Frederico ruminava o seu plano como um boi á tardinha deitado na praia.

— Bem me dizia o Manoel da Ponte, que minha sina era bôa. Bem empregados que foram os dois mil réis que lhe dei para ler a boenadicha. Passei sempre descuidado do futuro. Contava certo que, mais tarde ou mais cedo, a sapucaia havia de cahir com a arara presa pelo pescoço.

Assim pensava Frederico olhando a linha de sensalas que começavam de illuminar-se com o fogo, regalo do negro cançado, que descantando ao som do urocunga esquece magoas velhas e saudades dos seus combustes areiaes. Nessa noite elle deitou-se cedo, ouvindo o arfar dos largos pulmões da borrasca que tingia o horisonte lugrubre.

Corria o mesmo viver pacato, sem inccidentes ; e apezar dos tregeitos arrebicados, dona Luzia já não achava nelle o tic dos encantos que a imaginação phantasista creava em dias ardentes, cheios de desejos animaes.

Frederico mostrava-se poltrão, um homem sem fogo.

Tinha como post pastum amendoim com leite. Esse aphrodisiaco, porem, não o demovia.

Ao meio dia deitado n'um estrado da varanda, elle saboreava o cigarro vendo os rolosinhos de fumaça subindo em carações diaphanos.

Pelas grades muitas mulatas costureiras trabalhavam.

Ugolino em sua torre de ancias não desejaria um pedaço de carne com mais ardor do que Frederico um olhar de Fantina. Esta andava arisca, fugia das suas vistas como a jurity do gavião que espreita do cimo da bicuyba. Agora de pé atraz de D. Luzia, Fantina estava, dando catunés na cabeça da senhora que lia as Horas Mariannas.

De quando em quando Fantina olhava para o terreiro em busca da estrada, como evocando a sombra de Daniel que havia tantos dias, partira com a tropa.

Na posição em que Fantina estava, Frederico via-a por detraz ; e então, contando os canudos dos cabellos negros como anuns, e vendo o talhe correcto que descia emoldurando contornos exuberantes, cheios de carne macia e quente, revolvia na mente idéas de sensualidade canalha.

— Escapará das garras da raposa a débil franga ?—dizia elle em monologo intimo.

Levantou-se do estrado e foi ver o café que pilavam.

A bôa Boza com o abano collocado sobre os joelhos, soprava os grãos á proporção que o engenho tirava as cascas.

— Então, tia Roza, quanto já fez hoje ?

A velha mulata atirou o café do abano dentro do tanho, e concertando o cumbá com um riso de amisade e respeito, respondeu :

— Sinhô não vê que sua negra anda um pouco fraca ? Já se foi o tempo em que dez alqueires passavam por alli n'um dia ;—e mostrava o abano.

— Qual, você ainda está muito forte. Tempo virá em que você hade viver aqui perio n'uma casinha com seu neto João. Elle como meu campeiro e você como minha criada de pintos.

— Ah ! sinhô, quem sou eu ? Sua negra não tem mais esperança dessas coisas.

Frederico viu chegar o momento de lançar uma semente de fé naquelle coração safaro e combalido pelos sóes dos desenganos amargos.

— Pois se você quizer, tia Roza, fazer uma coisa que eu cá sei, muito breve você fica forra.

A mulata concertou o lenço da cabeça e riu um rir franco e bom, onde passavam os choques de esperanças brancas como capuchos de algodão.

— Tudo quanto sinhô mandar, sua negra está prompta para fazer.

— Então,—disse Frederico correndo o olhar em torno para certificar-se de que não era ouvido,—então quero que me arranje a Fantina. Você deve passar nella a lingua e ver ; se ella quizer, eu prometto liberta-la no dia seguinte.

Veja se o negocio fica era segredo, porque D. Luzia sabendo bufa commigo. E sacodia a cabeça, com as mãos mettidas nos bolços das calças, olhando a velha meio espantada.

A Roza comquanto desse a vida pela liberdade, todavia estranhou a pretenção do senhor casado de fresco.

— O negocio não é de temer,—ajunctou Frederico—; não deixarei acontecer nada a você.

Roza ficou de dar a resposta ao outro dia ; mas desde esse momento não pôde mais trabalhar.

Ficou esmagada sob o peso da liberdade futura como uma formiga debaixo dos tacões d'uma bota.

Afinal, depois de muito esgaravatar no cerebro, como um tatu n'um cemiterio, rutilou no seu espirito uma idéa esplendorosa.

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