Galeria dos Brasileiros Ilustres/José Maria da Silva Paranhos

O conselheiro José Maria da Silva Paranhos nasceu na província da Bahia, em 16 de março de 1819. Seu pai, Agostinho da Silva Paranhos, oriundo de Portugal, mereceu naquela província, assim como seus irmãos, o título de negociante honrado e filantrópico.

Ainda no verdor dos anos, o Conselheiro Paranhos achou-se órfão dos entes que lhe deram a existência, perdendo primeiro seu desvelado pai, e não muitos anos depois sua carinhosa mãe D. Josefa Emer-enciana de Barreiros Paranhos. A estas duas perdas irreparáveis jun-taram-se outras circunstâncias, filhas das injustiças e vicissitudes, tão freqüentes neste mundo, e aquele que nascera em meio de riqueza passou subitamente à condição sempre difícil do pobre que aspira a uma vida honesta e não obscura.

Graças ao espírito de que o dotou a Providência, aos cuidados do seu ilustre tio, o coronel de engenheiros Eusébio Gomes Barreiros, habilitou-se em tempo com os estudos de humanidades para a carreira das ciências e da administração em que tão cedo se distinguiu.

No ano de 1836 matriculou-se na Academia da Marinha do Rio de Janeiro, na qual primou entre os seus condiscípulos, por um comportamento exemplar, raro talento e incessante aplicação. É prova de sua proficiência e indefesso estudo a circunstância de ter sido ao mesmo tempo discípulo e mestre, professando como explicador as doutrinas dos anos em que acaba de obter aprovação.

Em 1844 foi nomeado lente substituto da academia onde assim se havia assinalado, e na mesma categoria passou no ano seguinte para a escola militar do Império, cujas aulas cursara com igual distinção. Em 1848, foi elevado a lente catedrático do 6º ano um dos principais redatores do periódico Novo Tempo, que defendeu com talento e dedicação o Ministério de 2 de fevereiro desse ano, cujo vulto mais preeminente era o do ilustre estadista Manuel Alves Branco, depois visconde de Caravelas.

Conhecida a sua nova vocação às qualidades que na carreira política lhe prometiam iguais triunfos, foi recomendado por vários amigos aos eleitores fluminenses, cujos sufrágios lhe deram assento na As-sembléia Legislativa da província.

Logo depois foi nomeado secretário e vice-presidente da mesma província do Rio de Janeiro, lugares que serviu com tanta honradez, tino e aptidão, que granjeou a estima e consideração de amigos e adversários. Era então presidente da província do Rio de Janeiro o falecido conselheiro Aureliano de Sousa e Oliveira Coutinho, mais tarde visconde de Sepetiba, cuja amizade adquiriu por seu merecimento e lealdade, recebendo do chefe e amigo os mais invejáveis elogios. Foi por esse tempo agraciado com o oficialato da Ordem Imperial da Rosa.

Eleito em 1847 deputado à assembléia geral legislativa pela província do Rio de Janeiro, tomou assento entre a maioria parlamentar de 1848, recomendando-se por alguns discursos, e por seus trabalhos na Comissão de Marinha e Guerra.

A mudança política operada na alta administração do país, em fins da sessão legislativa de 1848, sendo iniciada pelo adiamento da câmara temporária, que mais tarde foi dissolvida, levou outra vez o jovem lidador às penosas tarefas da imprensa. Como redator-em-chefe do Correio Mercantil a par da primeira folha diária do Rio de Janeiro, o esforçado partidário cansou, e retirou-se por algum tempo da arena política. A imprensa é, porém, uma dama de quem jamais pode fugir inteiramente aquele que uma vez lhe provou os encantos. Nessa trégua política, nesses momentos talvez de fastio e desencanto, o ex-redator liberal aceitou uma parte distinta na redação do Jornal do Comércio, quando este gigante da imprensa brasileira se conservava estranho e inacessível às questões de política interna.

Nessa posição foi encontrar o insigne estadista Honório Her-meto Carneiro Leão, depois marquês de Paraná, quando o convidou e conseguiu que ele o acompanhasse aos estados do Prata na qualidade de seu secretário. Escolha honrosa para ambos: para o estadista, porque aproveitava o mérito em um de seus antigos adversários, a quem nem ao menos conhecia pessoalmente; para o jovem esperançoso, porque assim recebia o mais valioso título de seu nobre caráter e de sua privilegiada inteligência.

A missão especial confiada àquele estadista brasileiro, de saudosa memória, teve por objeto, como se sabe, negociar uma aliança que em poucos meses deu por terra com o poder do feroz ditador da República Argentina, açoite de uma e outra margem do Prata. O secretário dessa missão especial foi colaborador tão prestante e amigo do seu ilustre chefe, que dele mereceu os mais expansivos elogios e uma amizade a mais extremosa.

Aquilatado o seu mérito por tão distinto mestre, e por outra autoridade não menos competente, o Conselheiro Paulino José Soares de Sousa, hoje visconde de Uruguai, que a esse tempo dirigia a política exterior do Brasil, passou de secretário a chefe da legação imperial em Montevidéu, na categoria de ministro residente. Foi o sucessor do seu próprio chefe, e os relatórios do Ministério dos Negócios Estrangeiros de 1853 a 1854 mostram que correspondeu dignamente a tão honrosa confiança. Aos seus serviços no rio da Prata deve a comenda da Imperial Ordem da Rosa que ganhou em 1852.

Organizando um gabinete em 4 de setembro de 1853 o marquês de Paraná, a cujo apreço e amizade devia principalmente o seu antigo secretário a eleição de deputado geral pela província do Rio de Janeiro, convidou-o para seu colega, reservando-lhe a pasta da Marinha.

Ministro e secretário de estado dos Negócios da Marinha, foi honrado pelos eleitores fluminenses com uma brilhante reeleição, e ele por sua parte, na Câmara e no gabinete ministerial, confirmou o seu bem estabelecido crédito de homem laborioso, e revelou aptidões próprias do alto posto em que o haviam colocado a confiança da Coroa, a justiça e a estima de seu generoso amigo.

Como ministro da Marinha, desde 14 de dezembro de 1853 até aos primeiros dias de junho de 1855, os seus relatórios, que foram louvados até pelos mais extremos adversários do gabinete a que pertencia, atestam os conhecimentos profissionais que adquirira em sua primeira carreira, um profundo estudo das necessidades desse ramo da pública administração, e um tato raro em descobrir-lhes o verdadeiro remédio.

O projeto de promoções que apresentou na Câmara dos Deputados, as medidas que solicitou e obteve do corpo legislativo, os vários regulamentos que promulgou, e não poucos projetos de reforma que passou já mui adiantados a seu sucessor comprovam a figura proeminente que o nosso contemporâneo representou na direção do Ministério da Marinha.

Entre os regulamentos a que acima aludimos, citaremos os que criaram companhias de aprendizes marinheiros no Paraná e na Bahia, sementes que prometem preciosos frutos à armada imperial; os que marcam os prazos de serviços, acessos, soldos e outras vantagens das classes dos imperiais marinheiros avulsos; finalmente, aquele por que hoje são feitos os alistamentos de voluntários e recrutas para as equipagens de guerra.

Em junho de 1855, passando por uma recomposição o gabinete Paraná, coube ao digno administrador da Marinha substituir ao seu colega demissionário, visconde de Abaeté, no Ministério dos Negócios Estrangeiros.

As circunstâncias em que esta mudança teve lugar e a importância daquele nome tornavam a posição do novo ministro dos Negócios Estrangeiros sumamente difícil. O conselheiro Paranhos, porém, soube sair triunfante dessa nova experiência, e desde então, dentro e fora do Império, é considerado como um verdadeiro homem de estado.

Aquele que, como ministro da Marinha, havia sem o menor estrépito, e com o maior zelo e acerto possível, preparado uma luzida expedição naval, para apoiar a missão diplomática enviada em 1855 à República do Paraguai, como ministro dos Negócios Estrangeiros teve de procurar uma solução pacífica e honrosa das questões pendentes com esse estado, e logrou o seu empenho por modo mui distinto.

O Tratado de Amizade, Navegação e Comércio de 6 de abril de 1856, e os protocolos dessa longa e porfiada negociação, serão a todo o tempo um título de glória para o plenipotenciário brasileiro, que destarte evitou a guerra que se mostrava iminente, e abriu as portas do rio Paraguai à rica e infeliz província de Mato Grosso.

Ao mesmo tempo que pessoalmente desempenhava tão árdua tarefa, o nosso ministro dos Negócios Estrangeiros tinha sua atenção aplicada a outros interesses de não menor importância, e pôde ligar o seu nome com o ilustrado visconde de Abaeté no tratado de 7 de março de 1856, que assentou em novas e sólidas bases as relações entre o Brasil e a Confederação Argentina.

A interminável querela do tráfico de escravos motivou por esse tempo uma das mais renhidas e desagradáveis discussões com a Legação Britânica. A dignidade, moderação, e habilidade com que o conselheiro Paranhos sustentou o nosso decoro e os nossos direitos excitaram o respeito dos próprios ingleses em Londres. Por aí correm impressas as nobres e honrosas palavras com que Lorde Malmesbury apreciou o protesto do ministro dos Negócios Estrangeiros do Brasil contra a nova ameaça de que foi órgão em 1856, o Sr. William Jerningham, encarregado de negócios de Sua Majestade Britânica.

A morte do ilustre marquês de Paraná sujeitou, em fins de 1856, o gabinete por ele organizado a uma segunda modificação, na qual coube ao Conselheiro Paranhos o duplo encargo de ministro dos Negócios Estrangeiros, e de ministro interino da Marinha. A sua volta ao ministério, que tão bem dirigira até junho de 1855, ainda que interina e passageira, não foi estéril.

Nessa curta interinidade, sobrecarregado com os graves assuntos das relações exteriores do Império, membro de um gabinete cuja missão estava a findar, teve ele tempo bastante para levar a efeito o importante projeto da conclusão do dique da Ilha das Cobras, formular a reforma do corpo de saúde da armada e dos oficiais da fazenda, e dar organização às classes dos artistas dos vapores de guerra; trabalhos que foram honrados com a aceitação do seu ilustrado sucessor, e por este concluídos e promulgados.

Em 1857 foi reeleito deputado à assembléia geral pelo 2º distrito do município da corte; justo galardão de tantos serviços prestados na alta administração do país, da qual retirou-se com os seus colegas logo depois da abertura da primeira sessão da atual legislatura. Está ainda na memória de todos o seu nobre procedimento como deputado e ex-ministro defendendo os atos da administração a que pertenceu, o crédito de seus colegas como o seu próprio.

Atualmente acha-se o Conselheiro Paranhos fora de sua pátria concluindo uma das mais importantes missões diplomáticas de que haja exemplo entre nós. As dificuldades suscitadas entre o Império e a República do Paraguai, dificuldades em que a guerra parcial era inevitável, foram o objeto principal confiado ao zelo e habilidade do nosso diplomata.

Já se sabe que ele conseguiu conjurar tão lamentável calamidade entre dois povos vizinhos, chamados por sua posição e interesses a cultivar estreita amizade, e que o conseguiu por modo que a todos surpreendeu. Não só obteve a exata observância das estipulações vigentes, pelas quais reclamamos, mas até que fossem elas ampliadas no sentido o mais amigável e vantajoso aos interesses do Brasil e das demais nações.

Além deste verdadeiro triunfo diplomático, o plenipotenciário brasileiro celebrou uma convenção fluvial, um tratado de limites e outro de extradição com a Confederação Argentina, ao que só por si tornariam a sua missão uma das mais férteis e úteis ao Império.

As demonstrações de simpatia e apreço que o Conselheiro Paranhos acaba de receber entre os estados do Prata, assim dos governos junto aos quais foi acreditado, como das populações entre as quais pôde exibir os dotes do seu espírito, e a amenidade do seu caráter, são o mais completo elogio do seu mérito e de suas distintas qualidades.

Tão relevantes serviços, com tanta dedicação, perícia e felicidade prestados ao Brasil, já mereceram do augusto monarca brasileiro uma demonstração altamente honrosa, sendo conferidas ao distinto diplomata as insígnias de dignitário da Ordem Imperial do Cruzeiro.

O Conselheiro Paranhos é grã-cruz de Santana de 1ª classe da Rússia, sócio do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil e da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional, presidente honorário da Sociedade Universal Promotora das Artes e Indústria de Londres, etc.

Reunindo a todos estes títulos, que o recomendam à estima e consideração social, as suas excelentes qualidades como esposo, pai, irmão e amigo, completamos a breve notícia e elogio que nos propusemos escrever acerca da vida e serviços desse ilustre contemporâneo.