- Esta velha angústia,
- Esta angústia que trago há séculos em mim,
- Transbordou da vasilha,
- Em lágrimas, em grandes imaginações,
- Em sonhos em estilo de pesadelo sem terror,
- Em grandes emoções súbitas sem sentido nenhum.
- Transbordou.
- Mal sei como conduzir-me na vida
- Com este mal-estar a fazer-me pregas na alma!
- Se ao menos endoidecesse deveras!
- Mas não: é este estar entre,
- Este quase,
- Este poder ser que...,
- Isto.
- Um internado num manicômio é, ao menos, alguém,
- Eu sou um internado num manicômio sem manicômio.
- Estou doido a frio,
- Estou lúcido e louco,
- Estou alheio a tudo e igual a todos:
- Estou dormindo desperto com sonhos que são loucura
- Porque não são sonhos.
- Estou assim...
- Pobre velha casa da minha infância perdida!
- Quem te diria que eu me desacolhesse tanto!
- Que é do teu menino? Está maluco.
- Que é de quem dormia sossegado sob o teu teto provinciano?
- Está maluco.
- Quem de quem fui? Está maluco. Hoje é quem eu sou.
- Se ao menos eu tivesse uma religião qualquer!
- Por exemplo, por aquele manipanso
- Que havia em casa, lá nessa, trazido de África.
- Era feiíssimo, era grotesco,
- Mas havia nele a divindade de tudo em que se crê.
- Se eu pudesse crer num manipanso qualquer —
- Júpiter, Jeová, a Humanidade —
- Qualquer serviria,
- Pois o que é tudo senão o que pensamos de tudo?
- Estala, coração de vidro pintado!