O Zé de Deus esteve a noite sem poder dormir, anciado, muito calor — dizia.

Alevantou-se, abriu a porta do quarto que dava para uma varandinha.

Umas cangalhas que á tarde foram atalhadas, alli estavam derramando no ar um cheiro relentado, nauseabundo. Voltou, fechou a porta e atirou-se sobre uma esteira, no chão.

— Que não aguento este calor das caldeiras do inferno ! Antes no meu Portugal lavando latrinas, como um sapo. O maldito vinho foi demais, e o vatapá tambem.

As pulgas que começaram a morde-lo, o calor, o cheiro irritante das cangalhas ainda humidas do sangue das mata darás e do suor, faziam-o desesperar.

— Tarrenego, diabo ; que isto já parece praga do Frederico, que tantas bananas me comeu.

E coçando com grandes arranhões as costas onde as pulgas mordiam, gritava :

— O ladrão, o Frederico ! dormindo talvez no meio dellas !

A Margarida acordou estremunhada com aquelles gritos no quarto visinho, e mesmo em fraldas de camisa, com muitos bocejos, veiu bater á porta do quarto do seu homem, segundo dizia.

— Empurra, que está sem taramela !

— Que é isto, seu Zé ?

— Ora que é isto ?

— Não é por mal que eu pergunto. Estava dormindo e acordei com seus gritos : pensei que me chamava e vim.

— Vossê veiu, fazer o que ? Só se carregar na saia de baeta as pulgas que estão me devorando.

— Não Sr.,eu, o Sr. sabe, não uso de saia de baeta.

— Está um inferno esta casa : pulgas, catinga de cangalhas, calor, raiva, e por outro lado ainda vossê, Margarida ? Veja-se abre a janella, taivez o sereno melhore isto.

Ella levantou-se, e apalpando no escuro foi esbarrar nelle.

— Oh ! vossê está cega ? que coisa !

— Pois está tão escuro !!

Elle concluiu dizendo, que quando ella vinha procura-lo á calada da noite, sem elle ter chamado, nunca se esbarrou.

Um ar fresco e molle encheu o quarto, que abafava. Então elle aspirou largamente, e quiz dormir no collo de Margarida.

— Que é isto, seu Zé ?

— Não é nada, não é nada.

Ella assentada, encostada á parede, com as pernas enforquilhadas, fazia travesseiro pira o seu Zé, que roncava muito, com a cabeça appoiada francamente, no seu largo ventre.

De muito mau geito, ella foi estendendo.as pernas até têl-o bem aconchegado. Mechia as costas de encontro á parede procurando coçar as pulgas, e via o seu homem bolir com os pés. Punha a mão nelle e ia esfregando-o da cabeça aos pés.

Uma vaca no campo, depois que o bezerro acaba de mamar, não o lambe tão bem como Margarida esfregava as pulgas do seu Zé.

Este material está em domínio público nos Estados Unidos e demais países que protejam os direitos autorais por cem anos (ou menos) após a morte do autor.