Espumas Flutuantes (1913): diferenças entre revisões

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*[[As Duas Ilhas]]
*[[Ao Ator Joaquim Augusto]]
*[[Os Anjos da Meia-Noite‎Noite]]
*[[O Hóspede‎Hóspede]]‎
*[[As Trevas‎]]
*[[Aves da Arribação]]
<BR><b>&nbsp;</b>
*[[Os Perfumes]]
<BR><b>&nbsp;</b>
*[[Immensis Orbitus Anguis]]
<BR><b>&nbsp;</b>
*[[A Uma Atriz]]
<br><b>Aves da Arribação </b>
*[[Canção do Boêmio]]
<br>&nbsp;
*[[É Tarde]]
 
<br>Pensava em ti nas horas de
tristeza,
<br>Quando estes versos pálidos
compus
<br>Cercavam-me planícies sem beleza
 
<BR>Pesava-me na fronte um céu sem luz.
<br>Ergue este ramo solto no caminho.
 
<br>Sei que em teu seio asilo encontrará.
 
 
<br>Só tu conheces o secreto espinho
 
<BR>Que dentro d'alma me pungindo está.
<BR>FAGUNDES VARELA
<br>Aves, é primavera! à rosa!
à rosa!
<BR>TOMÁS RIBEIRO
<BR><b>&nbsp;</b>
 
<BR><b>I
</b>
<BR>&nbsp;
<BR>Era o tempo em que as ágeis andorinhas
<BR>Consultam-se na beira dos telhados,
<BR>E inquietas conversam, perscrutando
<BR>Os pardos horizontes carregados...
 
<BR>Em que as rolas e os verdes periquitos
<BR>Do fundo do sertão descem cantando...
<BR>Em que a tribo das aves peregrinas
<BR>Os Zíngaros do céu formam-se em bando!
<BR>Viajar! viajar! A brisa morna
<BR>Traz de outro clima os cheiros provocantes.
 
<BR>A primavera desafia as asas,
<BR>Voam os passarinhos e os amantes!...
<BR><b>&nbsp;</b>
<BR><b>II
</b>
<BR>&nbsp;
<BR>Um dia Eles chegaram. Sobre a estrada
<BR>Abriram à tardinha as persianas;
 
<BR>E mais festiva a habitação sorria
<BR>Sob os festões das trêmulas lianas.
<BR>Quem eram? Donde vinham?-Pouco importa
<BR>Quem fossem da casinha os -
<BR>São noivos -: as mulheres murmuravam!
<BR>E os pássaros diziam: -São amantes -!
 
<BR>Eram vozes-que uniam-se cotas brisas!
<BR>Eram risos-que abriam-se cotas flores!
<BR>Eram mais dois clarões -na primavera!
<BR>Na festa universal-mais dous amores!
<BR>Astros! Falai daqueles olhos brandos.
<BR>Trepadeiras! Falai-lhe dos cabelos!
 
<BR>Ninhos d'aves! dizei, naquele seio,
<BR>Como era doce um pipilar d'anelos.
<BR>Sei que ali se ocultava a mocidade...
<BR>Que o idílio cantava noite e dia...
<BR>E a casa branca à beira do caminho
<BR>Era o asilo do amor e da poesia.
 
<BR>Quando a noite enrolava os descampados,
<BR>O monte, a selva, a choça do serrano,
<BR>Ouviam-se, alongando à paz dos ermos,
<BR>Os sons doces, plangentes de um piano.
<BR>Depois suave, plena, harmoniosa
<BR>Uma voz de mulher se alevantava...
 
<BR>E o pássaro inclinava-se das ramas
<BR>E a estrela do infinito se inclinava.
<BR>E a voz cantava o tremolo medroso
<BR>De uma ideal sentida barcarola...
<BR>Ou nos ombros da noite desfolhava
<BR>As notas petulantes da Espanhola!
 
<BR><b>&nbsp;</b>
<BR><b>III
</b>
<BR>&nbsp;
<BR>As vezes, quando o sol nas matas virgens
<BR>A fogueira das tardes acendia,
<BR>E como a ave ferida ensanguentava
<BR>Os píncaros da longa serrania,
 
<BR>Um grupo destacava-se amoroso,
<BR>Tendo por tela a opala do infinito,
<BR>Dupla estátua do amor e mocidade
<BR>Num pedestal de musgos e granito.
<BR>E embaixo o vale a descantar saudoso
<BR>Na cantiga das moças lavadeiras!...
 
<BR>E o riacho a sonhar nas canas bravas.
<BR>E o vento a s'embalar nas trepadeiras.
<BR>O crepúsculos mortos! Voz dos ermos!
<BR>&nbsp;
<BR>Montes azuis! Sussurros da floresta!
<BR>Quando mais vós tereis tantos afetos
 
<BR>Vicejando convosco em vossa festa?...
<BR>E o sol poente inda lançava um raio
<BR>Do caçador na longa carabina...
<BR>E sobre a fronte d'Ela por diadema
<BR>Nascia ao longe a estrela vespertina.
<BR><b>&nbsp;</b>
 
<BR><b>IV
</b>
<BR>&nbsp;
<BR>É noite! Treme a lâmpada medrosa
<BR>Velando a longa noite do poeta...
<BR>Além, sob as cortinas transparentes
<BR>Ela dorme... formosa Julieta!
<BR>
<BR>Entram pela janela quase aberta
<BR>Da meia-noite os preguiçosos ventos
<BR>E a lua beija o seio alvinitente --
<BR>Flor que abrira das noites aos relentos.
<BR>O Poeta trabalha!... A fronte pálida
<BR>Guarda talvez fatídica tristeza...
<BR>
<BR>Que importa? A inspiração lhe acende o verso
<BR>Tendo por musa - o amor e a natureza!
<BR>E como o cáctus desabrocha a medo
<BR>Das noites tropicais na mansa calma,
<BR>A estrofe entreabre a pétala mimosa
<BR>Perfumada da essência de sua alma.
<BR>
<BR>No entanto Ela desperta... num sorriso
<BR>Ensaia um beijo que perfuma a brisa...
<BR>. . . A Casta-diva apaga-se nos montes . . .
<BR>Luar de amor! acorda-te, Adalgisa!
<BR><b>&nbsp;</b>
<BR><b>V
</b>
<BR>
<BR>&nbsp;
<BR>Hoje a casinha já não abre à tarde
<BR>Sobre a estrada as alegres persianas.
<BR>Os ninhos desabaram... no abandono
<BR>Murcharam-se as grinaldas de lianas.
<BR>Que é feito do viver daqueles tempos?
<BR>
<BR>Onde estão da casinha os habitantes?
<BR>. . . A Primavera, que arrebata as asas. . .
<BR>Levou-lhe os passarinhos e os amantes!...
<BR><b>&nbsp;</b>
<BR><b>&nbsp;</b>
<BR><b>&nbsp;</b>
<br><b>Os Perfumes </b>
<BR>
<BR>&nbsp;
<BR>A. L.
<br>&nbsp;
<br>O sândalo é o perfume das mulheres
de
<br>Estambul, e das huris do profeta;
como as borboletas,
<br>que se alimentam do mel, a
mulher do
<br>Oriente vive com as gatas dessa
essência divina.
<BR>
<BR>J DE ALENCAR
<BR>&nbsp;
<BR>O perfume o invólucro invisível,
<BR>Que encerra as formas da mulher bonita.
<BR>Bem como a salamandra em chamas vive,
<BR>Entre perfumes a sultana habita
<BR>
<BR>Escrínio aveludado onde se guarda
<BR>-Colar de pedras - a beleza esquiva,
<BR>Espécie de crisálida, onde mora
<BR>A borboleta dos salões - a Diva.
<BR>Alma das flores- quando as flores morrem,
<BR>Os perfumes emigram para as belas,
<BR>
<BR>Trocam lábios de virgens-por boninas,
<BR>Trocam lírios - por seios de donzelas!
<BR>E ali - silfos travessos, traiçoeiros
<BR>Voam cantando em lânguido compasso
<BR>Ocultos nesses cálices macios
<BR>Das covinhas de um rosto ou dum regaço
<BR>
<BR>Vós, que não entendeis a lenda oculta,
<BR>A linguagem mimosa dos aromas,
<BR>De Madalena a urna olhais apenas
<BR>Como um primor de orientais redomas;
<BR>E não vedes que ali na mirra e nardo
<BR>Vai toda a crença da Judia loura...
<BR>
<BR>E que o óleo, que lava os pés do Crista,
<BR>É uma reza também da pecadora.
<BR>Por mim eu sei que há confidências ternas,
<BR>Um poema saudoso, angustiado
<BR>Se uma rosa de há muito emurchecida
<BR>Rola acaso de um livro abandonado.
<BR>
<BR>O espírito talvez dos tempos idos
<BR>Desperta ali como invisível nume...
<BR>E o poeta murmura suspirando:
<BR>"Bem me lembro... era este o seu perfume!"
<BR>
<BR>E que segredo não revela acaso
<BR>De uma mulher a predileta essência?
<BR>
<BR>Ora o cheiro é lascivo e provocante!
<BR>Ora casto, infantil, como a inocência!
<BR>Ora propala os sensuais anseios
<BR>D'alcova de Ninon ou Margarida,
<BR>Ora o mistério divinal do leito,
<BR>Onde sonha Cecília adormecida.
 
<BR>Aqui, na magnólia de Celuta
<BR>&nbsp;
<BR>Lambe a solta madeixa, que se estira.
<BR>Unge o bronze do dorso da cabocla,
<BR>E o mármore do corpo da Hetaíra.
<BR>É que o perfume denuncia o espírito
<BR>
<BR>Que sob as formas feminis palpita...
<BR>Pois como a salamandra em chamas vive,
<BR>Entre perfumes a mulher habita.
<BR><b>&nbsp;</b>
<BR><b>&nbsp;</b>
<BR><b>&nbsp;</b>
<br><b>Immensis Orbitus Anguis </b>
<BR>
<BR>&nbsp;
<BR>Sibila lambebant linguis vibranlibas ora.
<BR>VIRGÍLIO
<BR>&nbsp;
<BR>Resvala em fogo o sol dos montes sobre a espalda,
<BR>E lustra o dorso nu da índia americana...
<BR>Na selva zumbe entanto o inseto de esmeralda,
<BR>
<BR>E pousa o colibri nas flores da liana.
<BR>Ali - a luz cruel, a calmaria intensa!
<BR>Aqui - a sombra, a paz, os ventos, a cascata...
<BR>E a pluma dos bambus a tremular imensa...
<BR>E o canto de aves mil... e a solidão... e a mata...
<BR>
<BR>E à hora em que, fugindo aos raios da esplanada,
<BR>
<BR>A Indígena, a gentil matrona do deserto
<BR>Amarra aos palmeirais a rede mosqueada,
<BR>Que, leve como um berço, embala o vento incerto...
<BR>
<BR>Então ela abandona-lhe ao beijo apaixonado
<BR>A perna a n ais formosa-o corpo o mais macio,
<BR>E, as pálpebras cerrando, ao filho bronzeado
<BR>
<BR>Entrega um seio nu, moreno, luzidio.
<BR>Porém, dentre os espatos esguios do coqueiro,
<BR>Do verde gravata nos cachos reluzentes,
<BR>Enrosca-se e desliza um corpo sorrateiro
<BR>E desce devagar pelos cipós pendentes.
<BR>E desce... e desce mais... à rede já se chega...
<BR>
<BR>Da índia nos cabelos a longa cauda some...
<BR>Horror! aquele horror ao peito eis que se apega!
<BR>A baba - quer o leite! - A chaga - sente fome!
<BR>O veneno-quer mel! A escama quer a pele!
<BR>Quer o almíscar-perfume!-O imundo quer-o belo!
<BR>A língua do reptil-lambendo o seio imbele!...
<BR>
<BR>Uma cobra-por filho... Horrível pesadelo!...
<BR>&nbsp;
<BR><b>II</b>
<BR>&nbsp;
<BR>Assim, minh'alma, assim um dia adormeceste
<BR>Na floresta ideal da ardente mocidade...
<BR>Abria a fantasia- a pétala celeste...
<BR>
<BR>Zumbia o sonho d'ouro em doce obscuridade...
<BR>&nbsp;
<BR>Assim, minh'alma deste o seio (ó dor imensa!)
<BR>Onde a paixão corria indômita e fremente!
<BR>Assim bebeu-te a vida, a mocidade e a crença,
<BR>Não boca de mulher... mas de fatal serpente!...
<BR>
<BR><b>&nbsp;</b>
<BR><b>&nbsp;</b>
<BR><b>&nbsp;</b>
<br><b>A Uma Atriz </b>
<BR>&nbsp;
<BR>(NO SEU BENEFÍCIO)
<BR>&nbsp;
<BR>Branco cisne que vagavas
<BR>
<BR>Das harmonias no mar,
<BR>Pomba errante de outros climas.
<BR>Vieste aos cerros pousar.
<BR>Inda bem. Sob os palmares
<BR>Na voz do condor, dos mares,
<BR>Das serranias, dos céus...
<BR>
<BR>Sente o homem - que é poeta.
<BR>Sente o vate - que é profeta
<BR>Sente o profeta - que é Deus.
<BR>Há alguma cousa de grande
<BR>Deste mundo na amplidão,
<BR>Como que a face do Eterno
<BR>
<BR>Palpita na criação...
<BR>E o homem que olha o deserto,
<BR>Diz consigo: 'Deus 'stá perto
<BR>Que a grandeza é o Criador".
<BR>E, sob as paternas vistas,
<BR>Larga rédeas às conquistas
<BR>
<BR>Pede as asas ao condor.
<BR>Inda bem. A glória é isto...
<BR>É ser tudo... é ser qual Deus...
<BR>Agitar as selvas d'alma
<BR>Ao sopro dos lábios teus...
<BR>Dizer ao peito - suspira!
<BR>
<BR>Dizer à mente - delira!
<BR>A glória inda é mais:
<BR>É ver Homens, que tremem -se tremes!
<BR>Homens, que gemem -se gemes!
<BR>Que morrem-se vais morrer!
<BR>A glória é ter com o tridente
<BR>
<BR>Refreada a multidão,
<BR>-Oceano de pensamentos
<BR>Que tu agitas cota mão!
<BR>-Montanha feita de idéias,
<BR>Que sustenta as epopéias
<BR>Que é do gênio pedestal!
<BR>
<BR>-Harpa imensa feita de almas,
<BR>Que rompe em hinos e palmas,
<BR>Ao teu toque divinal.
<BR>Mas esqueceste... Não basta
<BR>&nbsp;
<BR>"Chegar, olhar e vencer"
<BR>
<BR>Do gênio a maior grandeza
<BR>O ser divino é sofrer.
<BR>Diz!... Quando ouves a torrente
<BR>Do entusiasmo na enchente
<BR>Vir espumar-te lauréis;
<BR>Nest'hora grande não sentes
<BR>
<BR>Longe os silvos das serpentes,
<BR>Que tentam morder-te os pés?
<BR>Inda é a glória - rainha
<BR>Que jamais caminha só.
<BR>Aí! Quem sobe ao Capitólio
<BR>Vai precedido de pó.
<BR>
<BR>Porém tu zombas da inveja...
<BR>Se à noite o raio lampeja
<BR>Tu fazes dele um clarão!
<BR>Pela tormenta embalada
<BR>Ao som da orquestra arroubada
<BR>Vais-te perder n'amplidão.
<BR>
<BR><b>&nbsp;</b>
<BR><b>&nbsp;</b>
<BR><b>&nbsp;</b>
<br><b>Canção do Boêmio </b>
<BR>&nbsp;
<BR>(Recitativo da meia hora de cinismo
<BR>Comédia de costumes acadêmicos)
<BR>
<BR>Música de EMILIO DO LAGO
<BR>&nbsp;
<BR>Que noite fria! Na deserta rua
<BR>Tremem de medo os lampiões sombrios.
<BR>Densa garoa faz fumar a lua,
<BR>Ladram de tédio vinte cães vadios.
<BR>
<BR>Nini formosa! por que assim fugiste?
<BR>Embalde o tempo à tua espera conto.
<BR>Não vês, não vós?... Meu coração é triste
<BR>Como um calouro quando leva ponto.
<BR>A passos largos eu percorro a sala
<BR>Fumo um cigarro, que filei na escola...
<BR>
<BR>Tudo no quarto de Nini me fala
<BR>Embalde fumo... tudo aqui me amola.
<BR>Diz-me o relógio cinicando a um canto
<BR>"Onde está ela que não veio ainda?"
<BR>Diz-me a poltrona "por que tardas tanto?
<BR>Quero aquecer-te rapariga linda."
<BR>
<BR>Em vão a luz da crepitante vela
<BR>De Hugo clarcia uma canção ardente;
<BR>Tens um idílio - em tua fronte bela...
<BR>Um ditirambo- no teu seio quente...
<BR>Pego o compêndio... inspiração sublime
<BR>P'ra adormecer... inquietações tamanhas...
<BR>
<BR>&nbsp;
<BR>Violei à noite o domicílio, ó crime!
<BR>Onde dormia uma nação... de aranhas...
<BR>Morrer de frio quando o peito é brasa...
<BR>Quando a paixão no coração se aninha!?...
<BR>Vós todos, todos, que dormis em casa,
<BR>
<BR>Dizei se há dor, que se compare à minha!.. .
<BR>Nini! o horror deste sofrer pungente
<BR>Só teu sorriso neste mundo acalma...
<BR>Vem aquecer-me em teu olhar ardente...
<BR>Nini! tu és o cache-nez dest'alma.
<BR>Deus do Boêmio!... São da mesma raça
<BR>
<BR>As andorinhas e o meu anjo louro...
<BR>Fogem de mim se a primavera passa
<BR>Se já nos campos não há flores de ouro...
<BR>E tu fugiste, pressentindo o inverno.
<BR>Mensal inverno do viver boêmio...
<BR>Sem te lembrar que por um riso terno
<BR>
<BR>Mesmo eu tomara a primavera a prêmio..
<BR>No entanto ainda do Xerez fogoso
<BR>Duas garrafas guardo ali... Que minas!
<BR>Além de um lado o violão saudoso
<BR>Guarda no seio inspirações divinas...
<BR>Se tu viesses... de meus lábios tristes
<BR>
<BR>Rompera o canto... Que esperança inglória...
<BR>Ela esqueceu o que jurar lhe vistes
<BR>Ó Paulicéia, ó Ponte-grande' ó Glórial...
<BR>Batem!... que vejo! Ei-la afinal comigo...
<BR>Foram-se as trevas... fabricou-se a luz...
<BR>Nini! pequei... dá-me exemplar castigo!
<BR>
<BR>Sejam teus braços... do martírio a cruz!...
<BR><b>&nbsp;</b>
<BR><b>&nbsp;</b>
<BR><b>&nbsp;</b>
<br><b>É Tarde </b>
<BR>&nbsp;
<BR>Olha-me, ó virgem, a fronte!
<BR>
<BR>Olha-me os olhos sem luz!
<BR>A palidez do infortúnio
<BR>Por minhas faces transluz:
<BR>Olha, ó virgem - não te iludas
<BR>- Eu só tenho a lira e a cruz.
<BR>JUNQUEIRA FREIRE
<BR>
<BR>tarde! É muito tarde!
<BR>MONT ALVERNE
<BR>&nbsp;
<BR>É tarde! É muito tarde! O templo é negro&#8230;
<BR>O fogo-santo já no altar não arde.
<BR>Vestal! não venhas tropeçar nas piras...
<BR>
<BR>&nbsp;
<BR>É tarde! É muito tarde!
<BR>Treda noite! E minh'alma era o sacrário,
<BR>A lâmpada do amor velava entanto,
<BR>Virgem flor enfeitava a borda virgem
<BR>Do vaso sacrossanto.
<BR>
<BR>Quando Ela veio - a negra feiticeira -
<BR>A libertina, lúgubre bacante,
<BR>Lascivo olhar, a trança desgrenhada,
<BR>A roupa gotejante.
<BR>Foi minha crença-o vinho dessa orgia,
<BR>Foi minha vida- a chama que apagou-se,
<BR>
<BR>Foi minha mocidade -o toro lúbrico,
<BR>Minh'alma - o tredo alcouce.
<BR>E tu, visão do céu! Vens tateando
<BR>O abismo onde uma luz sequer não arde?
<BR>Ai! não vos resvalar no chão lodoso...
<BR>E tarde! E muito tarde!
<BR>
<BR>Ai! não queiras os restos do banquete!
<BR>Não queiras esse leito conspurcado!
<BR>Sabes? meu beijo te manchara os lábios
<BR>Num beijo profanado.
<BR>A flor do lírio de celeste alvura
<BR>Quer da lucíola o pudico afago...
<BR>
<BR>O cisne branco no arrufar das plumas
<BR>Quer o aljôfar do lago.
<BR>É tarde! A rola meiga do deserto
<BR>Faz o ninho na moita perfumada...
<BR>Rola de amor! não vás ferir as asas
<BR>Na ruína gretada.
 
<BR>Como o templo, que o crime encheu de espanto,
<BR>Êrmo e fechado ao fustigar do norte,
<BR>Nas ruínas desta alma a raiva geme...
<BR>E cresce o cardo - a morte
<BR>Ciúme! dor! sarcasmo! - Aves da noite!
<BR>Vós povoais-me a solidão sombria,
 
<BR>Quando nas trevas a tormenta ulula
<BR>Um uivo de agonia!...
<BR>E tarde! Estrela-d'alva! o lago é turvo.
<BR>Dançam fogos no pântano sombrio.
<BR>Pede a Deus que dos céus as cataratas
<BR>Façam do brejo - um rio!
 
<BR>Mas não. . .! Somente as vagas do sepulcro
<BR>Hão de apagar o fogo que em mim arde...
<BR>Perdoa-me, Senhora!... Eu sei que morro...
<BR>E tarde! E muito tarde!...
<BR>&nbsp;
<BR>&nbsp;