O Coruja/II/VIII: diferenças entre revisões

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Cobertos ambos de luto, pareciam eternamente fechados a qualquer consolação mundana; Teobaldo caíra em uma espécie de abatimento moral, de cujo estado não conseguiam arrancá-lo as palavras do companheiro.
 
EÉ preciso que também não te deixe levar assim pelo desgosto, dizia-lhe este, procurando meter-lhe ânimo. -— A vida não se compõe só de coisas agradáveis! Concordo em que não estejas habituado a certas provações e que por isso as sintas mais do que qualquer; mas, valha-me Deus! um homem deve antes de tudo ser um homem!
 
— Do que me serve a vida?... respondia o outro; do que me serve a vida, se já não tenho as pessoas que mais me amaram?...
 
— E então eu?! reclamava André. -— Eu não estou ainda a teu lado?... É uma injustiça o que acabas de dizer!...
 
— Tens razão, é uma injustiça não pensar em ti; mas imagina que será de mim agora, sem recurso e sem o hábito de trabalhar?...
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Qual não foi, porém, a sua decepção, quando, levando trabalho a um jornal, ouvia essas palavras daqueles mesmos que dantes o elogiavam:
 
— Homem! deixe ficar isso... Havemos de ver, mas o senhor bem sabe que o público vai e tornando exigente: é preciso dar-lhe coisas boas!.
 
Teobaldo compreendeu então o alcance de certas palavras de seu pai: "Esconde o mais que puderes a tua necessidade; ela só por si é o pior estorvo que se pede levantar defronte de ti, quando precisares de dinheiro..."
 
E com eleitoefeito: dantes, Teobaldo mal apresentava algum trabalho nas redações, só ouvia em torno de si elogios e palavras de entusiasmo. É que sabiam perfeitamente que ele não precisava ganhar a vida; agora era um necessitado como qualquer e então viravam-lhe as costas, porque a necessidade é sempre ridícula e importuna.
 
O mesmo justamente lhe sucedera com os teatros. Dantes, quando Teobaldo freqüentavafrequentava a caixa dos teatros nas horas de ensaio, pagando champanha aos artistas e levando-os depois do espetáculo a cear nos melhores hotéis; dantes, quando ele os presenteava nos benefícios e lhes emprestava dinheiro, muita vez perguntaram-lhe os empresários por que razão, dispondo de tanto talento e de tanto espírito, não escrevia ele alguma coisa para ser levada à cena. Havia por força de fazer sucesso!... Teobaldo que experimentasse!
 
E agora, quando a necessidade lhe invadira a casa, o rapaz, lembrando-se de tão repetidas solicitações feitas ao seu talento, tornou de um romance inglês e extraiu daí um drama que, se não era um primor de arte, estava ao menos no gosto do público e podia dar lucro , aqueles mesmos empresários o receberam com frieza, dizendo-lhe secamente que deixasse ficar o trabalho e aparecesse depois. E, mais tarde, talvez sem terem lido a obra, acrescentaram-lhe com meias palavras e dando-lhe o pretensioso tratamento de "filho" que ele fosse cuidar de outro ofício e perdesse as esperanças de arranjar alguma coisa por aquele modo.
 
Com o seu gênio altivo, com a educação que tivera, Teobaldo não podia insistir em tais pretensões. Era bastante perceber um gesto de má vontade ou de pouco caso para lhe subir o sangue às faces, e muito fazia já conseguindo reprimir a cólera que se assanhava dentro dele, sôfrega por escapar em frases violentas.
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Mas tudo isso era feito com tamanha delicadeza, com tanto amor, que Teobaldo, quando lhe aparecia qualquer revolta do caráter, ficava mais envergonhado de seu orgulho do que com receber aqueles obséquios.
 
E nunca o André andou tão satisfeito, tão alegre de sua vida; dir-se-ia que ele, praticando aqueles sacrifícios, alcançava enfim a realização dos seus melhores sonhos.
 
Era comum vê-lo chegar a casa com uma caixa de charutos debaixo do braço e depodepô-la ao lado do amigo, dizendo quase envergonhado:
 
— Olha! como estavam a acabar estes charutos e sei que são dos que mais gostas, trouxe-os, porque depois quando fosses procurá-los, já não os encontrarias a venda.
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E tinha sempre uma desculpa a apresentar, uma razão para disfarçar os seus benefícios. Teobaldo quis privar-se do vinho à mesa; Coruja, que aliás não bebia nunca, opôs-se-lhe fortemente.
 
— Não! disse ele -— Estás muito acostumado com o vinho à comida e, por uma miserável economia de alguns tostões, não vale a pena fazeres um sacrifício!.
 
A maior dificuldade era, porém, quando precisava passar-lhe dinheiro, sem lhe ferir, nem de leve, o amor próprio. A princípio tinha para isso uma boa desculpa -— os quinhentos mil réis; mas esta quantia não podia durar eternamente e, já por último, dizia o Coruja:
 
— Sabes? quando eu tinha em meu poder aquele teu dinheiro, servi-me de tanto e esqueci-me de repor o que tirei; por conseguinte, se precisares agora receber algum por conta, eu posso pagar.
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Um dia ele apareceu em casa com um grande rolo de papéis, e disse ao companheiro que o diretor do colégio o havia encarregado de organizar uma seleta muito especial, destinada ao estudo da sintaxe portuguesa.
 
— A coisa não é má... acrescentou o Coruja, abaixando a voz, como quem conspira. -— Eles pagam 300$ pelo trabalho...
 
— Bom, fez Teobaldo.
 
— Eu estive a recusar, porque me falta talento; lembrei-me, porém, de que tu, se quisesses.. . podias encarregar-te disso.. . A coisa é maçante, é, mas enfim... sempre é um achego... Além de que, eu te posso ajudar, sim, quer dizer que...
 
— Ah! Para ajudar não te falta talento! Hipócrita! respondeu Teobaldo abraçando-o.
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E D. Margarida a perguntar-lhe como iam os negócios dele e a pedir-lhe com insistência que marcasse o dia das núpcias. Ora o Coruja, que era tão incapaz de mentir, quanto era incapaz de confessar o verdadeiro motivo da sua demora, via-se deveras atrapalhado e desculpava-se como melhor podia.
 
Entretanto, D. mezinhaInezinha concluíra afinal os estudos, fizera exame e estava preparada para reger uma cadeira de primeiras letras.
 
A mãe resplandecia com isso.
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— Ora! Com boa vontade tudo se faz!
 
— Nem tudo; entretanto, se a senhora entende que sua filha não pode esperar por mim, é casá-la com outro; não serei eu quem a isso se oponha!... Estimo-a muito, desejo fazer dela a minha esposa, mas não quero de forma alguma prejudicar-lhe o futuro. Se há mais quem a deseje, e se ela acha que deve aproveitar a ocasião, aproveite; porque eu me darei por muito feliz em vê-la satisfeita e contente de sua vida!.
 
— O senhor diz isso porque sabe que ela está disposta a esperar.
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— Mas, se o seu desejo é casar com ela, case-se logo por uma vez! Tanto vive o pobre como vive o rico!
 
E por este caminho a impertinência de D. Margarida foi subindo a tal ponto, que o Coruja, para tranqüilizátranquilizá-la um pouco, deixou escapar um segredo que a ninguém tinha ainda revelado. Era a idéia de montar um colégio seu, perfeitamente seu, feito como ele entendia uma casa de educação; um colégio sem castigos corporais, sem terrores; um colégio enfim talhado por sua alma compassiva e casta; um colégio, onde as crianças bebessem instrução com a mesma voluptuosidade e com o mesmo gosto com que em pequeninas bebiam o leite materno.
 
Sem ser um espírito reformador, o Coruja sentiu, logo que tomou conta de seus discípulos, a necessidade urgente de substituir os velhos processos adotados no ensino primário do Brasil por um sistema todo baseado em observações psicológicas e que tratasse principalmente da educação moral das crianças; sistema como o entendeu Pestallozzi, a quem ele mal conhecia de nome.