De quando em quando os jornais anunciam certos acontecimentos para breve, e ao chegar a ocasião de se realizarem, eles não se verificam sem que as folhas volantes se preocupem em justificar o motivo de tal. Assim, por exemplo o senhor Miguel Calmon, professor de cálculos na Bahia e cadete de linha de tiro aqui, devido as profundas provas que deu, de saber cultivar batatas em quintais burgueses, foi escolhido para professor da Universidade de Lisboa da cadeira de Estudos Brasileiros. A escolha foi feita pela Academia de Letras que, como se sabe, primou sempre nas suas escolhas.
O jovem Calmon devia partir em novembro, mais patriota, porém, do que o grácil Hélio Lobo, vulgo, secretário da presidência, ficou, para não abandonar o Brasil, privá-lo dos seus esforços e das suas luzes quando deles muito precisa o país nesses transes de uma guerra universal.
Eu avancei o motivo, mas não estou certo de que fosse este. Entretanto, até aqui, jornal algum quis dize-lo claramente e os quotidianos deviam faze-lo, para ciência de todos nós, tanto mais que não há dia em que não falem do jovem descendente de Turenne, por isto ou por aquilo...
Acredito, portanto que fosse aquele o motivo de não ter o senhor Calmon ido assumir em Lisboa, a sua cadeira, porque, auxiliando à pátria e ao governo, eu o vi a 15 de novembro último, muito garboso, de cáqui e carabina, nas fileiras do Tiro nº 7. Isto foi um instante, no campo do São Cristovão; mas, minutos depois muito reúnamente vestido, vi o atirador na sua limousine,e como a tarde tivesse um ar guerreiro, eu a supus a princípio, uma espécie de tanque,de invenção de algum patriota nacional. Lembrei-me do doutor Ribas Cadaval...
Motivo fosse qual fosse, o certo é que o senhor Miguel du Pin não partiu. A academia para ser gentil com a sua colega de Lisboa, devia oficiar-lhe, explicando as razões por que o seu legado não foi.
Podia mesmo ter dado logo um substituto ao guerreiro do Tiro 7 e do tank-limousine; e tendo anteriormente escolhido este, porque entendia de pragas egípcias do algodão e do plantio do café em Java para a citada cadeira de Estudos Brasileiros, a nossa ilustre companhia devia aperfeiçoar mais a sua eleição, designando alguém que bem entendesse das culturas da Groenlândia e da literatura esquimó.
Imagino que uma sabedoria destas não é muito comum em Lisboa, e, com ela, o embaixador da academia iria embasbacar o público lusitano. Não perca a respeitável instituição mais esse ensejo de fazer a prova da nossa cultura no estrangeiro e mande para lá alguém nas condições indicadas. Podia ser o Hélio. Bastava-lhe um caixote de aspas.
Convidem-no que ele topa.
Lanterna, Rio, 26-1-1918.