Etimologia da Palavra “Tupã”

Muitos procuraram interpretar o significado da palavra tupã. Tais interpretações, porém, não nos parecem satisfatórias.

I

Primeiramente há os que atribuem a essa palavra o significado de "pai excelso", fazendo-a derivar de tuba, pai, e ama, excelso. Logo tubama passaria depois a tupana ou tupã.
Concedamos que a palavra ama, estar em pé, viesse a designar "excelso", o que na prática a língua tupi não atesta.
Seria preciso aceitar também que o b de tuba passasse a p, o que igualmente nesta circunstância não é atestado no tupi. Não queremos pegar a possibilidade de transformação da letra b em p neste idioma, e é por isso mesmo que dissemos "nesta circunstância"; mas geralmente se dá o contrário: o p, antes de som não nasal, pode mudar-se em b. Aliás, pela própria índole da língua e mais conforme às leis fonéticas universais, o som nasal de ama, sendo sonoro, deveria conservar o b que é consoante sonora: o p é surda. [1]
Além disso a palavra tupã deveria mudar o t inicial em r, porque todas as palavras começadas por t, exceto alguns nomes como os onomatopáicos, devem mudá-lo em r quando se acham em relação sintática com uma palavra precedente. Mas a palavra tuba é dessas que, segundo a regra geral, têm o t ´móvel; donde: xe ruba, meu pai, akûe kurumí ruba, o pai daquele menino, etc. Mais ainda: a palavra tupã tem o t imóvel; diz-se: xe tupã, meu Deus, e não: xe rupã, etc. Logo...
Ainda mais: a forma primitiva da tupã era tupana, que no tupi colonial ainda se encontra e sobre a qual temos o testemunho dos padres Anchieta e Nóbrega. Portanto a terminação ama não tem fundamento. Os tupis distinguiam bem o m do n, e até nas finais, como por exemplo: xe mim, escondeu-me; xe min, tenho lança, etc.
Talvez tupana seja aglutinação de tupã-ara = dia divino, dia santo (?!)
.


II

Outros dão outra explicação. O padre Montoya, por exemplo, em seu "Tesouro de la Lengua Guarani", no verbete tupã, diz: "Compuesto de tu, admiracion, y , pregunta: Manhu? quid est hoc? — Nombre que aplicaron a Dios". Também segue essa explicação o Prof. Dobritzhoffer.
Montoya faz relação do modo de exclamar dos índios com o dos judeus quando viram o maná [2].
Se a palavra tupã fosse composta da admiração tu e da interrogação , não estaria isto conforme ao idioma guarani. De fato, a admitação tu era só usada pelos homens, enquanto tupã, era empregada por eles e pelas mulheres. Mas vá lá que depois passassem a usá-la também as mulheres. Quanto a este primeiro elemento há algo favorável: o t é imóvel, igual ao da palavra tupã. Todavia o segundo elemento, a partícula interrogativa , que melhor seeria pang, cuja forma plena, atestada pelo própria Montoya, é panga (composta talvez de pe e ang ou anga, e portanto igual a pia ou piang) não poderia mudar-se sem mais nem menos em pana, como seria de fato a terminação de tupã: tupana. Logo...


III

O dr. Hartt apresenta a sugestão de que tupã se derive do verbo teapu, roncar, pois no Amazonas o mesmo verbo é dito teapuan.
Quanto a isto, basta observarmos que esta sugestão está certa quanto ao sentido da palavra tupã; mas, quanto à forma, a coisa muda, porque a palavra teapu ou mesmo teapuan (conforme ele cita), que propriamente no tupi colonial era tyapu, tem o t inicial móvel, enquanto tupã não o tem, segundo vimos acima. E as palavras derivadas seguem a forma da primitiva. Logo...


IV

Por fim outros querem ainda derivar tupã da raiz tup ou top do quíchua, que significa "queimar, calor" e portanto "brilhar", dizendo-a derivada do sânscrito. O segundo elemento seria a palavra ang ou anga, alma, espírito.
Quanto ao sentido e quanto à forma, essa relação com o quíchua e com o sânscrito estaria certa. Mas a palavra tupã indicaria antes o raio ou relâmpago do que o trovão; e os índios distinguiam bvem os raios ou relâmpagos dos trovões, tanto assim que possuíam palavras para designar cada um deles, em bora em um ou outro dialeto tupi hodierno, como por exemplo, o pauate e o aoiampi, seja usada a palavra tupã para significar tanto o trovão como o raio ou relâmpago. O contrário porém é certo, isto é, que tupã indique o trovão, conforme veremos mais adiante.
Além disso, poderíamos dizer melhor que se relaciona com a raiz indo-européia tup, bater, raiz essa onomatopáica que encontramos parecida no ramo tupi-guarani, e, por isto, por ser onomatopáica, pode achar-se em outra língua, sem relação alguma dever existir entre elas. Por esta razão temos no guarani tu, golpe, mbotu, bater, e no grego typos, golpe, typto, bater, etc.
Não queremos afirmar aqui nenhuma relação do indo-europeu com o tupi-guarani, não obstante a nossa opinião particular seja um tanto favorável, e por muitas razões. Aliás, esperamos poder em um próximo artigo apresentar fatos, bastantes e interessantes, a respeito de tal relação.
O segundo elemento seria a palavra ang ou anga, alma. Logo tupang ou melhor, tupanga daria tupã ou tupana. Assim significaria, como querem, "espírito brilhante, resplandecente". Não poderia isto acontecer por dois motivos: um, baseado na forma: como explicariam a mudança, apenas nesta palavra, de tupanga para tupana? Gostaríamos que nos dessem outros exemplos em outras palavras tupis. O segundo motivo é próprio da estrutura, da construção, da sintaxe do ramo lingüístico tupi-guarani. Para significar "espírito brilhante", a palavra anga estaria em colocação errada, difrente das demais formas de composição da língua: deveria neste caso vir antes, porque os nomes, indicando uma qualidade, devem vir depois. Logo...


V

Até aqui vimos as explicações dos outros. Agora devemos apresentar a nossa.
O nosso ponto de vista é que a palavra tupã' ou tupana é composta de tu, onomatopéia de "golpe", e pana (ou ), palavra também onomatopáica, designativa de "pancada, barulho, som". De tu deriva-se ytu, golpe d'água, cachoeira; mbotu, bater em, golpear, chocar-se com. De pana o verbo mopana, bater, fazer soar. Portanto tupana significa "barulho de golpe, som de pancada, som de golpe". É o trovão.
A esse respeito vejamos o testemunho dos padres Manuel da Nóbrega e José de Anchieta:

Falando sobre os Tupinambás e os Tupininquins, Nóbrega assim escreve, na carta sobre as "Informações das Terras do Brasil": "Essa gentilidade nenhuma cousa adora, nem conhece a Deus; somente aos trovões chama Tupane, que é como diz cousa divina. E assim nós não temos outro vocábulo mais conveniente para os trazer ao conhecimento de Deus, que chamar-lhe Pae Tpuane" (Cartas Jesuíticas, I; Manuel da Nóbrega: Cartas do Brasil, 1549-1560, p. 99) [3].
E o padre Anchieta nas suas "Informações do Brasil e de suas Capitanias", 1584, assim escreve: "Nenhuma criatura adoram por Deus, somente aos trovões cuidam que são Deus, mas nem por isso lhes fazem hjonra alguma, nem comumente têm Ídolos nem sortes...".

A forma tupi é propriamente tupana; foi generalizada a forma tupã talvez por influência indireta do guarani. A palavra tupana primeiramente significou o trovão, que era também a representação do poder divino, e daí significou o próprio Ser Supremo. Por isto os jesuítas a aplicaram a Deus e ela passou a indicar igualmente "dia santo", como neologismo cristão.
Os índios, atribuindo a Deus a mesma palavra que designava o trovão, não fugiram à regra geral. De fato o homem não teria podido ser preciso em definir a natureza de Deus, exceto pela revelação; por isto o chamavam com um nome que lhe designasse algum atributo aparente.
No indo-europeu a palavra Deus vem da raiz div, que significa "brilhare". Daí temos devas no sânscrito, deus, divus, divinus no latim, zeus (dieus), dios no grego, etc. Daí, também, vêm as palavras dies do latim, diaus, o céu luminoso, do sânscrito, etc etc. Por conseguinte Deus no indo-europeu era "o brilhante, o resplandecente", na maioria dos seus dialetos.
Por outra parte, no mesmo indo-europeu, encontramos outra designação. No inglês, no alemão, no gótico diz=se respectivamente god, gott, guth, que provavelmente represetam um tipo ghu-tom, derivado da raiz ghu (com u breve), sacrificar, ou mesmo da raiz ghu (com u longo), invocar. No sânscrito há as duas derivações, um breve: huta, significando "aquele a quem se faz um sacrífício"; a outra longa: huta: "aquele que é invocado".
No hebraico temos a forma elôah, geralmente usada no plural elohim, como também a forma el, para designar Deus. Ora, estas formas são derivadas da raiz el que significa: força, forte. E cognatas à forma hebraica, há as palavras ilah do árabe (que com o artigo faz Allah), elah do aramaico, alâha do siríaco. Deus seria para estes "o forte, o poderoso".
Portanto não tememos em afirmar que a palavra tupã ou melhor tupana, significando "trovão", possa designar também o Ser Supremo, principalmente se considerarmos que, entre os Romanos, Júpiter (diupater), o pai dos deuses, era chamado Tonans, o tonante, o retumbante.
Estavam pois certos os jesuítas ao aplicá-la a Deus, o Deus como é conhecido pelos cristãos, isto é, o Deus verdadeiro criador e senhor de todas as coisas.

Notas editar

  1. Quanto ao som nasal ser sonoro, não precisamos dar explicações a quem conhece bem a fonologia. Contudo basta verificar que esse mesmo som transforma as consoantes surdas em sonoras, conforme a regra de assimilação: e isso é verificado quer no tupi, como mõ-paka = mombaka, quer no guarani, como mõ-pag = mombag, quer em outras línguas, como por exemplo o grego moderno, que torna sonora toda consoante precedida de nasal: émprosthen = émbrosthen, etc. Não é preciso ir longe: a própria palavra assimilação diz tudo: uma consoante toma o mesmo grau da outra. Ora, se o p, consoante surda, se torna b, que é sonoro, para assimilhar-se ao som nasal, quer dizer que o som nasal é sonoro.
  2. O autor parece seguir o conceito errôneo dos antigos, porque pensavam ser a palavra maná originária de man-hu. "Maná" não vem do man-hu, mas da palavra egípcia mennu ou mennen, que significa uma espécie de substância resinosa, com a qual acharam os judeus parecido o maná. A palavra man-hu também não quer dizer "que é isto?", como a interpreta Montoya, porque o pronome interrogativo da coisa em hebraico é mah, e por conseguinte seria mah-hu. Daí a palavra "maná", não tendo relação com a admiração "que é isto?", não serve de argumento analógico para explicar a palavra tupã, que segundo esse ilustre jesuíta, significa uma admiração: "que?! que é isto?"
  3. É claro que o padre Nóbrega, ao dizer Deus, se refere ao Deus concebido pelos cristãos.