Ao outro dia pela tardinha ambos faziam a entrada nas ruas do Rio Novo. Atravessaram, a ponte, e, subindo por uma rua muito estreita, passaram pela porta d'uma casa grande, de sacadas pretas, onde havia muita gente em trajes domingueiros. Era a vespera da festa ; a povoação, porem, mostrava-se pelas ruas e rotulas jesuiticas. Havia o rou-rou de vestidos muito engommados, que indica alteração nos habitos caseiros. Na porta da casa grande apearam, e na sala caiada de branco, com um aparador no meio, quadros de paisagens pelas paredes, sofá alcoxoado a um canto, estava D. Luzia e os amigos que foram visita-la. O Zé de Deus foi muito bem recebido. Frederico muito attencioso poz-se a fallar dos festejos que vira, havia tempos, em Barbacena. E com ar respeitoso pedia a sancção de seus dizeres a D. Luzia. O compadre alevantou-se desabotoando o collete, e, da sacada, olhava as crioulas que chalaceavam passando pela rua na direcção do castello, que apparecia, borrando o horisonte, lá ao longe, na parte mais alta da cidade.
Que calor, senhora comadre ! E' ueste tempo que me lembro do meu Alem-Tejo.
D. Joaquina foi ao piano e começou de tocar o Sabià, que ella estropeava soffrivelmente. A sombra da tarde quente entrava na sala ; e as arvores ramalhudas d'uma quinta em frente volviam de manso as folhas como beijos susurrantes da viração rara.
Pediram luz.
O Zé de Deus preparava-se para sahir. D. Joaquina ainda tocou para elle um batuque muito de sua paixão.
— Vou á casa do Roberto ver se chegaram umas encommendas.
Dictas essas palavras, retirou-se fazendo barulho na escada.
Esse Roberto de que elle fallou era um portuguez fallido trez vezes ; um ratoneiro que esteve cora o negocio fechado por mais de seis anuos, sem meio de vida conhecido. Batia na pobre mulher, fazia medo ás filhas e punha os filhos p'ra rua. Agora com a amizade do patricio ia acreditando-se, porque o Zé de Deus tinha unia bôa fazenda. Terras uberrimas, alguns negros, e alem de tudo muito memoravel nas lendas de certo mascate, o Zé de Deus gosava do nome de rico. Contavam os visinhos, no seu grande azedume burguez, que elle era rico, porque nos tempos da moagem lambia o beiço dos negros para ver se tinham chupado alguma canna sem licença. Hoje frequentava muito a casa da comadre, porque lhe queria a mãe viuva.
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