« Como o governo livre é aquelle em que as leis imperam, eu as fareiexecutar mui restricta e religiosamente, sejam quaes forem os clamores que possam resultar de sua pontual execução; não só porque esse é o dever do executor, como cessado o clamor dos queixosos, a nação abençoe os que cooperam para a sua prosperidade. »
(Condições, com que Diogo Antonio Feijó accceitou o ministerio da justiça em 1831.)
Entre tantos brasileiros distinctos, que legaram á posteridade o nobre exemplo de raras virtudes e de um caracter puro, avulto como uma figura proeminente o padre Diogo Antonio Feijó.
Talento quasi instinctivo, de previsão politica; coragem civica, desassombrada e invencivel, na occasião das crises supremas; dedicação cega e devotada pela causa publica; deliberação prompta e decisiva; vontade de ferro e tenacidade indomavel na execução; completa ausencia de calculos interesseiros ou de vistas individuaes nos negocios publicos; uma austeridade e simplicidade republicana de palavras o de maneiras que nos recordam os mais severos caracteres da Roma consular ou da Lacedemonia; nenhum luxo ou fausto em suas relações privadas ou publicas; probidade illibada e desinteresse nunca desmentido em todos os actos de sua vida; certa expressão de duresa e de emperramento no todo de seu caracter; sobranceria de animo e serenidade impassivel no meio das maiores adeversidadcs: eis Diogo Antonio Feijó, tal vez o vulto mais bem caracterisado de nossa historia politica.
Homem de acção, nunca hesitou diante do perigo; seu caracter, talhado para as grandes crises, ostentava-se superior uns commoções políticas; e todos o viam então, cheios de admiração, dirigir a náo do estado no meio dos elementos desencadeados.
Diogo Antonio Feijó nasceu na cidade de S. Paulo em o mez de Agosto de 1784.[1]
Nascido nos tempos coloniaes, sujeito á acompanhar em sua vida o atraso de então, privado dos recursos de uma educação litteraria regular, chegou, só por seus talentos e merecimento pessoal, á occupar o primeiro posto do imperio.
A sua mocidade nada offerece de importante.
Sua educação acompanhou o espirito da época. Do clero recebeu os primeiros principios de moral; e tendo seguido os estudos eclesiasticos, ordenou-se presbytero no anno de 1807.
Dedicou-se então á educação da mocidade na villa de Parnayba e em Campinas e Itú, ensinando gramatica latina, rhotorica, e philosophia racional e moral.
A austeridade de sou viver é attestada pelas tradicções que á seu respeito ainda se conservam n’esses lugares, onde o seu nome é repetido com veneração.
Começavam entretanto de pôr-se em movimento os acontecimentos, que deviam dar outra direcção á sua vida.
A gloriosa revolução do Porto, proclamada em 24 de agosto do 1820, havia repercutido cm todos os dominios da monarchia portugueza.
O Brasil, até então affeito ás velhas usanças do despotismo colonial, vio derepente a Europa e o mundo civilisado em face, e foi chamaclo á partilhar os fructos da revolucão.
Eleito por sua província deputado ás côrtes de Lisboa, Fejjó partio para Portugal e tomou assento no congresso na sessão de 11 de Fevereiro de 1822. Na sessão de 25 de Abril desse mesmo anno proferio um longo e animado discurso, defendendo os direitos de sua patria, ameaçados pelas côrtes.
Cegas pela ambição, as côrtes tentavam esbulhar o Brasil de suas prerogativas por meio de medidas retrogradas e impoliticas.
As ameaças e a propotencia do numero tornavam impotentes os esforços energicos dos deputados brasileiros.
Seria louca temeridade empenhar-se em um lucta vã para dar ao despotismo do numero facil victoria sobro a causa do Brasil.
Então Feijó, com mais alguns dignos companheiros, embarcaram-se furtivamente para Falmouth, onde, com data de 22 do Outubro de 1822, publicaram a formal declaração dos motivos de seu proceder [2].
Voltando d’ahi ao Brasil, Feijó retirou-se á sua província; entregando-se á vida privada em Campinas e em Itú, onde residia.
Após o lugubre episodio da dissolução da Constituinte em 1823, offerecêra o Imperador ao paiz o projecto de Constituição, que devia reger o Imperio.
As camaras municipaes, como orgãos da nação, foram chamadas á dar-lhe o voto supremo da approvação.
Uma acceitação cruasi unanime veio sanccional-a. De Itú, porém, surgio uma voz, que, em nome do povo, levou seus votos até ao throno, apresentando emendas á Constituição projectada[3].
Essa voz era a do Padre Diogo Antonio Feijó.
A primeira legislatura ordinaria (1826) e ainda a seguinte (1830) o viram em seu gremio como representante de sua provincia. Sua physionomia politica começou logo de apresentar traços severos, que caracterisam o patriota de 1831.
Foi nessa sessão notavel de 1827, que Feijó propôz a abolição do celibato clerical, dessa lei, que, na sua expressão, faz o fundo da immoralidade publica[4].
Na sessão de 1828 propôz a reforma das municipalidades.
No parlamento pertenceu sempre á essa opposição patriotica e illustrada, que combateu com vigor os erros dos ministros do primeiro reinado, erros que alienaram do governo a confiança publica e produziram esse descontentamento nacional que só desappareceu com a abdicação.
Quando rebentou na côrte a revolução de 7 de Abril, Feijó achava-se em sua provincia, e não tomou nella parte mais do que pelo impulso que davam ao espirito publico as opiniões, que nelle se conheciam[5].
Entretanto nos acontecimentos que se seguiram, tomou uma parte activa, que fel-o sobresahir a todos os grandes vultos da época.
A revolução de 7 de Abril abalára profundamente o paiz, chegando até á ameaçal-o de uma dissolução social.
O imperio estremecia até os alicerces. As cousas publicas haviam tomado um caracter atterrador; e o politico consternado antevia já paginas de sangue manchando nossa historia.
A arrogancia de uma facção desvairada, que procurava aproveitar-se das eventualidades da resolução para rasgar o seio da patria, ameaçava sorver a monarchia.
A consternação lavrava em todos os espiritos; tudo vacillava, e o imperio brasileiro parecia prestes á desmoronar-se.
Nossa situação critica e arriscada em que os espiritos se debatiam em dolorosa anxiedade, todos os olhos volveram-se para Diogo Antonio Feijó, como para a esperança suprema de salvação publica.
Nomeado ministro da justiça em 4 de Julho de 1831[6], apressou-se elle em tomar as medidas Página:Esboços biográficos.pdf/115 Página:Esboços biográficos.pdf/116 Página:Esboços biográficos.pdf/117 Página:Esboços biográficos.pdf/118 Página:Esboços biográficos.pdf/119 Página:Esboços biográficos.pdf/120 Vehementemente contrériado em suas convicções, desarrnado perante a omnnipotencia parlamentar de então da qual o governo era como uma commissão[7], inhibido de fazer appello ao paiz[8]; comprehendeu que não era o homem da situação e que a sua continuação no poder era improficua para os bens que desejava fazer ao paiz.
Então, com essa abnegação que formava o fundo de seu caracter, tomou a nobre e elevada resolução de abdicar o mando supremo, e o entregou á seus adversarios.
« Estando convencido, disso elle retirando-se do poder, de que a minha continuação na regencia não póde remover os males publicos, que cada dia se aggravam pela falta ele leis appropriadas; e não querendo por maneira alguma servir de estorvo a que algum cidadão mais feliz seja encarregado pela nação de reger seus destinos: pelo presente Página:Esboços biográficos.pdf/122 Página:Esboços biográficos.pdf/123 Página:Esboços biográficos.pdf/124 Página:Esboços biográficos.pdf/125 Página:Esboços biográficos.pdf/126 Página:Esboços biográficos.pdf/127
- ↑ Sobre Feijó veja-se a Oração Funebre do padre Pedro Gomes de Camargo á 15 de Novembro de 1813, folheto publicado em S. Paulo; e a Necrologia do senador D. A. Feijó, escripta por ***, Rio de Janeiro, 1861.
- ↑ Este manifesto, assignado em Falmouth pelos deputados Cypriano José Barata de Almeida, Francisco Agostinho Gomes, José Lino Coutinho, Antonio Manoel da Silva Bueno e Diogo Antonio Feijó, foi impresso no Correio Brasiliense de Novembro de 1822, e dahi mauscripto no periodico O Espelho (do Rio de Janeiro) n. 127 de 4 de Fevereiro de 1823.
- ↑ As emendas redigidas por Feijó e offerecidas pela camara do Itú, das quaes possuo cópia authentica, continham a idéa de eleicões dircctas, abolição de condecorações, etc.
- ↑ Em sustentação de suas idéas escreveu Feijó um opusculo com o titulo seguinte:
Demonstração da necessidade da abolição do Celibato Clerical pela assembléa geral do Brasil: e da sua verdadeira e legitima competencia nesta materia.. Pelo deputado Diogo Antonio Feijó. Rio de Janeiro, 1828, 4.º
- ↑ Historia do Brasil por J. Armitage, pag. 302.
- ↑ Eis como Evaristo, na Aurora Fluminense, narra a entrada de Feijó para o ministerio:
- ↑ Palavras do Sr. Dr. J. J . da Rocha no seu excellente opusculo Acção, Reacção e Transacção.
- ↑ Na discussão da lei de 14 de Junho de 1831 foram de opinião que se conferisse á regencia o direito de dissolver a camara temporaria, e nesse sentido votaram os deputados Paula Souza, Evaristo, Carneiro de Campos, Xavier de Carvalho, entre outros; no sentido contrario votaram, além dos mais, os deputados Alencar, Rebouças, Luiz Cavalcanti, Lino Coutinho, Martim Francisco. O principal argumento invocado para este cerceamento das attribuições da regencia foi a dissolução da Constituinte em 1823. (Veja-se o Correio da Camara dos Deputados, em 1831.)
Em 1836 Paula Souza propoz no senado, que se conferisse por lei ao regente a attribuição de dissolver a camara dos deputados: mas não passou o seu projecto.