Vamos dizer duas palavras sobre uma vida calma e feliz; sobre um dos mais ilustres varões que têm visto a luz da existência no abençoado Império do Brasil.
O Sr. D. Manuel do Monte Rodrigues de Araújo é um dos brasileiros que mais estima, respeito e veneração tem sabido granjear de seus patrícios e de todos que o têm conhecido; seu nome é um título de consideração a que se curvam os grandes e os pequenos, os sábios e os ignorantes; porque aos primeiros fascina com o brilho de seu imenso saber e profunda ciência, e aos segundos atrai com os tesouros da mais bela das virtudes, a caridade, que enche seu nobre coração, sempre disposto a fazer o bem e a lançar o bálsamo da consolação sobre as chagas que acabrunham e dilaceram o espírito de seus irmãos infelizes.
O Brasil deve ufanar-se de possuir em seu seio um homem em quem se reúnem e dão as mãos, para bem da humanidade e do sofrimento, uma ciência e erudição não vulgares e uma virtude angélica tão rara em nosso século, tão rara em nosso país, e muito mais rara ainda em nosso clero desconceituado, e diremos mesmo desmoralizado.
Nós que o não conhecemos de perto, mas que o conhecemos bastante pelas provas públicas que tem dado de sua ciência e de seu saber, e pela voz eloqüente de milhares de infelizes que nunca o encontraram surdo a seus sofrimentos; nós que nunca recebemos dele favor, ou obséquio, sentimo-nos orgulhosos de termos de lançar neste pequeno artigo as primeiras pedras de sua importantíssima biografia; e quando, estudando atentamente as páginas de sua vida voltada ao estudo e à beneficência, soubemos que esse brasileiro ilustre nunca deixou seu país natal, e nele se fez tão grande quanto é, cresceu muito mais de grau o nosso orgulho; porque é uma prova viva de que no Brasil, com os recursos que se tem nesta nação tão jovem, tão criança, já se pode um homem tornar célebre, pelas letras e célebre pela religião.
Os grandes homens dão nome e honram aos lugares em que nascem, e entre nós, que há míngua e falta deles, maior motivo tem para se ensoberbecer de ter servido de berço a esse de quem ora nos ocupamos a muito ilustre e já muito conhecida província de Pernambuco. Foi ali com efeito que nasceu em 1798 o Sr. D. Manuel de Monte, filho legítimo do negociante João Rodrigues de Araújo e de D. Catarina Ferreira de Araújo.
Desde que chegou à idade de poder aplicar-se aos primeiros estudos, seus pais não pouparam coisa alguma capaz de tornar a mais completa possível sua educação literária. Como é muito geral e muito comum entre nós, e principalmente na parte norte do Império, os desejos mais ardentes daquele casal foram que seu filho seguisse a vida sacerdotal; e por isso o confiaram aos cuidados dos padres da Congregação do Oratório, logo que fez no Recife os seus primeiros estudos.
Com esses padres estudou o Sr. Manuel do Monte filosofia, racional e moral, e estudou matemáticos com os religiosos carmelitas.
Continuava o Sr. Monte os seus estudos na cidade do Recife, quando no ano de 1817 rebentou naquela cidade a célebre revolução que arvorou os estandartes da República do Equador, e que tão belas existências crestou sem nenhum proveito resultar daí para o país. Em vista deste acidente inesperado o Sr. Monte deixou aquela cidade, foco principal das desordens que se seguiram à revolução, e passou à cidade de Olinda em companhia de seu irmão mais velho, que tanto como ele pretendia dedicar-se à carreira eclesiástica.
Em Olinda foram os dois irmãos para o seminário episcopal daquela cidade com o fim de se prepararem para satisfazer os desejos de seus pais, e talvez a suas próprias inclinações. Ali o Sr. Monte repetiu alguns estudos que havia feito no Recife e entrou logo no curso de teologia do seminário, onde, por sua inteligência, aplicação ao estudo e boa conduta, teve logo muita aceitação e gozou de grande estima entre os lentes, de modo que apenas concluiu o último ano de teologia, foi encarregado de reger a cadeira de teologia moral, durante a ausência do lente proprietário que se achava com licença.
No seguinte ano chegou o Sr. Monte ao fim desejado de seus trabalhos escolares, e deu à sua mãe o prazer de satisfazer a sua vontade, realizando sua ordenação de presbítero. A ordenação não pôde ter lugar em Olinda, porque naquele tempo achava-se vaga a diocese de Pernambuco; em vista disto veio o Sr. Monte ao Rio de Janeiro e recebeu a unção sacerdotal das mãos do digno prelado que então era bispo desta diocese, o Exmº Sr. D. José Caetano da Silva Coutinho.
Este fato teve lugar a 17 de fevereiro de 1822, e logo que o Sr. Monte recebeu unção sacerdotal, partiu para sua província, onde obteve em propriedade a cadeira de teologia moral, que já interinamente havia regido, em cujo concurso mostrou que havia de ser um dia um dos mais brilhantes talentos do nosso clero.
O novo padre e novo lente dividiu sua existência no desempenho dos deveres que aqueles dois cargos lhe impunham e assim se conservou até que um acontecimento inesperado veio modificar seu teor da vida; a província que o viu nascer e desenvolver em seu seio sua poderosa inteligência quis mostrar-lhe que Pernambuco sabe animar e acoroçoar os esforços de seus filhos, tanto quanto galardoar seu merecimento, elegendo-o seu representante à Assembléia Geral Legislativa. Por esse motivo deixou o Sr. Monte sua província e veio em 1837 para o Rio de Janeiro onde se fez logo muito conhecido e notado como clérigo instruído e virtuoso; o que levou o Regente, em nome do Imperador, a escolhê-lo de preferência a qualquer outro para ocupar a cadeira episcopal da diocese do Rio de Janeiro, vaga por morte de seu bispo.
Esta escolha tão lisonjeira para o Sr. Monte, quanto feliz para os diocesanos do Rio de Janeiro, foi feita por decreto de 10 de fevereiro de 1839, e confirmada pelo Sr. Pontífice Gregório XVI, por bula de 23 de dezembro do mesmo ano.
Logo que terminou a legislatura a que pertencera por eleição de Pernambuco, e que se procedeu à eleição para a seguinte, o Rio de Janeiro apressou-se em escolhê-lo para seu deputado, e conquanto nunca mais o reelegesse por não ser ele homem que servisse para as lutas políticas, não deixou contudo esta província de mostrar-lhe sempre todo o acatamento e respeito que é devido a suas eminentes qualidades.
O bispo do Rio de Janeiro não confia a pessoa alguma os negócios de sua diocese; por si mesmo faz tudo, e tudo quer ver e decidir segundo seu modo de pensar; é para lastimar que um homem tão distinto e tão bem intencionado não seja dotado de um pouco de energia com que pudesse fazer frente e destruir esses concertos de vícios e imoralidades que por todo o país lavram sobre o clero, mas que sem dúvida em nenhuma parte com tanta força como no Rio de Janeiro.
Um bispo deve ter um coração bom, caridoso e sempre disposto a desculpar e a perdoar, como o tem o Sr. D. Manuel; mas um bispo para ser completo deve ter também muita energia e severidade, para não permitir que o rebanho que foi confiado, e principalmente que os pastores que dirigem esse rebanho e que estão debaixo de suas ordens, se desmandem da senda do dever e animem com seus exemplos e inclinação tão pronunciada do século para a incredulidade, e mesmo para a impiedade.
Esta última qualidade feita completamente ao bispo do Rio de Janeiro não é culpa dele; dotado de um coração eminentemente cristão, ele não sabe ter palavras ásperas para ninguém; quer corrigir com seus exemplos de virtude e com seus sábios conselhos, e esse é todo o seu erro; porque os homens que não são naturalmente bons, uma vez desviados do bom caminho, não voltam a ele senão pelo receio do castigo, e conquanto este móvel não possa fazer bons clérigos, fará contudo que eles não dêem escândalos públicos que partindo dos guardas da religião lhe tiram todo o prestígio aos olhos das massas, que a vêem senão nos atos de seus ministros sagrados pela Igreja.
S. M. o Imperador tem estendido sobre o Sr. Bispo do Rio de Janeiro sua magnificência nomeando-o capelão-mor de sua augusta pessoa e família, dando-lhe o título de Conde de Irajá e condecorando-o com diversas ordens nacionais.
O SS. Padre Pio IX nomeou-o seu prelado doméstico e assistente do sólio pontifício.
S. Exª Revma., além de todos os bens que tem feito à sua diocese, prestou a todo o país um grande valor publicando, em graça do clero brasileiro e no empenho de ampliar sua ilustração, diversas obras, como são o muito afamado Compêndio de Teologia Moral, e os Elementos do Direito Canônico.