Galeria dos Brasileiros Ilustres/Marquês de Caravelas

José Joaquim Carneiro de Campos nasceu a 4 de março de 1768, na cidade de S. Salvador da província da Bahia, filho legítimo de piedosos me pais, D. Custódia Maria do Sacramento, natural da mesma cidade, e de José Carneiro de Campos, natural da província do Douro e Minho em Portugal, negociante matriculado da praça da Bahia. Desde os seus primeiros anos estes o educaram com o propósito de o destinarem à vida eclesiástica, e para este fim o fizeram entrar no mosteiro de S. Bento daquela cidade, onde completou seus estudos até tomar ordens e poder ser monge beneditino; mas, não sendo essa a sua vocação, obteve de seus pais faculdade para ir ao reino de Portugal cursar as aulas de direito na Universidade de Coimbra, onde recebeu o grau de bacharel.

Completos seus estudos, voltou para Lisboa, capital do reino, e aí adquiriu a amizade do muito distinto e benemérito D. Rodrigo de Sousa Coutinho, depois conde de Linhares, amigo e protetor dos talentos e merecimentos de todos os brasileiros que iam àquele reino.

O conde de Linhares, apreciador do merecimento de José Joaquim Carneiro de Campos, o convidou para mestre de seus filhos, encargo que desempenhou com o maior esmero.

Foi nomeado para oficial da secretaria de estado da Fazenda daquele reino, lugar que serviu até a partida do Sr. D. João VI para o Brasil, para onde foi chamado pelo dito conde, e mandado servir na Secretaria de Estado dos Negócios do Reino, criada no Rio de Janeiro, sede do governo português.

Vagando o lugar de oficial-maior, era tal o distinto merecimento de José Joaquim Carneiro de Campos, que foi imediatamente para ele nomeado. Os seus serviços foram sempre louvados pelo Sr. D. João VI da maneira a mais pública; porquanto o condecorou com a comenda da ordem de Cristo, com o hábito de cavaleiro de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa e com o título de conselho, tendo além disso recebido do imperador d'Áustria Francisco I a comenda da ordem da Coroa de Ferro, por haver lavrado o auto dos esponsais da virtuosa e magnânima imperatriz do Brasil a Srª D. Leopoldina, de saudosa memória, com S. A. R. o Sr. D. Pedro, príncipe real do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves.

Voltando S. M. el-rei D. João VI para Portugal, foi servido este augusto monarca nomeá-lo conselheiro da Fazenda, tribunal então existente na capital do Reino Unido, cargo que exerceu então até à nova ordem política que surgiu no Império.

Foi eleito pela província de seu nascimento deputado à Assembléia Constituinte convocada pelo Sr. D. Pedro I. Na tribuna parlamentar ele fez aparecer a vasta cópia de conhecimentos políticos que causaram admiração geral e o colocaram no número dos brasileiros mais doutos.

Chamado ao Ministério do império, encarregado da pasta dos Negócios Estrangeiros, desempenhou com zelo e acerto as árduas funções destes cargos, até que pediu a sua demissão antes da dissolução da Assembléia Constituinte em 11 de novembro de 1823.

Nomeado conselheiro de estado logo depois daquele ato, teve a subida honra de que o Imperador o Sr. D. Pedro I, de gloriosa memória, tendo prometido uma Constituição mais liberal do que a que se discutia na referida assembléia, dignou-se entregar-lhe um projeto da nova Constituição por ele redigido, com o qual cumpria religiosamente a sua imperial palavra; mas com a bondade que o caracterizava, pediu a José Joaquim Carneiro de Campos que aproveitasse do mesmo projeto tudo aquilo que julgasse conveniente a bem do país. Era tal o empenho que ele tinha de ver concluída esta difícil e grandiosa obra, que dirigiu-se várias vezes para aquele fim à sua casa. Existem ainda contemporâneos que podem asseverar este fato.

Tendo José Joaquim Carneiro de Campos conferenciado com os outros conselheiros de estado, trabalhou com toda a atividade e esmero durante oito dias no projeto da nova Constituição, que sendo aprovado pelo Imperador o Sr. D. Pedro I e oferecido às câmaras municipais do Brasil que o aceitaram, foi jurado em 25 de março de 1826 como a Constituição do império, que felizmente ainda subsiste, sendo a causa principal da união, tranqüilidade e prosperidade do Brasil. Sábios estrangeiros a têm louvado, reputando-a como uma das melhores que existem.

Bastava este incomensurável serviço para recomendar o nome de José Joaquim Carneiro de Campos à mais remota posteridade; mas a Providência nos seus importantes desígnios o reservava para ainda torná-lo benemérito da pátria.

Sendo eleito senador pela província da Bahia, sua pátria, continuou a fazer brilhar sua vastíssima erudição nos discursos que proferiu sobre as mais graves matérias, apresentando a sua opinião com franqueza e sem contemplações humanas; visto como José Joaquim Carneiro de Campos era um daqueles que estava firme na regra de que cada um deve preencher o seu dever sem se embaraçar com o resultado. Este nobre procedimento não podia deixar de merecer todo o respeito e contemplação; e por isso, quando o Sr. D. Pedro I abdicou a coroa do Brasil em seu augusto filho, foi ele por votação especial e quase unânime da assembléia geral dos representantes da nação, nomeado membro da regência provisória. Esta nomeação foi recebida com geral aplauso, e muito contribuiu para tranqüilizar os ânimos então mui agitados.

Condecorado com a insígnia de dignitário da imperial ordem do Cruzeiro pelo Sr. D. Pedro I, foi também elevado aos títulos de visconde e marquês de Caravelas. Faleceu na corte do Rio de Janeiro em 8 de setembro de 1836, de idade de 68 anos, 6 meses e 4 dias, não deixando fortuna alguma, porque, rígido observador dos deveres da honra, contentou-se com os honorários de conselheiro de estado e senador, que apenas chegavam para uma decente subsistência.

A sua afabilidade e bondade de alma lhe granjearam as simpatias de todos que tiveram a fortuna de freqüentá-lo. Seus parentes e amigos prantearam com a mais acerba dor tão irreparável perda.

Pode-se-lhe bem aplicar o que disse o insígne historiador Tácito do seu sogro Agrícola: Bonum virum facili crederes, magnum libenter.