Agora fechando de leve os olhos, fechando-os, como para adormecimentos vagos, vejo-te, no entanto, melhor, sinto-te eterizada, de uma essência finíssima onde há diluidamente talvez muito do sol e muito da lua...

Assim, mudo e só, neste obscuro aposento, onde apenas uma janela alta dá para o claro dia, como um coração que abre e pulsa para a vida, gozo a divina graça de ficar isolado, intacto, neste momento, ao menos, dos atritos nauseantes da laureada banalidade, de certo fundo chato de plebeísmo intelectual de sentir.

Nos seis ou sete palmos deste aposento, que ainda não são, contudo, os sete palmos da cova, eu vejo-te das prefulgentes transcendências da minha Piedade, e, aristocratizando a alma, como um céu se requinta aristocraticamente d'estrelas, sinto que me apareces espiritualizada pelo grande Afeto que te fecundou e sinto que há de ti para mim uma tal influência estésica, uma identidade tamanha, uma tão intensa irradiação, que as nossas naturezas fundem-se num mesmo êxtase, num mesmo espasmo emotivo e numa mesma chamejação de beijos...

E, assim, ainda assim, nobre Palmeira de sagrada sombra que me abrigas o coração errante; e, ainda assim, pelas virtudes sublimes do teu ser, canta-me na alma o Cântico claro de que não me separarei jamais de ti, que me acompanharás, boa, crente, do castelo branco das tuas altas virtudes, pelas jornadas eternais da Morte, saciando-me a sede ansiosa, inquieta, de Infinito, com as cisternas puras e transbordantes da tua eterizada Bondade.

E como o nosso pequenino filho preso à tua carne pelo cordão umbilical, eu ficarei para sempre preso aos teus graciosos cuidados e fugitivos enlevos, girando em torno à tua ternura, — vibrante abóbada de músicas e de luzes, — como um velho pássaro fatigado abrindo e fechando lenta e amorosamente as asas sem no entanto desprender o vôo através do atordoamento e rumor das Esferas...

Crê, tem fé profunda na profunda chama que por ti me eleva.

Fechando de leve os olhos, como para adormecimentos vagos, mais eu vejo a curiosa beleza negra dos teus olhos transfigurados por olhares pouco terrestres e olhares de tão cintilantes fluidos, de raios tão penetrantes, de tão afagadoras, consoladoras baladas, que só olhares de olhos resignados, perfectibilizados por egrégio Sofrimento, podem por tal forma exprimir a impressionante transfiguração dos teus olhos.

Crê, pois, que eu te amo, crê que eu te amo com a majestade serena de uni apóstolo e a meiguice trêmula de uma criança. Crê que eu te amo com a alma simples, com o coração inundado de frescura, iluminado de bondade. Crê que eu te amo, sacrossantamente te amo de um afeto indissolúvel, indelével, indefinível, que se perpetuará além da minha morte, sobreviverá aos meus suspiros, aos meus amargos gemidos, abraçar-te-á com abraços muito longos, beijar-te-á com beijos ainda mais longos que esses abraços, numa carícia lenta, muda e aflita, sob o repouso branco das estrelas, na imensa mágoa, no desolado enviuvamento das noites...

Assim, maternizada, ó boa e generosa terra de sangue de onde brotou a flor nervosa e lânguida do filho; assim, transfigurado pelo sentimento purificante da Maternidade, ó ser docemente, arcangelicamente formoso, dessa formosura triste, mas nobre, mas excelsa, mas imaculada, das almas que se sensibilizam e vibram; assim, nessa expressão tocante, fina, sutil, do teu semblante que a dolência pungente da Maternidade enluarou de harmonia, fluidificou de delicadezas, angustiou de mistério, és, afinal, a Eleita peregrina do meu Sonho, coroada de um diadema de lágrimas...