Fausto (traduzido por António Feliciano de Castilho)/Quadro XV
O quarto da Margarida.
Cena única
editarMARGARIDA, só, fiando na roca, e cantando
Sinto o coração pesado.
Dias de paz, onde estais?
Ai, descanso abençoado,
nunca, nunca, nunca mais!
Inda não quitei a vida,
e já ’stou na sepultura.
Quem nasceu tão sem ventura,
melhor não fora nascida.
Trago esvaído o juízo,
o coração como louco.
Sempre durastes bem pouco,
horas do meu paraíso.
Sinto o coração pesado.
Dias de paz, onde estais?
Ai, descanso abençoado,
nunca, nunca, nunca mais!
Canso a buscar-te por fora;
canso à janela a esperar-te,
sem ver em nenhuma parte,
nem saber quem te demora.
Que nobre andar! que figura!
que olhar! que riso! e que boca,
donde eu sentia já louca
jorrar caudais de doçura
E aquela mão, que inda vejo
a apertar convulsa a minha
o fogo que ela não tinha!
E o beijo! oh meu Deus, o beijo!
Sinto o coração pesado.
Dias de paz, onde estais?
Ai, descanso abençoado,
nunca, nunca, nunca mais!
Onde estás, que me esvoaço
por colher-te? onde...? não sei.
Se outra vez a ti me abraço,
das angústias que hoje passo
como então me vingarei!
(Levantando-se, e declamando com veemência.)
Prendo-te ao seio,
já sem receio
de te perder.
Farto os desejos
de toda em beijos
me desfazer.