeça.
— Seis tostões serve?
Pedro, ao lado do irmão, desenrolara a sua gravura. O velho lojista quis ainda bradar: "Cinco tostões!" mas iam já longe, e ficava mal negociar assim.