Correspondência ativa de Euclides da Cunha em 1894: diferenças entre revisões

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Linha 10:
<p>D. Túlia
 
<p>Fui a S. Paulo e trouxe a Saninha e o filhinho. Estão em Palmeiras. À sra.srª, como mãe de minha mulher, entendo dever fazer esta participação. Faço-a por escrito porque não a posso fazer a viva voz, impossibilitado como estou de entrar numa casa em que se me fez a mais dolorosa injustiça e aonde se ouviu complacentemente as calúnias lançadas por um beleguim sobre um rapaz honesto.
Estou bem certo que o meu velho amigo o gal. Solon considerar-me-á sempre como mereço; mais conhecedor desta vida e mais experimentado, ele aquilatará melhor acerca destas coisas. Não veja nestas linhas o mínimo traço de rancor; escrevo-as perfeitamente sereno; a minha consciência ― tão agitada às vezes, está neste momento perfeitamente lúcida. Depois da triste desilusão que sofri, só tenho uma ambição; afastar-me, perder-me na obscuridade a mais profunda e fazer todo o possível para que os que tanto me magoam esqueçam-me, como eu os esqueço. Quando se terminar a agitação da nossa terra eu realizarei ainda melhor este objetivo, procurando um recanto qualquer dos nossos sertões. É uma coisa deliberada, visto como convenci-me afinal que a dignidade e toda a sensibilidade mesmo dos que vivem constantemente ocupados da própria honra, são, na nossa sociedade, coisas perigosas, que levam ao martírio.
<p>Os meus amigos, que felizmente sabem o que valho, sabem quanto tenho sofrido.
Linha 27:
<p>Em carta ontem publicada, dirigida ao redator d’O Tempo, o sr. João Cordeiro manifestou sentimentos de tal natureza, que, caso passem em silêncio, provocarão um grande e doloroso espanto no futuro, definindo pela pior maneira a feição atual da sociedade brasileira.
<p>É muitíssimo justo que se deem a um amigo parabéns pelo malogro de um atentado covarde como aquele que, segundo se afirma, foi ideado à redação de ''O Tempo''. É porém, profundamente condenável aliar-se à justíssima condenação de um crime uma represália talvez ainda mais criminosa. Assim é que o sr. João Cordeiro sugeriu o alvitre singular e bárbaro de lançar-se mão das mesmas armas criminosas e reduzir a retalho as prisões onde estão os rebeldes, etc…, caso não se possa conseguir o fuzilamento dos dinamitistas. <p>Confesso, sr. Redator, que uma tal proposição, ousadamente atirada à publicidade, num país nobilitado pela forma republicana, deve cair de pronto sob a revolta imediata dos caracteres, que na fase dolorosa que atravessamos tenham ainda o heroísmo da honestidade.
<p>E necessário ainda que este protesto parta justamente dos arraiais daqueles que, pelo fato mesmo de lutarem sob a égide da lei, se consideram bastante fortes, para não descerem a selvatiquezas de tal ordem. E o que faço, desafiando embora a casuística singular que por aí impera, mercê da qual é fácil estabelecer-se a suspeição em torno das individualidades mais puras, tornando-as passíveis dos piores juízos.
<p>Este protesto não exprime a quebra de solidariedade com os companheiros ao lado dos quais tenho estado; exprime simultaneamente um dever e um direito.
Linha 37:
 
<p>A fim de reduzir corolários ilogicamente deduzidos da minha carta anterior, peço mais uma vez lugar nas colunas do vosso jornal, afirmando-vos que não renovarei este apelo ao vosso cavalheirismo, porque não devo malbaratear em polêmicas que se tornem pessoais o tempo que devo empregar trabalhando pelo meu pais. Afeito a proceder retilineamente, não temo os perigos das posições definidas, e afirmo mesmo que, por maiores que sejam aqueles, estas são sempre as mais cômodas.
<p>As consequências que aprouve à redação d’Od’''O Tempo'' tirar das minhas palavras são tão profundamente irritantes e falsas, que exigem uma réplica imediata. Não sei que modalidades deva assumir a minha linguagem para fazer compreender aos que comigo lutam pela mesma causa com sentimentos diversos, que também condeno inexoravelmente a turbamulta perigosa que irrompe atualmente de todas as sociedades, planeando o mais condenável ataque a todo o capital humano, e tentando macular, cobrir com uma fumarada de incêndio o vasto deslumbramento do nosso século. Por isso mesmo que os condeno, é que entendo que eles devem cair esmagados pela reação de todas as classes; mas por isso mesmo que odeio os seus meios de ação repilo-os, entendendo que a reação pode perfeitamente, com maior intensidade, definir a serenidade vingadora das leis.
<p>É necessário que tenhamos a postura corretíssima dos fortes! Não é invadindo prisões que se castigam criminosos. Nada mais falível e relativo do que esta justiça humana condecorada pela metafísica com o qualificativo de absoluta. Há nos sentimentos que ambos tributamos à República uma diferença enorme: V. x. tem por ela um amor tempestuoso e cheio de delírios de amante, eu tenho por ela os cuidados e a afeição serena de um filho.
<p>Persisto, pois, na deliberação fortemente tomada de o não considerar como um companheiro de lutas.