LII
O meu Gato
1
No meu cérebro passeia,
Como em país conquistado,
Um gato, forte e bonito,
Muito meigo e sossegado.
O metal da sua voz
É sempre rico e profundo,
Quer mie baixo, fagueiro,
Quer mie forte, iracundo.
E essa voz, que em mim se infiltra
E corre todo o meu peito,
É p’ra mim um amavio,
Como um soneto bem feito.
Adormece a dor mais funda,
Todos os bens sintetiza;
Para dizer grandes cousas,
De palavras não precisa.
Não existe, certamente.
Arco egual, com tanto geito
P’ra fazer vibrar as cordas
Do violino do meu peito,
Como a tua voz, meu gato
Estranho e misterioso,
Que em tudo lembras um anjo,
Subtil e harmonioso!
2
Seu lindo pelo trigueiro
Tem um olor delicado;
Uma vez, só de afagá-lo,
Fiquei logo perfumado.
É o meu amigo dilecto,
Quem inspira os versos meus,
Quem me julga e me aconselha;
Talvez fada, talvez deus!
Quando os meus olhos no gato
Se fixam, imanizados,
E olho dentro de mim mesmo
Com meus olhos magoados,
Com que surpreza diviso
A pupila refulgente,
— Fanal claro, opala viva,
Fitar-me insistentemente!