Galeria dos Brasileiros Ilustres/D. Pedro II

A importância imensa ligada pelos reis de Portugal ao comércio da Ásia e África foi a causa do desprezo em que jazeu o Brasil durante os primeiros tempos de sua descoberta. A Providência condoída da triste sorte dos brasileiros inflama-lhes no peito o sagrado fogo do patriotismo, e indica-lhes os brilhantes resultados que para sua pátria deviam provir, se porventura aos raios do sol da liberdade se fundissem as algemas que apertavam os robustos pulsos do futuro gigante da América.

Em 1790 ecoou nas virgens florestas do Brasil o primeiro grito de Independência. Os patíbulos são levantados, e as portas das prisões escancaradas diante dos patriotas que em Vila Rica ousaram erguer o pavilhão de uma nacionalidade.

O povo estorce-se nas dores do desespero; não possui recursos poderosos que importem a realização do seu desiderato, e considera as hecatombes o prêmio daqueles que protestam contra a egoística política da metrópole.

Um grande acontecimento traz o alívio das vítimas oferecidas em holocausto nos altares da pátria. As invencíveis águias da França pairam no horizonte lusitano, e a família real, amedrontada diante da bandeira tricolor que tremulava na egrégia cidadela de Afonso Henriques, busca um asilo seguro na terra de Cabral.

O entusiasmo dos brasileiros foi unânime e excessivo, e viram na chegada da Casa de Bragança a primeira pedra levantada para a inauguração do edifício da independência da colônia.

D. João VI, a quem se confiara o governo da nação em con-seqüência do estado desgraçado de sua mãe, sela a sua administração com o estabelecimento das mais úteis instituições.

Em 1815 é o Brasil elevado à categoria de reino. Em 1821 volta D. João VI para Portugal, e deixa seu filho D. Pedro revestido da autoridade de príncipe regente.

Pouco tempo antes havia D. Pedro desposado a arquiduquesa de Áustria D. Leopoldina, filha distinta dos césares, e irmã da segunda esposa de Napoleão. Esta aliança encheu de júbilo a nação, e enquanto Napoleão expiava em Santa Helena o crime de plantar na Europa inteira a árvore da liberdade constitucional, D. Pedro principiava a gloriosa cruzada de conquistar a Independência do Brasil.

O dia 9 de janeiro de 1822 foi o crepúsculo brilhante que precedeu ao dia 7 de setembro. O povo embriaga-se de prazer nos festins celebrados por ocasião da independência do Império, e no meio dos epicênios entoados em honra do imperador, pede a convocação de uma Constituinte que formule a Constituição política da nação. Razões que por agora não queremos analisar levaram D. Pedro a dissolvê-la, e a 25 de março de 1824 é jurada a Constituição que hoje nos rege.

O brado heróico proferido pelo fundador do Império nas virgens campinas do Ipiranga ecoava ainda na amplidão do espaço, e as aclamações com que o povo havia colhido a Constituição política da nação repercutiam na imensidade dos mares, quando a Providência, vindo em auxílio dos brasileiros já cansados de sofrer as torturas do absolutismo, que apenas se enfraquecera aos primeiros raios da luz da liberdade constitucional, concede-lhes a 2 dezembro de 1825 o verdadeiro penhor da prosperidade do Brasil. O nascimento do senhor D. Pedro II marca uma época importante nos Anais da nossa história política. Os mártires de 1824 condenaram os excessos da realeza, mas em breve a aurora do dia 2 de dezembro, que a história da humanidade assinala como um dos mais célebres da vida dos povos, irradia-lhes a mente. Aqueles que no patíbulo expiaram o crime de 1824 lavam com seu sangue o trono imperial das nódoas da iniqüidade e orgulham-se de ver refulgir no diadema real a esperança de jamais serem calcados os direitos do cidadão, e aniquiladas as garantias do povo. Aqueles que por mais felizes escaparam da morte saúdam a aurora desse dia memorável que para sempre afugentou as trevas do absolutismo que de vez em quando toldavam o horizonte do Brasil, e que assegurou o futuro brilhante da nação.

D. Pedro, circundado dos patrióticos ministros de 1822, havia-se posto à testa do movimento glorioso da nossa Independência, e acedido aos desejos do povo, que prosternado aos pés do imortal fundador do Império pedia-lhe a convocação de uma Constituinte que desse aos brasileiros as tábuas sagradas de uma nova lei. As cadeias do cativeiro esfarelaram-se ao sopro das auras livres dos nossos bosques.

Com razão, os respeitáveis heróis da Constituinte desconfiaram do imperador, quando chamou para substituir aos ministros de 22 homens que se tinham mostrados contrários à nossa Independência. Não pretendemos justificar a oposição virulenta que a Assembléia Nacional declarou ao novo Ministério: a imparcialidade nos aconselha a dizer que a situação melindrosa em que se achava o Brasil foi a causa desse receio e desconfiança que os deputados constituintes manifestaram pela volta ao antigo sistema governativo.

A inauguração de uma forma de governo compatível com a dignidade do homem e com os brios de um povo que, embora por muito tempo escravo, soubera sempre amar a liberdade, era uma necessidade palpitante. As hecatombes que precederam ao triunfo da nossa emancipação política, ao passo que comprovam essa tendência que os povos do Brasil patentearam desde as mais remotas eras para a aquisição dos foros de nação livre, eram também o obstáculo maior que se opunha à organização de um gabinete, composto de homens que outrora se disseram infensos à nossa Independência. Não era, pois, de estranhar que os filhos prediletos da nação se embriagassem nos festins celebrados em louvor da nossa primeira conquista, e deixassem escapar no recinto sagrado da assembléia popular palavras que de algum modo ofendessem o prestígio da autoridade. Quando é breve o triunfo de uma empresa custosa, são desculpáveis os desvarios dos vencedores.

D. Pedro, acercado de homens que aos olhos do povo mereciam o título de criminosos de lesa-pátria, dissolve a convenção nacional, e justifica seu procedimento com o receio de ver a Constituinte brasileira transformada em arena dos mais perigosos anarquistas. Aqueles que, ao lado de D. Pedro, assistiram à Independência do Brasil são retirados da cena pública e lançados em galeões para serem transportados às mais ignotas praias.

O povo desgosta-se do imperador, a revolução eleva seu colo altivo, e embora por algum tempo sufocada, rebenta com maior estridor.

Estava talvez marcada a hora em que D. Pedro devia deixar o manto imperial que há pouco sobre seus ombros desdobrara o povo. Estava talvez marcada a hora em que D. Pedro devia entregar a coroa e o cetro do Brasil que a nação lhe oferecera em galardão dos serviços relevantes que prestara ao florescente império.

O dia 7 de abril de 1831 foi a conseqüência da dissolução da Constituinte. Os ministros que aconselharam ao imperador as medidas violentas de 1823 foram os primeiros autores da sua abdicação. Em vez de terem recuado diante dos bastiões levantados pelo povo, provocaram instantemente as iras da nação.

Em breve se não respeita mais a pessoa do imperador, que ofendido em sua dignidade conserva no poder aqueles de quem o povo se queixava. A retirada do Ministério teria salvado o Brasil da hidra revolucionária, a sua conservação irritou os ânimos de maneira tal que a nação considerou o imperador a causa dos males que a afligiam.

Se os ministros de D. Pedro tivessem procedido como aconselhava o bem do Brasil, teria sido possível a conciliação entre o imperador e o povo.

Hoje o historiador imparcial pode proferir um juízo certo sobre os acontecimentos de 1831. Se de um lado D. Pedro devia atender às reclamações da nação, de outro lado o povo não devia concorrer para que ele renunciasse a um trono que lhe fora oferecido em homenagem dos feitos por ele obrados em prol da Independência do Império.

A abdicação de D. Pedro foi o abismo mais perigoso cavado aos pés do povo. A morte de D. Leopoldina cobriu os príncipes com as vestes da orfandade: a renúncia de D. Pedro abandonou-se à generosidade do povo. Por direito de sucessão o trono imperial competia ao Sr. D. Pedro II. Entretanto as paixões políticas dominavam o coração dos revolucionários. Três partidos disputavam a palma da vitória.

D. Pedro havia deixado seu filho com a idade de 6 anos, e nomeado seu tutor ao patriota José Bonifácio de Andrada e Silva. A uma regência composta de três distintos cidadãos confiou-se na forma da lei o destino do Brasil, e a escolha de Diogo Antônio Feijó para ministro da Justiça foi anunciada como presságio da salvação de nossas instituições. Os absolutistas e republicanos foram exterminados; e os defensores da Constituição elevados aos fastígios das posições do estado.

O partido moderado proclama a vitória, e vai além do que convinha à integridade e segurança do estado. Concede-se às províncias uma liberdade ampla de ação, e declara-se eletivo o cargo de regente, quando não haja membro da família reinante que o ocupe.

O povo saúda o triunfo da monarquia, e nas praças públicas apregoa como Imperador aquele que pela Constituição devia suceder a D. Pedro I. Os inimigos do princípio da hereditariedade vêem no movimento de 31 a imagem eloqüente de uma eleição popular, e consideram o governo do Sr. D. Pedro II antes filho do sufrágio universal do que do direito de sucessão.

Diogo Antônio Feijó, a quem com razão se denomina o salvador do Império, é escolhido regente. Em breve a assembléia geral de-clara-lhe uma oposição violenta e obriga-o a renúncia à regência. É eleito para substituí-lo o Sr. Pedro de Araújo Lima, hoje marquês de Olinda. Não tardou muito que a representação nacional se manifestasse contra seu governo.

O decênio das regências foi um complexo de calamidades que pesaram sobre o Brasil. Com razão esperava o povo com ansiedade a época em que o Sr. D. Pedro II tomasse as rédeas do governo. Os desmandos da regência, e o desejo ardente que os representantes da nação manifestavam pela maioridade do jovem Imperador apressaram esse importante acontecimento. O deputado Antônio Carlos pede a maioridade do Sr. D. Pedro II. O povo acompanha-o nesse louvável procedimento, e o — quero já — proferido pelo nosso atual imperador leva a assembléia geral a colocá-lo à testa dos negócios públicos no dia 23 de julho de 1841, pressagiou o verdadeiro reinado da liberdade constitucional.

As províncias do Império, que há muito lutavam com a hidra da revolução, buscam abrigo à sombra do trono imperial. A anistia é o conforto que o monarca concede àqueles que nos cárceres sofriam os tormentos de uma condenação por faltas dignas da compaixão pública. Enfim, o manto imperial protege todos os brasileiros, e estimula-os a amarem-se como irmãos. O Sr. D. Pedro II coloca-se acima das paixões políticas. Chama indistintamente para o Ministério homens das diversas parcialidades, e desgostoso das exagerações de partido que em 1842 e 1848 foram causa de guerras civis, arvora o pavilhão de uma política nova, que acabará com os excessos dos partidos políticos e concorrerá para que os brasileiros perpetuamente se congracem.

Casou o Sr. D. Pedro II por procuração em 30 de maio de 1843, e recebeu as bênçãos em 4 de setembro do mesmo ano, com S. M. a Srª Teresa Cristina Maria.

A Providência abençoou esta feliz união, concedendo a SS. MM. II quatro filhos: os príncipes Afonso e Pedro, e as princesas Isabel e Leopoldina. Quis a fatalidade que em breve fossem chamados aos céus os dois príncipes. Existem as duas princesas, que formam as delícias dos seus augustos pais.

Os atos da vida pública do Sr. D. Pedro II atestam sua capacidade intelectual e uma erudição invejável. As nações estrangeiras consid-eram-no como um dos mais ilustrados monarcas.

É o primeiro a colocar-se à testa de todo o movimento literário e industrial inaugurado no Império, e um protetor extremo das ciências, letras e artes. Não há dia em que o Sr. D. Pedro II não honre com sua presença alguma das faculdades da corte, alguma associação literária, e constantemente visita aqueles colégios que mais serviços têm prestado à educação e instrução dos brasileiros confiados à solicitude dos seus diretores.

A bolsa do nosso Imperador abre-se sempre ao pobre que lhe suplica uma esmola. Milhares de famílias de servidores do estado dirigem fervorosas súplicas ao Onipotente pela conservação da vida daquele que por meio de pensões lhes mitiga os sofrimentos que infelizmente ainda hoje cabem às mulheres e filhas dos homens encanecidos nos serviços da pátria.

Nos dias de epidemia, vai consolar em sua choupana o filho ingrato da fortuna que se estorce de dor no seu leito de palha; visita os diferentes hospitais, e ordena que parte de sua insignificante dotação seja distribuída pela classe pobre.