Espumas Flutuantes (1913): diferenças entre revisões

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Linha 112:
*[[A Luís]]
*[[Dalila]]
*[[As Duas Ilhas]]
 
*[[Ao Ator Joaquim Augusto]]
<BR><b>&nbsp;</b>
*[[Os Anjos da Meia-Noite‎]]
<BR><b>&nbsp;</b>
*[[O Hóspede‎]]‎
 
*[[As Trevas‎]]
<BR><b>&nbsp;</b>
<br><b>As Duas Ilhas </b>
<BR>&nbsp;
<BR>Sobre uma página de poesia de V. Hugo
<BR>com o mesmo título
<BR>&nbsp;
<BR>Quando à noite - às horas mortas -
 
<BR>O silêncio e a solidão
<BR>-Sob o dossel do infinito-
<BR>Dormem do mar n'amplidão,
<BR>Vê-se, por cima dos mares,
<BR>Rasgando o teto dos ares
<BR>Dois gigantescos perfis...
 
<BR>Olhando por sobre as vagas,
<BR>Atentos, longínquas plagas
<BR>Ao clarear dos fuzis.
<BR>Quem os vê, olha espantado
<BR>E a sós murmura: "O que é?
<BR>Ai! que atalaias gigantes,
 
<BR>São essas além de pé?!. . ."
<BR>Adamastor de granito
<BR>Co'a testa roça o infinito
<BR>E a barba molha no mar;
<BR>E de pedra a cabeleira
<BR>Sacudind'a onda ligeira
 
<BR>Faz de medo recuar...
<BR>São-dons marcos miliários,
<BR>Que Deus nas ondas plantou.
<BR>Dons rochedos, onde o mundo
<BR>Dous Prometous amarrou!...
<BR>-Acolá. . . (Não tenhas medo!. . . )
 
<BR>E Santa Helena-o rochedo
<BR>Desse Titã, que foi rei! . . .
<BR>-Ali. .. (Não feches os olhos!. . . )
<BR>Ali... aqueles abrolhos
<BR>São a ilha de Jersey!...
<BR>São eles-os dous gigantes
 
<BR>No século de pigmeus.
<BR>São eles - que a majestade
<BR>Arrancam da mão de Deus.
<BR>-Este concentra na fronte
<BR>Mais astros-que o horizonte,
<BR>Mais luz - do que o sol lançou! . . .
 
<BR>-Aquele-na destra alçada
<BR>Traz segura sua espada
<BR>-Cometa, que ao céu roubou!...
<BR>E olham os velhos rochedos
<BR>O Sena, que dorme além...
<BR>E a França, que entre a caligem
 
<BR>Dorme em sudário também...
<BR>&nbsp;
<BR>E o mar pergunta espantado:
<BR>"Foi deveras desterrado
<BR>Buonaparte -meu irmão?..."
<BR>Diz o céu astros chorando:
 
<BR>"E Hugo?. . . " E o mundo pasmando
<BR>Diz: "Hugo. . . Napoleão! . . . "
<BR>Como vasta reticência
<BR>Se estende o silêncio após...
<BR>Es muito pequena, ó França,
<BR>P'ra conter estes heróis...
 
<BR>Sim! que estes vultos augustos
<BR>Para o leito de Procustos
<BR>Muito grandes Deus traçou...
<BR>Basta os reis tremam de medo
<BR>Se a sombra de algum rochedo
<BR>Sobre eles se projetou!...
 
<BR>Dizem que, quando, alta noite,
<BR>Dorme a terra-e vela Deus,
<BR>As duas ilhas conversam
<BR>Sem temor perante os céus.
<BR>-Jersey curva sobre os mares
<BR>À Santa Helena os pensares
 
<BR>Segreda do velho Hugo...
<BR>- E Santa Helena no entanto
<BR>No Salgueiro enxuga o pranto
<BR>E conta o que Ele falou...
<BR>E olhando o presente infame
<BR>Clamam: "Da turba vulgar
 
<BR>Nós - infinitos de pedra -
<BR>Nós havemo-los vingar! .."
<BR>E do mar sobre as escumas,
<BR>E do céu por sobre as brumas,
<BR>Um ao outro dando a mão...
<BR>Encaram a imensidade
 
<BR>Bradando: "A Posteridade!..."
<BR>Deus ri-se e diz: "Inda não!..."
<BR><b>&nbsp;</b>
<BR><b>&nbsp;</b>
<BR><b>&nbsp;</b>
<br><b>Ao Ator Joaquim Augusto </b>
<BR>&nbsp;
 
<BR>Um dia Pigmalião - o estatuário
<BR>Da oficina no tosco santuário
<BR>Pôs-se a pedra a talhar...
<BR>Surgem contornos lânguidos, amenos...
<BR>E dos flocos de mármore outra Vênus
<BR>Surge dest'outro mar.
 
<BR>De orgulho o mestre ri... A estátua é bela!
<BR>Da Grécia as filhas por inveja dela
<BR>Vão nas grutas gemer...
<BR>Mas o artista soluça: "O Grande Jove!
<BR>"Ela é bela . . . bem sei- mas não se move!
<BR>"E sombra-e não mulher!"
 
<BR>&nbsp;
<BR>Então do excelso Olimpo o deus-tonante
<BR>Manda que desça um raio fulgurante
<BR>À tenda do escultor.
<BR>Vive a estátua! Nos olhos -treme o pejo,
<BR>Vive a estátua!.. . Na boca-treme um beijo,
 
<BR>Nos seios - treme amor.
<BR>O poeta é - o moderno estatuário
<BR>Que na vigília cria solitário
<BR>Visões de seio nu!
<BR>O mármore da Grécia - é o novo drama!
<BR>Mas o raio vital quem lá derrama?...
 
<BR>É Júpiter!... És tu!...
<BR>Como Gluck nas selvas aprendia
<BR>Ao som do violoncelo a melodia
<BR>Da santa inspiração,
<BR>Assim bebes atento a voz obscura
<BR>Do vento das paixões na selva escura
 
<BR>Chamada - multidão.
<BR>Gargalhadas, suspiros, beijos, gritos,
<BR>Cantos de amor, blasfêmias de precitos
<BR>Choro ou reza infantil,
<BR>Tudo colhes... e voltas cotas mãos cheias,
<BR>-O crânio largo a transbordar de idéias
 
<BR>E de criações mil.
<BR>Então começa a luta, a luta enorme,
<BR>Desta matéria tosca, áspera, informe,
<BR>Que na praça apanhou.
<BR>Teu gênio vai forjar novo tesouro...
<BR>O cobre escuro vai mudar-se em ouro,
 
<BR>Como Fausto o sonhou!
<BR>Glória ao Mestre! Passando por seus dedos
<BR>Dói mais a dor... os risos são mais ledos...
<BR>O amor é mais do céu...
<BR>Rebenta o ouro desta fronte acesa!
<BR>O artista corrigiu a natureza! O alquimista venceu!
 
 
<BR>Então surges, Ator! e do proscênio
<BR>Atiras as moedas do teu gênio
<BR>As pasmas multidões.
<BR>Pródigo enorme! a tua enorme esmola
<BR>Cunhada pela efígie tua rola
<BR>Nos nossos corações.
 
<BR>Por isso agora, no teu almo dia,
<BR>Vieram dando as mãos a Poesia
<BR>E o povo, bem o vês;
<BR>Como nos tempos dessa Roma antiga
<BR>Aos pos desse outro Augusto a plebe amiga
<BR>Atirava lauréis...
 
<BR>&nbsp;
<BR>Augusto! E o nome teu não se desmente...
<BR>O diadema real na vasta frente
<BR>Cinges... eu bem o sei!
<BR>Mandas no povo deste novo Lácio...
<BR>E os poetas repetem como Horácio:
 
<BR>"Salve! Augusto! Rei!"
<BR><b>&nbsp;</b>
<BR><b>&nbsp;</b>
<BR><b>&nbsp;</b>
<br><b>Os Anjos da Meia-Noite </b>
<BR>&nbsp;
<BR>Fotografias
 
<BR><b>&nbsp;</b>
<BR><b>I
</b>
<BR>&nbsp;
<BR>Quando a insônia, qual lívido vampiro,
<BR>Como o arcanjo da guarda do
Sepulcro,
<BR>Vela à noite por nós,
<BR>E banha-se em suor o travesseiro
 
 
<BR>E além geme nas franças do
pinheiro
<BR>Da brisa a longa voz...
<BR>Quando sangrenta a luz no alampadário
<BR>Estala, cresce, expira, após ressurge,
<BR>Como uma alma a penar;
<BR>E canta aos guizos rubros da loucura
 
<BR>A febre- a meretriz da sepultura -
<BR>A rir e a soluçar...
<BR>Quando tudo vacila e se evapora,
<BR>Muda e se anima, vive e se transforma,
<BR>Cambaleia e se esvai...
<BR>E da sala na mágica penumbra
 
<BR>Um mundo em trevas rápido se obumbra...
<BR>E outro das trevas sai...
<BR>Então... nos brancos mantos, que arregaçam
<BR>Da meia-noite os Anjos alvos passam
<BR>Em longa procissão!
<BR>E eu murmuro ao fitá-los assombrado:
 
<BR>São os Anjos de amor de meu passado
<BR>Que desfilando vão...
<BR>Almas, que um dia no meu peito ardente
<BR>Derramastes dos sonhos a semente,
<BR>Mulheres, que eu amei!
<BR>Anjos louras do céu! virgens serenas!
 
<BR>Madonas, Querubins ou Madalenas!
<BR>Surgi! aparecei!
<BR>Vinde, fantasmas! Eu vos amo ainda;
<BR>Acorde-se a harmonia à noite infinda
<BR>Ao roto bandolim...
<BR>E no éter, que em notas se perfuma,
 
<BR>As visões s'alteando uma por uma,
<BR>Vão desfilando assim!...
<BR><b>&nbsp;</b>
<BR><b>&nbsp;</b>
<BR><b>&nbsp;</b>
<br><b>1ª Sombra </b>
<BR>&nbsp;
 
<BR>Marieta
<BR>&nbsp;
<BR>Como o gênio da noite, que desata
<BR>O véu de rendas sobre a espádua nua,
<BR>Ela solta os cabelos... Bate a lua
<BR>Nas alvas dobras de um lençol de prata...
 
<BR>O seio virginal, que a mão recata,
<BR>Embalde o prende a mão... cresce, flutua...
<BR>Sonha a moça ao relento... Além na rua
<BR>Preludia um violão na serenata! . . .
<BR>. . . Furtivos passos morrem no lajedo. . .
<BR>Resvala a escada do balcão discreta
 
<BR>Matam lábios os beijos em segredo...
<BR>Afoga-me os suspiros, Marieta!
<BR>Ó surpresa! ó palor! ó pranto! ó medo!
<BR>Ai! noites de Romeu e Julieta!...
<BR><b>&nbsp;</b>
<BR><b>&nbsp;</b>
<BR><b>&nbsp;</b>
 
<br><b>2.a Sombra </b>
<BR>&nbsp;
<BR>Bárbora
<BR>&nbsp;
<BR>Erguendo o cálix, que o Xerez perfuma,
<BR>Loura a trança alastrando-lhe os joelhos,
<BR>Dentes níveos em lábios tão vermelhos,
 
<BR>Como boiando em purpurina escuma;
<BR>Um dorso de Valquíria... alvo de bruma,
<BR>Pequenos pés sob infantis artelhos,
<BR>Olhos vivos, tão vivos como espelhos
<BR>Mas como eles também sem chama alguma;
<BR>Garganta de um palor alabastrino,
 
<BR>Que harmonias e músicas respira...
<BR>No lábio-um beijo... -no beijar-um hino;
<BR>Harpa eólia a esperar que o vento a fira,
<BR>-Um pedaço de mármore divino...
<BR>-É o retrato de Bárbora-a Hetaíra.-
<BR><b>&nbsp;</b>
 
<BR><b>&nbsp;</b>
<BR><b>&nbsp;</b>
<br><b>3.a Sombra </b>
<BR>&nbsp;
<BR>Ester
<BR>&nbsp;
<BR>Vem! no teu peito cálido e brilhante
 
<BR>O nardo oriental melhor transpira!...
<BR>Enrola-te na longa cachemira,
<BR>Como as Judias moles do Levante.
<BR>Alva a clâmide aos ventos-roçagante...
<BR>Túmido o lábio. onde o saltério gira...
<BR>Ó musa de Israel! pega da lira...
 
<BR>Canta os martírios de teu povo errante!
<BR>&nbsp;
<BR>Mas não... brisa da pátria além revoa,
<BR>E, ao delamber-lhe o braço de alabastro,
<BR>Falou-lhe de partir... e parte... e voa...
<BR>Qual nas algas marinhas desce um astro...
 
<BR>Linda Ester! teu perfil se esvai... s'escoa...
<BR>Só me resta um perfume... um canto... um rastro...
 
<BR><b>&nbsp;</b>
<BR><b>&nbsp;</b>
<BR><b>&nbsp;</b>
<br><b>4.ª Sombra </b>
<BR>&nbsp;
 
<BR>Fabíola
<BR>&nbsp;
<BR>Como teu riso dói... como na treva
<BR>Os lêmures respondem no infinito:
<BR>Tens o aspecto do pássaro maldito,
<BR>Que em sânie de cadáveres se ceva!
 
<BR>Filha da noite! A ventania leva
<BR>Um soluço de amor pungente, aflito...
<BR>Fabíola! É teu nome!... Escuta... é um grito,
<BR>Que lacerante para os céus s'eleva!...
<BR>E tu folgas, Bacante dos amores,
<BR>E a orgia, que a mantilha te arregaça,
 
<BR>Enche a noite de horror, de mais horrores...
<BR>É sangue, que referve-te na taça!
<BR>É sangue, que borrifa-te estas flores!
<BR>E este sangue é meu sangue... é meu... Desgraça!
<BR><b>&nbsp;</b>
<BR><b>&nbsp;</b>
<BR><b>&nbsp;</b>
 
<br><b>5.ª E 6.ª Sombras </b>
<BR>&nbsp;
<BR>Cândida e Laura
<BR>&nbsp;
<BR>Como no tanque de um palácio mago
<BR>Dois alvos cisnes na bacia lisa,
<BR>Como nas águas, que o barqueiro frisa,
 
<BR>Dois nenufares sobre o azul do lago,
<BR>Como nas hastes em balouço vago
<BR>Dois lírios roxas, que acalenta a brisa,
<BR>Como um casal de juritis, que pisa
<BR>O mesmo ramo no amoroso afago...
<BR>Quais dois planetas na cerúlea esfera,
 
<BR>Como os primeiros pâmpanos das vinhas,
<BR>Como os renovos nos ramais da hera,
<BR>Eu vos vejo passar nas noites minhas,
<BR>Crianças, que trazeis-me a primavera...
<BR>Crianças, que lembrais-me as andorinhas!...
<BR><b>&nbsp;</b>
 
<BR><b>&nbsp;</b>
<BR><b>&nbsp;</b>
<br><b>7.ª Sombra </b>
<BR>&nbsp;
<BR>Dulce
<BR>&nbsp;
<BR>Se houvesse ainda talismã bendito
 
<BR>Que desse ao pântano-a corrente pura,
<BR>Musgo-ao rochedo, festa-à sepultura,
<BR>Das águias negras - harmonia ao grito...
<BR>Se alguém pudesse ao infeliz precito
<BR>Dar lugar no banquete da ventura...
<BR>E trocar-lhe o velar da insônia escura
 
<BR>No poema dos beijos - infinito...
<BR>Certo... serias tu, donzela casta
<BR>Quem me tomasse em meio do Calvário
<BR>A cruz de angústia, que o meu ser arrasta!...
<BR>Mas se tudo recusa-me o fadário,
<BR>Na hora de expirar, ó Dulce, basta
 
<BR>Morrer beijando a cruz de teu rosário!...
<BR><b>&nbsp;</b>
<BR><b>&nbsp;</b>
<BR><b>&nbsp;</b>
<br><b>8.ª Sombra </b>
<BR>&nbsp;
<BR>Último fantasma
 
<BR>&nbsp;
<BR>Quem és tu, quem és tu, vulto gracioso,
<BR>Que te elevas da noite na orvalhada?
<BR>Tens a face nas sombras mergulhada...
<BR>Sobre as névoas te libras vaporoso...
<BR>Baixas do céu num vôo harmonioso!...
 
<BR>Quem és tu, bela e branca desposada?
<BR>Da laranjeira em flor a flor nevada
<BR>Cerca-te a fronte, 6 ser misterioso!...
<BR>Onde nos vimos nós?... Es doutra esfera?
<BR>És o ser que eu busquei do sul ao norte...
<BR>Por quem meu peito em sonhos desespera?...
 
<BR>Quem és tu? Quem és tu?-Es minha sorte!
<BR>És talvez o ideal que est'alma espera!
<BR>És a glória talvez! Talvez a morte!...
<BR><b>&nbsp;</b>
<BR><b>&nbsp;</b>
<BR><b>&nbsp;</b>
<br><b>O Hóspede </b>
 
<BR>&nbsp;
<BR>Choro por ver que os dias passam breves
<BR>E te esqueces de mim quando tu fores
<BR>Como as brisas que passam doudas, leves,
<BR>E não tornam atrás a ver as flores.
<BR>TEÓFILO BRAGA
 
<BR>&nbsp;
<BR>Onde vais estrangeiro! Por que deixas
<BR>O solitário albergue do deserto?
<BR>O que buscas além dos horizontes?
<BR>Por que transpor o píncaro dos montes,
<BR>Quando podes achar o amor tão perto?...
 
<BR>&nbsp;
<BR>"Pálido moço! Um dia tu chegaste
<BR>De outros climas, de terras bem distantes...
<BR>Era noite!... A tormenta além rugia...
<BR>Nos abetos da serra a ventania
<BR>Tinha gemidos longos, delirantes.
 
<BR>"Uma buzina restrugiu no vale
<BR>Junto aos barrancos onde geme o rio...
<BR>De teu cavalo o galopar soava,
<BR>E teu cão ululando replicava
<BR>Aos surdos roncos do trovão bravio.
<BR>"Entraste! A loura chama do brasido
 
<BR>Lambia um velho cedro crepitante,
<BR>Eras tão triste ao lume da fogueira...
<BR>Que eu derramei a lágrima primeira
<BR>Quando enxuguei teu manto gotejante!
<BR>"Onde vais, estrangeiro? Por que deixas
<BR>Esta infeliz, misérrima cabana?
 
<BR>Inda as aves te afagam do arvoredo...
<BR>Se quiseres... as flores do silvedo
<BR>Verás inda nas tranças da serrana.
<BR>"Queres voltar a este país maldito
<BR>Onde a alegria e o riso te deixaram?
<BR>Eu não sei tua história... mas que importa?...
 
<BR>...Bóia em teus olhos a esperança morta
<BR>Que as mulheres de lá te apunhalaram.
<BR>"Não partas, não! Aqui todos te querem!
<BR>Minhas aves amigas te conhecem.
<BR>Quando à tardinha volves da colina
<BR>Sem receio da longa carabina
 
<BR>De lajedo em lajedo as corças descem!
<BR>"Teu cavalo nitrindo na savana
<BR>Lambe as úmidas gramas em meus dedos,
<BR>Quando a fanfarra tocas na montanha,
<BR>A matilha dos ecos te acompanha
<BR>Ladrando pela ponta dos penedos.
 
<BR>"Onde vais, belo moço? Se partires
<BR>Quem será teu amigo, irmão e pajem?
<BR>E quando a negra insônia te devora,
<BR>Quem, na guitarra que suspira e chora,
<BR>Há de cantar-te seu amor selvagem?
<BR>"A choça do desterro é nua e frial
 
<BR>O caminho do exílio é só de abrolhosl
<BR>Que família melhor que meus desvelos?...
<BR>Que tenda mais sutil que meus cabelos
<BR>Estrelados no pranto de teus olhos?...
<BR>"Estranho moço! Eu vejo em tua fronte
<BR>Esta amargura atroz que não tem cura.
 
<BR>&nbsp;
<BR>Acaso fulge ao sol de outros países,
<BR>Por entre as balças de cheirosos lises,
<BR>A esposa que tua alma assim procura?
<BR>"Talvez tenhas além servos e amantes,
<BR>Um palácio em lugar de uma choupana,
 
<BR>E aqui só tens uma guitarra e um beija,
<BR>E o fogo ardente de ideal desejo
<BR>Nos seios virgens da infeliz serrana!..."
<BR>No entanto Ele partiu!... Seu volto ao longe
<BR>Escondeu-se onde a vista não alcança...
<BR>. . . Mas não penseis que o triste forasteiro
 
<BR>Foi procurar nos lares do estrangeiro
<BR>O fantasma sequer de uma esperança!...
<BR><b>&nbsp;</b>
<BR><b>&nbsp;</b>
<BR><b>&nbsp;</b>
<br><b>As Trevas </b>
<BR>&nbsp;
 
<BR>(Traduzido de LORD BYROM)
<BR>&nbsp;
<BR>A meu amigo, o DR. FRANCO MEIRELES, inspirado tradutor
das "Melodias Hebraicas".
<BR>&nbsp;
<BR>Tive um sonho que em tudo não foi sonho! . .
<BR>O sol brilhante se apagava: e os astros,
<BR>Do eterno espaço na penumbra escura,
 
<BR>Sem raios, e sem trilhos, vagueavam.
<BR>A terra fria balouçava cega
<BR>E tétrica no espaço ermo de lua.
<BR>A manhã ia, vinha... e regressava...
<BR>Mas não trazia o dia! Os homens pasmos
<BR>Esqueciam no horror dessas ruínas
 
<BR>Suas paixões: E as almas conglobadas
<BR>Gelavam-se num grito de egoísmo
<BR>Que demandava "luz". Junto às fogueiras
<BR>Abrigavam-se... e os tronos e os palácios,
<BR>Os palácios dos reis, o albergue e a choça
<BR>Ardiam por fanais. Tinham nas chamas
 
<BR>As cidades morrido. Em torno às brasas
<BR>Dos seus lares os homens se grupavam,
<BR>P'ra à vez extrema se fitarem juntos.
<BR>Feliz de quem vivia junto às lavas
<BR>Dos vulcões sob a tocha alcantilada!
<BR>Hórrida esp'rança acalentava o mundo!
 
<BR>As florestas ardiam!... de hora em hora
<BR>Caindo se apagavam; creditando,
<BR>Lascado o tronco desabava em cinzas.
<BR>E tudo... tudo as trevas envolviam.
<BR>As frontes ao clarão da luz doente
<BR>Tinham do inferno o aspecto... quando às vezes
 
<BR>As faíscas das chamas borrifavam-nas.
<BR>Uns, de bruços no chão, tapando os olhos
<BR>Choravam. Sobre as mãos cruzadas - outros -
<BR>Firmando a barba, desvairados riam.
<BR>Outros correndo à toa procuravam
<BR>&nbsp;
 
<BR>O ardente pasto p'ra funéreas piras.
<BR>Inquietos, no esgar do desvario,
<BR>Os olhos levantavam p'ra o céu torvo,
<BR>Vasto sudário do universo -- espectro -,
<BR>E após em terra se atirando em raivas,
<BR>Rangendo os dentes, blásfemos, uivavam!
 
<BR>Lúgubre grito os pássaros selvagens
<BR>Soltavam, revoando espavoridos
<BR>Num voo tonto co'as inúteis asas!
<BR>As feras 'stavam mansas e medrosas!
<BR>As víboras rojando s'enroscavam
<BR>Pelos membros dos homens, sibilantes,
 
<BR>Mas sem veneno . . . a fome Ihes matavam!
<BR>E a guerra, que um momento s'extinguira,
<BR>De novo se fartava. Só com sangue
<BR>Comprava-se o alimento, e após à parte
<BR>Cada um se sentava taciturno,
<BR>P'ra fartar-se nas trevas infinitas!
 
<BR>Já não havia amor!... O mundo inteiro
<BR>Era um só pensamento, e o pensamento
<BR>Era a morte sem glória e sem detença!
<BR>O estertor da fome apascentava-se
<BR>Nas entranhas... Ossada ou carne pútrida
<BR>Ressupino, insepulto era o cadáver.
 
<BR>Mordiam-se entre si os moribundos:
<BR>Mesmo os cães se atiravam sobre os donos,
<BR>Todos exceto um só... que defendia
<BR>O cadáver do seu, contra os ataques
<BR>Dos pássaros, das feras e dos homens,
<BR>Até que a fome os extinguisse, ou fossem
 
<BR>Os dentes frouxos saciar algures!
<BR>Ele mesmo alimento não buscava...
<BR>Mas, gemendo num uivo longo e triste,
<BR>Morreu lambendo a mão, que inanimada
<BR>Já não podia lhe pagar o afeto.
<BR>Faminta a multidão morrera aos poucos.
 
<BR>Escaparam dous homens tão-somente
<BR>De uma grande cidade. E se odiavam. . . .
<BR>Foi junto dos lições quase apagados
<BR>De um altar, sobre o qual se amontoaram
<BR>Sacros objetos p'ra um profano uso,
<BR>Que encontraram-se os dous... e, as cinzas mornas
 
<BR>Reunindo nas mãos frias de espectros,
<BR>De seus sopros exaustos ao bafejo
<BR>Uma chama irrisória produziram!...
<BR>Ao clarão que tremia sobre as cinzas
<BR>Olharam-se e morreram dando um grito.
<BR>Mesmo da própria hediondez morreram,
 
<BR>Desconhecendo aquele em cuja fronte
<BR>Traçara a fome o nome de Duende!
<BR>O mundo fez-se um vácuo. A terra esplêndida,
<BR>&nbsp;
<BR>Populosa tornou-se numa massa
<BR>Sem estações, sem árvores, sem erva.
 
<BR>Sem verdura, sem homens e sem vida,
<BR>Caos de morte, inanimada argila!
<BR>Calaram-se o Oceano, o rio, os lagos!
<BR>Nada turbava a solidão profunda!
<BR>Os navios no mar apodreciam
<BR>Sem marujos! os mastros desabando
 
<BR>Dormiam sobre o abismo, sem que ao menos
<BR>Uma vaga na queda alevantassem,
<BR>Tinham morrido as vagas! e jaziam
<BR>As marés no seu túmulo... antes dela
<BR>A lua que as guiava era já morta!
<BR>No estagnado céu murchara o vento;
 
<BR>Esvaíram-se as nuvens. E nas trevas
<BR>Era só trevas o universo inteiro.
<BR><b>&nbsp;</b>
<BR><b>&nbsp;</b>