Eu tive um sonho estranho: ouvi que vou dizê-lo.
Era em praia deserta, em frente a um longo mar:
Nos céus havia a névoa, a mãe do Pesadelo,
E o vago, o incerto, o informe em tudo a oscilar!
De súbito surgiu, na praia, uma criança
D'olhar profundo e bom, d'angélica expressão,
E o mar contemplou com tanta confiança
Que nem que visse n'ele o berço d'um irmão!
Mas a vaga subindo, em cada extremo arranco
Levando ia consigo aquela flor dos céus!
E em breve só boiava um tênue vulto branco
No mar onde flutua o espírito de Deus!
Mais tarde à beira-mar chegava a pura imagem
Da mais casta mulher que em vida pude ver.
Detinha-se distante: a espuma da voragem
Só meia extenuada aos pés lhe ia morrer!
O imenso mar, porém, crescia a cada instante
Mais turvo e mais veloz! depois... Não quis ver mais.
Ergui-me e caminhei de val em val errante
Pensando tristemente em coisas ideais!—
Ao longe, muito além, na serra desviada
De súbito encontrei — ó estranha aparição —!
Uma pobre velhinha enferma e desolada
Trazendo já no olhar a grande cerração!
Que idéia me assaltou não sei dizê-lo agora.
Aonde iria o espectro, aquela sombra vãa?
Iria aonde vai o que ontem foi aurora
E aonde irão também as rosas d'amanhã?...
Dos meus instantes bons, ó lúcida quimera,
Bem vês que os sonhos maus são fáceis d'esquecer!
Que importa a grande noite em plena primavera,
Que importa o que tu foste, o que és, e o que hás de ser!!