Encontrando-se em hum caminho o Asno com o Leão, lhe disse: Subamos a hum outeiro, que quero que vejas os muitos animaes, que hão medo de mim. Rio-se o Leão e foi com elle. Zurrou o Asno, e fez subir grande número de lebres, coelhos, zorras e outros semelhantes. Disse-lhe então: Que te parece? Vês este medo, com que fogem de mim? Fogem de ti, respondeo o Leão, os fracos, que são os que cobrão medo de ouvir bradar; mas eu sem brados desfaço ás mãos os mais valentes; pelo que de nenhum, nem de ti tenho temor.
Certo he, nos que querem mostrar-se valentes, deitarem entre gente pacifica brados e bravatas, para com ellas espantarem homens fracos e muito quietos; mas o verdadeiro valente affronta-se de gritar e de ouvir; porque pelas obras, e não pelas palavras, se conhece cada hum. Não está na boca a valentia, no coração consiste, e nos braços, parece-se o homem com o Asno ou com o Leão.