Tal era aquele casal de políticos. Um filho, se eles tivessem um filho varão, podia ser a fusão das suas qualidades opostas, e talvez um homem de Estado. Mas o Céu negou-lhes essa consolação dinástica.
Tinham uma filha única, que era tudo o contrário deles. Nem a paixão de D. Cláudia, nem o aspecto governamental de Batista distinguia a alma ou a figura da jovem Flora. Quem a conhecesse por esses dias, poderia compará-la a um vaso quebradiço ou à flor de uma só manhã, e teria matéria para uma doce elegia. Já então possuía os olhos grandes e claros, menos sabedores, mas dotados de um mover particular, que não era o espalhado da mãe, nem o apagado do pai, antes mavioso e pensativo, tão cheio de graça que faria amável a cara de um avarento. Põe-lhe o nariz aquilino, rasga-lhe a boca meio risonha, formando tudo um rosto comprido, alisa-lhe os cabelos ruivos, e aí tens a moça Flora.
Nasceu em agosto de 1871. A mãe, que datava por ministérios, nunca negou a idade da filha:
— Flora nasceu no Ministério Rio Branco, e foi sempre tão fácil de aprender, que já no Ministério Sinimbu sabia ler e escrever correntemente.
Era retraída e modesta, avessa a festas públicas, e dificilmente consentiu em aprender a dançar. Gostava de música, e mais do piano que do canto. Ao piano, entregue a si mesma, era capaz de não comer um dia inteiro. Há aí o seu tanto de exagerado, mas a hipérbole é deste mundo, e as orelhas da gente andam já tão entupidas que só à força de muita retórica se pode meter por elas um sopro de verdade.
Até aqui nada há que extraordinariamente distinga esta moça das outras, suas contemporâneas, desde que a modéstia vai com a graça, e em certa idade é tão natural o devaneio como a travessura. Flora, aos quinze anos, dava-lhe para se meter consigo. Aires, que a conheceu por esse tempo, em casa de Natividade, acreditava que a moça viria a ser uma inexplicável.
— Como diz? inquiriu a mãe.
— Verdadeiramente, não digo nada, emendou Aires; mas, se me permite dizer alguma coisa, direi que esta moça resume as raras prendas de sua mãe.
— Mas eu não sou inexplicável, replicou D. Cláudia sorrindo.
— Ao contrário, minha senhora. Tudo está, porém, na definição que dermos a esta palavra. Talvez não haja nenhuma certa. Suponhamos uma criatura para quem não exista perfeição na terra, e julgue que a mais bela alma não passa de um ponto de vista; se tudo muda com o ponto de vista, a perfeição...
— A perfeição é copas, insinuou Santos.
Era um convite ao voltarete. Aires não teve ânimo de aceitar, tão inquieta lhe pareceu Flora, com os olhos nele, interrogativos, curiosos de saber por que é que ela era ou viria a ser inexplicável. Além disso, preferia a conversação das mulheres. É dele esta frase do Memorial: "Na mulher, o sexo corrige a banalidade; no homem, agrava".
Não foi preciso aceitar nem recusar o convite de Santos; chegaram dois habituados do jogo, e com eles Batista, que estava na saleta próxima, Santos foi ao recreio de todas as noites. Um daqueles era o velho Plácido, doutor em espiritismo; o segundo era um corretor da praça, chamado Lopes, que amava as cartas pelas cartas, e sentia menos perder dinheiro que partidas. Lá se foram ao voltarete, enquanto Aires ficava no salão, a ouvir a um canto as damas, sem que os olhos de Flora se despegassem dele.