Galeria dos Brasileiros Ilustres/Visconde de Jequitinhonha
Escrevendo o esboço histórico de Washington disse o Sr. Guizot: "Duas coisas grandes e difíceis são de dever para o homem, e podem fazer a sua glória: suportar a desgraça, e a ela resignar-se com firmeza; crer no bem, e nele confiar com perseverança".
Nestas poucas palavras do célebre literato político eu vejo resumida toda a grande existência do homem público, cuja biografia pretendo escrever com a exatidão e a verdade que a história me impõe.
Os grandes combatentes na arena política da Europa, e dos Estados Unidos da América, não se podem comparar com os nossos, quando consideramos as dificuldades com que se luta num país em que as populações são disseminadas, os interesses desligados, e as idéias políticas mal compreendidas. A política na Europa é manobrada com todos os recursos dos governos representativos, o homem político tem só uma grande necessidade — o merecimento grande. Orador, fala às turbas imensas e unidas por interesse e sentimentos iguais, arrasta-as e vence. Não é assim no Brasil. Não temos o hábito das grandes assembléias do povo, nem a educação política. O tempo consumido em mil distrações e na ociosidade dos povos tropicais mal chega para o arranjo dos negócios particulares. A política é um acidente neste país. É verdade que presentemente se começa uma revolução moral no espírito público no sentido de preocupá-lo com as soluções políticas, pois que nestes últimos anos ainda os mais indiferentes sofreram a sanção de seu abandono sendo comprometidos nos seus mais avultados interesses.
É preciso ter uma resignação inesgotável e uma coragem inteira para o sofrimento, se se quer sustentar o peso da nossa política, que força o homem público a discutir, e persuadir indivíduo por indivíduo, e animar a uns, e a atrair a outros. Estes trabalhos minuciosos consomem o tempo, e afadigam os espíritos ainda os mais robustos, e os distraem dos estudos.
Nos grandes povos os partidos combatem com grandes exércitos, de maneira que os ódios e os ciúmes particulares não se apresentam, ou pelo menos se não fazem sentir. Entre nós não se verificou essa identidade de crenças e sentimentos. O homem político tem muitas vezes necessidade de defender-se, e repelir as injúrias e as calúnias individuais que não interessam ao povo, de maneira que ele também se julgue ofendido. Na Europa os homens políticos defendem e repelem as injúrias e as calúnias lançadas por um partido a outro; e essas defesas e ataques são verdadeiros acontecimentos públicos.
Remonte-se o leitor ao ano de 1822 no Brasil, no teatro da guerra a mais gloriosa e a mais cruel em ódios e ressentimentos — à província da Bahia — e compreenda quanta resignação não foi mister desenvolver aquele que tinha concebido o pensamento imenso da independência.
A causa da independência do Brasil é uma das mais justas que se têm pleiteado, nós tínhamos o direito de sermos tratados como irmãos, e a metrópole pretendeu reduzir-nos de novo a colonos. Mas esta intenção reservada da metrópole não era compreendida por todos. Foi preciso pois convencer os brasileiros da Bahia do plano liberticida das Cortes portuguesas e de suas idéias infensas ao Brasil. Apareceu a imprensa habilmente manejada pelo homem, que depois se colocou à frente do movimento da independência. O publicista se fez conhecer e admirar. Entretanto não era bastante discutir, cumpria apaixonar — convocaram-se os clubes — o orador veemente apareceu e dominou.
Porém, antes que a idéia da emancipação política conquistasse decididos combatentes, e se formasse um grande partido capaz da execução, quantos perigos não correu o grande brasileiro que ousou concebê-la, pregá-la, e levá-la a combate na mais temível praça de armas portuguesas? Quantas decepções sofridas, tentativas malogradas, quantos acasos tristes e imprevistos, sem falarmos de ciúmes e perfídias cruéis?
Tudo sofreu com a maior coragem o cidadão Francisco Jê Acaiaba de Montezuma.
Eis o primeiro esboço deste grande ser, que a vitória da independência e a gloriosa deportação pela dissolução da Constituinte, deu a conhecer em todo o Império, e cuja glória tem de passar à posteridade, embora víbora da inveja mais de uma vez acesa em cólera o tenha acometido. Não há baba, por mais impura, que nodoe o livro da história da liberdade do Brasil.
Nasceu na cidade da Bahia no dia 23 de março de 1794, sendo seus pais Manuel Gomes Brandão Montezuma e D. Narcisa Teresa de Jesus Barreto, ambos filhos daquela província e nela casados.
Destinou-o o seu pai para religioso da ordem seráfica dos franciscanos descalços, para a qual entrou no dia 4 de outubro de 1808.
Não tendo ainda completado 15 anos de idade, consentiu o provincial que morasse no convento da Bahia, vestido de secular, até os completar, e entrar então para o noviciado.
Sentindo-se porém com pouca vocação para a vida claustral, sete meses depois saiu do convento contra a vontade de seu pai.
Quis assentar praça no regimento de artilharia daquela província, do qual era capitão o célebre Manuel Pedro: ao que decididamente se opuseram seus pais.
Depois de ser aluno da primeira escola de medicina da Bahia, e em menos de três anos, fez os respectivos exames, foi em 1816 para a Universidade de Coimbra, onde se formou em leis, sendo premiado no 3º ano.
Tendo lugar naquele reino os sucessos de 24 de agosto de 1820, quando ainda sangravam as feridas abertas em todos os corações brasileiros pela revolução de 6 de março de 1817 em Pernambuco, concebeu o projeto da independência do Brasil, e nele mais se fortificou quando, repercutindo no Brasil aqueles sucessos de 1820, chegou a Portugal a notícia de que a Bahia se desligara do reino do Brasil para unir-se a Portugal, e dele receber imediatas ordens: notícia que por tal modo revoltou a todos os brasileiros, que nenhum deles obedeceu ao edital da Câmara Municipal de Coimbra, que ordenou três dias de luminárias; e isto praticaram espontaneamente, sem que houvesse antecipado ajuste.
Para deixar em Portugal amigos, e trazer para o Brasil um vínculo prestigioso que não parecesse obra do momento, criou logo em Coimbra uma sociedade política com o nome grego de Keporática, ou dos Jardineiros, com o fim ostensivo de promover e sustentar a liberdade do povo português. As cores desta sociedade eram a verde e amarela, cores que ao depois, por uma mui notável coincidência, foram e são as do Brasil, o que atestaram todos que foram dela membros.
Chegando à Bahia em setembro de 1821, procurou ao vice-presidente da junta provisória de governo a quem antes de ir para Coimbra estava no hábito de prestar uma veneração sem limites pelo seu saber, e patrióticos sentimentos; e expôs-lhe com fraqueza o seu projeto, que foi por ele ardentemente reprovado, dizendo: que necessitávamos ainda de bons dez anos para nos prepararmos para tão ousado feito, e que qualquer tentativa atrasaria muito o Brasil e o passo que aliás ele e todos os brasileiros tanto desejavam dar.
Era um moço, e outro velho, não se raciocina com a alma heróica. Estas razões não o puderam convencer. Despediu-se, pedindo-lhe licença para daquele dia em diante nunca mais o visitar, e fazer ao seu governo a oposição que pudesse. A religião do patriotismo tem seus sacrifícios.
Respondeu-lhe com emoção: tentou ainda demover o jovem patriota de seu propósito; mas em vão; abraçou-o e despediram-se com sensíveis demonstrações de amizade. Nunca mais se viram senão aqui no Rio de Janeiro, visitando o vice-presidente da junta provisória ao Sr. Montezuma quando voltou do seu degredo. Bela vingança do conselheiro desobedecido!
Instalou logo a Sociedade dos Jardineiros. Existindo na Bahia uma folha com o título de Diário Constitucional, propôs ao seu editor, de nome Corte Real, depois Corte Imperial, brasileiro honrado e de grande constância e coragem, ser o seu redator, com a condição de nada publicar com referência à política, salvo escrito por ele. E concordando começou a escrever no mês de outubro seguinte.
Tratar imediatamente da grande questão, a independência, quando não havia ainda um centro comum, e nem se sabia o que queriam as outras províncias, era dar asas a que teorias opostas sobre a forma de governo aparecessem, e malograssem a gloriosa causa cujo triunfo tinha a peito.
A união portanto com o Rio de Janeiro sob o governo do príncipe regente o Sr. D. Pedro foi o alvo de todos os seus esforços, a despeito da comissão de censura que existia.
A junta provisória de governo que todos os dias pedia forças a Portugal era o principal obstáculo. A tropa brasileira, ofendida no seu patriotismo e abatida nos seus brios pela lusitana, detestava a junta.
Para melhor levar ao cabo o seu projeto reuniram-se em conselho militar no forte de São Pedro oficiais de diferentes patentes e armas, e convidaram-no para o presidir.
Compareceu, e depois de discutir-se o estado de degradação em que estava a província, e os erros da junta, propôs que, para maior liberdade de voto, dar-lhe-ia cada um dos oficiais em segredo a sua opinião quanto ao remédio com que cumpria atalhar o mal; e que manifestaria fielmente o da maioria do conselho. Assim se resolveu. Foi opinião unânime que marchasse toda a tropa brasileira para o campo da Piedade e se intimasse à junta a sua deposição, armando-se todos os cidadãos que se lhe quisessem unir. Depois tratou-se de marcar o dia, e as-sentou-se que fosse na madrugada do dia 3 de novembro seguinte.
Assim aconteceu; mas a inconstância, se não a traição, ou porventura ambas, detiveram em seus quartéis no prazo dado alguns dos corpos conjurados, sendo o resultado malograr-se a tentativa, ser o governo vitorioso, prender os oficiais mais denodados, embarcá-los e remetê-los para Lisboa, em cuja barra se lançou ao mar o distinto e ilustrado brigadeiro Boccaciari.
Se até então era a tropa brasileira perseguida, e perseguidos todos de cuja adesão a Portugal a junta suspeitava tomando-os por amigos da união com o Rio de Janeiro, daquele dia em diante a junta não conheceu mais limites à sua vingança.
Felizmente chegou o decreto das Cortes que regulava a eleição das juntas permanentes de governo.
A eleição teve lugar no último dia de janeiro. Os membros da junta provisória e os lusitanos esforçaram-se pela reeleição. Não o conseguiram. Foi completo o triunfo dos amigos da união, se não já da independência. Cidadãos conspícuos pelo seu saber e riqueza foram os nomeados. O medo porém era a qualidade proeminente da nova junta.
O medo a matou, e transformou, depois de horríveis sofrimentos, em aberta e forçosa revolução os desejos ainda mal traçados do patriotismo.
Cônscio das boas intenções do governo, e mais porque o seu primeiro ato foi abolir a comissão de censura, não só o Diário Constitucional nunca o agrediu, senão que torneou sempre por ele, combatendo pelo seu crédito, e honra, que os lusitanos nunca cessaram de querer deslustrar; salvo quando na sustentação da causa da pátria era de todo indispensável censurar a dubiedade ou fraqueza de seu sistema político-ad-ministrativo para não enfraquecer ou desanimar os espíritos.
Todos, porém, lastimavam que a junta não se prevalecesse do grande prestígio, de que gozava, para abafar o orgulho, e estorvar a insolência dos lusitanos, elevando os ânimos abatidos dos seus concidadãos; o que era fácil, visto como era ainda comandante das armas o brigadeiro Manuel Pedro, baiano de grande popularidade.
Em tais circunstâncias ancorou em 11 de fevereiro nas águas da Bahia o navio Danúbio, trazendo a notícia de ter sido nomeado o brigadeiro Madeira, oficial lusitano, comandante das armas da Bahia.
A entrevinda de uma tal notícia era fatal à união, e assim o entendeu o povo. Dias depois recebeu ele por outro navio a carta régia que o nomeava. E logo de si mesmo empossou-se, e oficiando ao general Manuel Pedro exigiu dos oficiais juramento de obediência.
O povo dirigiu imediatamente uma representação à Câmara municipal que tinha de insinuar a carta, segundo o disposto no regulamento dos governadores do 1º de julho de 1678.
No dia 18 foi nomeado o Sr. Montezuma por alvará da Mesa do Desembargo do Paço, vereador, e mais outros.
Reunidos, e examinada aquela carta régia, acharam: 1º, que na forma do estilo não a precedera participação à câmara respectiva, sendo regra que, sempre que el-rei queria que se desse posse independente de participação por carta régia dirigida à câmara, o declarava na mesma carta régia de nomeação como aconteceu com o conde de Palma e outros; 2º , que sendo necessária patente registrada na contadoria geral da corte, como é expresso no § 1º daquele regimento, o brigadeiro Madeira não havia feito o indicado registro; 3º , que a carta régia não se achava referendada pelo ministro de estado de repartição competente, como determinava a lei de 11 de julho de 1821. Assim que negou-se a insinuação, e comunicou-se à junta de governo. Assim o ardente patriota combatia os inimigos da independência com a lei portuguesa.
A junta, em vez de apoiar a jurídica decisão da câmara, apoderou-se de timidez, e reuniu em palácio a câmara e mais cidadãos; convidou o brigadeiro Madeira e o general Manuel Pedro. As tropas de ambos tinham tomado posições, e, quando o conselho se ocupava em discutir, batiam-se elas. Qual primeiro rompeu o fogo não foi bem verificado.
Dali seguiram-se os horrorosos atentados cometidos pelas tropas lusitanas, que foram as vencedoras, nos nefandos e sangrentos dias 18, 19 e 20 de fevereiro.
Afugentada desde então a concórdia do seio da sociedade e até das famílias, cujos membros eram uns brasileiros, e outros portugueses, a revolução estava feita; o mais era questão de tempo, que aliás corria rápido.
O Diário Constitucional, que jamais deixou de ser a sentinela da união, aproveitava todos os fatos, que a podiam servir e provocar.
Publicou a felicitação que os baianos residentes na corte dirigiram ao príncipe regente, e o ofício deste à Câmara ordenando-lhe que promovesse por todos os meios a concórdia e união das províncias e dos brasileiros.
Irritado, o general Madeira espalhou que no dia 15 de junho a Câmara ia proclamar a união com o Rio de Janeiro, e tentou prender a Câmara, e ao Sr. Montezuma principalmente. Para isto das oito para as nove horas da manhã postou soldados nas imediações da Câmara; mas esta não se reuniu, e não foi avante a ousada tentativa.
Ainda indecisos os espíritos brasileiros pelas conseqüências que soem seguir-se de uma revolução, bem que convencidos que era ela inevitável, olhados como estavam pelo prisma caliginoso da malevolência e ódio lusitano: para os decidir comunicou o Sr. Montezuma como certo ao distinto médico baiano José Alves do Amaral, indo visitá-lo ao lugar onde se achava escondido, que as tropas lusitanas haviam resolvido em um dos costumados clubes o reconhecimento do governo do príncipe regente, no dia de São Pedro, 29 de junho; não só porque assim se reconciliavam com o herdeiro da Coroa, e evitavam o desagrado do monarca, que nunca levaria a bem que eles ofendesse, senão que sendo inevitável, aquele sucesso convinha que dele não tivessem a glória os brasileiros, e tanto mais que só assim se poderia ainda evitar a independência total do Brasil.
E lastimando o Sr. Montezuma com energia que assim tomassem sempre os lusitanos a dianteira aos brasileiros, respondeu-lhe o Dr. Amaral que, se julgava conveniente, tinha naquele mesmo dia portador para o Recôncavo, e passava a comunicar tudo ao Bulcão (o mais rico senhor-de-engenho do distrito da vila de São Francisco, e onde estavam acoutadas grande parte das praças brasileiras desertadas da cidade) para que avisasse ao coronel Rodrigo Brandão, na Cachoeira, que proclamasse a união, visto como o referido coronel Brandão se havia comprometido como Bulcão a romper a revolução no momento por este indicado.
Assim aconteceu: e no dia 24 de junho, quando ninguém esperava, rebentou a revolução, na Cachoeira e vila de São Francisco, e dias depois na de Santo Amaro, todas limítrofes. Foi pois aquela inventada notícia o verdadeiro morrão que pôs fogo ao canhão da revolução, e fez desaparecer a indecisão que tantas vezes tem baldado gloriosos acontecimentos.
A província ainda não estava preparada para a guerra. Censuraram depois ao Sr. Montezuma, mas o Madeira também não estava. Pedia a Portugal cconstantemente reforços, respondia-lhe ele.
E que gênero de guerra se tinha que fazer? Que preparativos poder-se-ia realizar, de posse os lusitanos da capital? A revolução pelo contrário apurava os ânimos e as intenções; e desde logo contava-se com o auxílio do príncipe imortal, que se havia posto à frente da causa brasileira. Todavia os tímidos não cessaram de censurar a ousadia do jovem, e ao imortal Bulcão, ao depois barão de São Francisco, cuja imensa fortuna pôs à disposição da revolução. Iguais censuras sofreu com igual resignação o general Washington na libertação dos Estados Unidos.
Isto feito, fugiu o Sr. Montezuma para o Recôncavo. O modo como o fez, os perigos que correu, a traça com que harmonizou um conselho militar que achou reunido no convento da vila de São Francisco na noite em que chegou e conciliou os dois distintos coronéis Felisberto Caldeira e Antônio Maria da Silva Torres, aquele brasileiro, este português, e não menos honrado, ilustrado, e ardentemente dedicado à causa brasileira, ambos porém profundamente rivais nos planos de defesa que sustentavam; rivalidade que mal extinta naquela época originaria grandes dificuldades e lançaria em iminente perigo a causa da revolução; e finalmente a influência que teve na organização do governo provisório; tudo isto deverá ser publicado desenvolvidamente na história biográfica do Sr. Montezuma, que breve pretendemos dar a público.
Adotado o plano de governo, foi nomeado membro pela vila da Cachoeira e igualmente felicitado pelos habitantes da de São Francisco, o que tudo se certifica com documentos existentes.
Instalado no dia 6 de setembro de 1822 com o título de conselheiro interino de governo, foi nomeado secretário, e depois membro da comissão que o mesmo governo, ou conselho, mandou ao Rio de Janeiro felicitar o príncipe regente, e expor-lhe as necessidades mais urgentes da província, atento o estado revoluconário em que estava. As instruções dadas pelo conselho aos membros da deputação constam de documentos que temos em presença.
Veio por terra até os Ilhéus, e daí por mar até o Rio de Janeiro, em uma pequena lancha pertencente ao engenho dos Ilhéus, do general Brant, dirigida por um preto. Quase perdidos antes de montar o Cabo Frio, por supor o mestre ser ali a barra do Rio de Janeiro, desembarcou na corte no dia 14 de novembro, e achou a notícia de ter sido aclamado imperador do Brasil o príncipe regente, e proclamda a independência.
Fez sem auxílio ou ajuda de custo do governo toda esta viagem!
Os portugueses espalharam logo depois da chegada que vinha fugido, e que os lusitanos haviam suplantado a revolução. S.M.I. ordenou ao Sr. Montezuma que escrevesse alguma coisa para desmentir essa falsidade e confundir tais intrigantes. Escreveu um folheto com o título de Manifesto, que foi impresso na tipografia nacional. Desgraçadamente o ilustre patriota não nos pôde dar um exemplar desse seu trabalho, dizendo-nos que quase todos os seus escritos dessa época foram perdidos com a sua prisão e degredo depois da dissolução da Constituinte.
No dia seguinte à sua chegada foi apresentando a S.M.I. pelo ministro dos Negócios do Império, o Exmº José Bonifácio de Andrada e Silva, de eterna memória. O que ocorreu nesta audiência privada é assunto antes de uma memória. Dignando-se S.M.I. marcar o dia da audiência pública, nela compareceu na casa da câmara municipal desta corte, e acompanhado por ela, e por muitos cidadãos, dirigiram-se ao paço da cidade, onde, rodeado de toda sua corte, houve por bem S.M.I. receber a deputação. O eloqüente discurso que o Sr. Montezuma proferiu acha-se impresso no 1º tomo das Memórias do Sr. Acióli. Aproxi-mava-se o dia da coroação, e houve por bem S.M.I. mandar o Sr. An-tônio Teles, hoje marquês de Resende, seu camarista, comunicar ao Sr. Montezuma a graça do título de barão da Cachoeira, e que por ela o felicitasse.
Depois de agradecer tão honrosa visita e felicitação, desped-indo-se o sr. Antônio Teles, partiu logo para a casa do Sr. José Bonifácio. Expôs-lhe o que havia ocorrido, e pediu-lhe com a mais viva instância que fazendo-lhe a honra de pôr na presença de S.M.I. os sentimentos do seu mais profundo e reverente agradecimento, houvesse por bem revogar o despacho; pois uma tal nomeação lhe faria perder todo prestígio na província, quer para com os liberais exaltados, quer para com os monarquistas: aqueles, vendo-o elevado a uma classe que julgam repugnante ao princípio de igualdade, de que se dão por únicos defensores; estes, visto não pertencer o agraciado às famílias ricas e poderosas da província. No que não convindo S. Exa a príncipio, por fim prometeu-lhe ir a S.M. Imperial.
E com efeito no dia seguinte, visitando-o para saber da resposta, S. Exa. o Sr. José Bonifácio informou-o que S.M.I. se dignara anuir ao pedido, louvando muito os patrióticos sentimentos do resig-natário, mas que por isso mesmo havia graciosamente resolvido nomeá-lo dignitário da ordem que se ia criar, a do Cruzeiro. Ainda insistiu em que não tivesse lugar esta última graça, pois a revolução ainda não estava terminada. Ao que impôs-lhe S. Exª silêncio, dizendo que uma tal recusa faria crê-lo republicano.
É fato porém que o ter sido então nomeado dignitário causou-lhe, quando chegou à província, gravíssimos desgostos, e valeu-lhe poderosos inimigos. Todos se julgavam com direito de serem dignitários, e acreditavam que requerera para si e não para eles.
Fez-lhe a honra S.M.I. de o convidar para jantar em sua augusta mesa. Para dar uma prova de consideração à deputação da Bahia, convi-dou-o também para assistir a um grande exercício de toda a força existente na corte, e por ele comandada no campo de São Cristóvão.
No dia 7 de dezembro foi recebido membro da nobre ordem dos Cavaleiros de Santa Cruz, sociedade secreta criada pelo Imperador, e regida por um conselho com o nome de Apostolado, cujo chefe era S.M.I. Nessa mesma sessão, que S.M.I. presidiu em pessoa, foi nomeado caudel e encarregado da criação de uma palestra na província da Bahia, o que cumpriu, e grandes serviços fez à causa pública. O documento que temos em mão prova o que fica referido; e nele se vêem as letras iniciais do nome de S.M.I. — P.D.A. — e adiante Rômulo, que era o nome simbólico por S.M.I. adotado. Tudo escrito de seu próprio punho.
No dia 10 de dezembro partiu o Sr. Montezuma para a Bahia em uma galera francesa, que ia para Pernambuco, e levava o coronel José Joaquim de Almeida para comandante das armas.
Levou consigo uma imprensa e tipos, além de munições de guerra.
Chegando à altura dos Ilhéus e sabendo que a esquadra lusitana cruzava naquelas paragens, ambos deixaram a galera, embarcaram em botes do navio, e seguiram por terra para Cachoeira.
Ao chegar principiou a escrever um periódico com o título de Independente Constitucional. Soube então da questão agitada entre o conselho de governo e o general Labatut sobre o dinheiro por este achado no engenho dos portugueses Teixeira, que haviam fugido para a cidade alistados no partido lusitano.
Tomando conta da secretaria cuidou de conciliar o general La-batut, e para isso foi por ordem do governo conferenciar com ele no seu quartel-general. Preocupado com a idéia de ser aquele dinheiro, como disse primi capientis, o reputava seu.
Moderou por algum tempo um pouco a linguagem dos seus ofícios dirigidos ao conselho; entregou-lhe 120:000$; por fim, eram tão imperiosas e mordentes as suas invectivas, tão desleais as suas queixas, tão despidas de fundamento as suas acusações, que mais pareciam inspiradas pelo ódio do que pelo amor à causa que em comum defendiam ambas as autoridades.
O governo nunca aceitou, nem recusou o conflito; mas era do seu imperioso dever expor fielmente ao governo de S.M.I. o estado real dos negócios da província; e formular perante ele suas queixas, não pelo valor delas em relação ao caráter público do mesmo governo, senão pela influência que poderiam ter no êxito da causa, e na sorte daqueles que haviam consagrado com seus atos e extremos morrer antes do que sujei-tarem-se mais ao jugo lusitano.
As queixas do conselho constam dos seus ofícios dirigidos ao governo imperial, e arquivados na secretaria do Império.
Entre elas, algumas fundadas em atos praticados pelo general, e na sua indolência para com o inimigo, inteiramente afetavam o seu caráter como general, e tinha, por si, a convicção geral e profunda de todo o exército, que diariamente se desmoralizava e decimava pela inação, enfermidades, a ponto de ser opinião de toda a província que não se entraria na cidade, nem seriam expulsos os lusitanos enquanto comandasse ele o exército, convicção corroborada com o que declarava ao conselho de governo o próprio general. Descrevia-lhe o conselho o estado crítico e deplorável da pronvíncia, e lhe pedia instantemente que desse pressa ao ataque geral: respondia-lhe o general que não era possível, e que melhor do que o conselho sabia ele o que cumpria fazer: convicção que fez brotar e ser bem-sucedida a sublevação do exército, que o prendeu, e deu o comando ao general José Joaquim de Lima, ao depois conselheiro de estado e barão de Magé. E na verdade poucos dias foram suficientes para que este general atacasse em toda a linha os lusitanos e entrasse na cidade, e os obrigasse a embarcar! Esta vitória assinalada, coroando de louros o exército do Recôncavo, mais confirmou no espírito da província a opinião já expressada.
A ata respectiva, assinada pelo general Labatut, pelo conselho de governo e por grande número de cidadãos na vila da Cachoeira, mostra qual foi o resultado da insultuosa ida do general à vila da Cachoeira para depor o Sr. Montezuma, e prendê-lo no dia 20 de fevereiro de 1823. Sem exageração se pode dizer que foi tal o excitamento popular que foi o agredido que salvou a vida do agressor.
Ele partiu para o seu quartel-general alta noite, e fugitivo!
Para animar o povo, e tornar bem sensível o ressentimento baiano contra os lusitanos, grande número das pessoas mais conspícuas da província e patriotas tiraram de seus nomes os apelidos portugueses, e adotaram em seu lugar nomes de árvores, rios e lugares brasileiros. Foi então que trocou o de Francisco Gomes Brandão Montezuma pelo de Francisco Jé Acaiaba de Montezuma. Jé é uma tribo de caboclos, e Acaiaba uma das árvores mais belas do interior da América, como descreve Southey na sua História do Brasil.
Levou consigo as instruções para a eleição dos deputados pela Bahia à assembléia constituinte. Esta se fez antes da expulsão dos lusitanos, sendo o Sr. Montezuma um dos escolhidos com muito menor votação do que era de esperar da popularidade que gozava antes de vir para o Rio de Janeiro. Este fato deve-se atribuir à desconfiança de uns e à inveja de outros, sugeridas e motivadas pela graciosa recepção com que o honrou S.M.I. Tal é a fraqueza dos homens!
O grande apuro em que se achava a província, pela demora do ataque e boatos que corriam, obrigou o conselho a fazer partir imediatamente o Sr. Montezuma para o Rio, antes de se terminar a eleição, com ofícios documentados, concernentes ao estado em que achava o exército.
Fez esta viagem, como a primeira, inteiramente à sua custa, por Minas, subindo ao Rio Pardo, daí ao Tejuco, vila do Príncipe, Cocais, Mariana, Ouro Preto, Queluz, Barbacena, até o Rio de Janeiro, onde chegou em fins de junho de 1823, gastando na viagem setenta e cinco dias. Falhou poucos dias, e em mui poucos andou menos de dez léguas!
Foi logo beijar a mão a S.M.I., que se achava enfermo de uma queda que dera.
O que ocorreu nesta primeira visita que teve a honra de fazer a S.M.I. é mais próprio de uma memória, e por isso se omite, sendo suficiente mencionar: 1º, que tendo assentado praça em um dos corpos que se organizaram na Cachoeira, e fazendo serviço sempre que lho permitiam os trabalhos do conselho, foi de farda beijar a mão a S.M.I., e depois pediu-lhe que lhe fizesse a graça de mandar dar-lhe baixa. Ao que respondeu muito benignamente que não, e que, pelo contrário se, por ser o Sr. Montezuma formado em leis, não queria servir nos corpos de linha, dar-lhe-ia um posto nas milícias. Ainda pediu-lhe licença para instar pela sua baixa: respondeu-lhe o mesmo rindo-se. De sorte que é de crer que o Sr. Montezuma ainda tem praça; 2º, que recebendo, ao chegar aqui no Rio de Janeiro, ofício da junta do governo, de que era ainda membro, no qual lhe comunicava ter recebido do governo do Imperador ordem para o enviar para a corte, e que achando-se nela se apresentasse imediatamente ao mesmo governo; ao visitar S.M.I. e achando-se presentes dois ministros da Coroa deu parte a S.M.I. da ordem que havia recebido, e conformemente a ela pediu a S.M.I. que lhe indicasse a prisão onde se devera recolher! S.M.I. declarou maravilhado ignorar tal ordem e interrogou os ministros presentes a este respeito, e declarando eles que também não tinham dela conhecimento, dirigiu-lhe então S.M.I. expressões mui benévolas e graciosas, dizendo-lhe por fim que fosse tranquilo para casa. Ainda hoje é de crer que fosse apócrifa aquela ordem. Não declaramos os nomes dos ministros presentes para evitar juízos temerários.
Tomou assento na assembléia constituinte, no dia 21 de julho de 1823, e só fez oposição ao Ministro da Guerra, motor principal, no nosso conceito, da perigosa e fatal reação manifestada nos atos do Governo.[1]
Opôs-se, é verdade, ao título de Marquês do Maranhão dado a Lorde Cochrane; não porque ele o desmerecesse, mas sim porque julgava inoportuna e inconstitucional tal nomeação enquanto se não promulgasse a Constituição que então se discutia, pertencendo a ela o declarar se haveria nobreza, e como, em que consistiria. O que se praticava em Portugal não podia dizer-se vigente no Brasil depois de sua independência, visto como tratávamos de nos constituir. E assim o entendeu depois a assembléia constituinte, promulgando a Lei de 20 de outubro de 1823; porquanto, se para terem vigor entre nós as ordenações, leis, regimentos, alvarás, decretos e resoluções promulgados pelos reis de Portugal, e pelos quais o Brasil se governara até o dia 25 de abril de 1821, em que o senhor Rei D. João VI foi para Portugal, foi mister um artigo do Poder Legislativo constituinte brasileiro; pela mesma razão e fundamento, se não maior, à nomeação dos titulares devera preceder uma lei que ou autorizasse o que tinha lugar na monarquia portuguesa, da qual se havia separado o Brasil, ou criasse uma nobreza nova com atribuições políticas ou sem elas.
Estes argumentos e princípios constam dos dois discursos que sobre este assunto proferiu; e julgando-se insultado nesta ocasião por um distinto orador, o Sr. Pedro José da Costa Barros terminou o seu segundo discurso, dizendo que pelo que respeitava às expressões ofensivas do ilustre preopinante (era assim que se dirigiam reciprocamente então os oradores), ele lhe daria a necessária satisfação em lugar competente. Nessa mesma noite, o tenente-coronel Antônio Martins, que ainda vive, e mora nesta corte, filho da Bahia, hoje reformado, teve a bondade de se encarregar do cartel para o dito seu colega, o qual deu tão judiciosa e plena satisfação por escrito, que nada daí resultou, sendo para notar que, no mesmo dia em que esperava resposta do dito seu colega, esperava também a do mal agourado pedido que havia feito da mão da virtuosa Sra. D. Mariana Angélica de Toledo Marcondes, com quem casou no dia 7 de outubro de 1823.
O que se passou entre ele e o seu colega, o bispo diocesano, que o honrava com a sua amizade, quando lhe foi pedir dispensa dos pregões, pertence a uma memória, e por isso também se omitirá nesta ocasião.
Antes que fosse nomeado Ministro da Justiça, o desembargador do paço, Clemente Ferreira França, comunicou-se-lhe que S.M.I. havia por bem nomeá-lo corregedor do cível, em atenção aos serviços por ele prestados até então. Imediatamente procurou a S. Exª e disse-lhe ingenuamente que não tinha habilidade para ser juiz, pois ser-lhe-ia de grande dificuldade presenciar impassível uma parte cavilosa quando a lei lhe não dava o meio eficaz de pôr termos à cavilação. Respondeu-lhe que fosse dizer isso mesmo ao Imperador. Foi, disse-lhe, riu-se muito S.M.I., e a nomeação não teve lugar.
A assembléia constituinte foi dissolvida no dia 12 de novembro do mesmo ano. Foi um dos deputados presos ao sair pela única porta que as tropas que cercavam a assembléia deixaram aberta do lado do paço da cidade. No meio de uma escolta, iam com seus companheiros de exílio, a pé, tomando o lado do paço e Rua Direita para o arsenal da marinha, quando uma ordem expedida do paço, onde se achava S.M.I., os fez retrogradar. Embarcaram em um escaler, que os dirigiu ao dito arsenal de marinha, donde foram levados à fortaleza da Laje, e chegaram às 11 horas da noite. Encarcerado e incomunicável em uma das abóbadas subterrâneas da fortaleza, cuja imundície de todas as espécies seria impossível descrever, aí começou o martírio particular a que o condenara uma política meticulosa, se não retrógrada, ou ambas as coisas.
O que ocorrera na assembléia enquanto esteve em sessão permanente e no dia da dissolução; o que teve lugar quando chegaram os exilados alta noite à fortaleza, e nos dias que lá estiveram até embarcarem no dia 20 de novembro no transporte Lucônia com destino ao Havre, para onde lhes deram passaportes; e o que ocorreu na viagem até Vigo, e daí até a França, tudo isto julgamos assunto antes de uma memória, com exceção apenas dos seguintes fatos:
1) Foram os exilados generosa e humanamente tratados pelo comandante da fortaleza da Laje, o qual do rigor que se lhe ordenara só executou o que era absolutamente indispensável para livrar-se do risco que corria em uma total relaxação das ordens do Governo.
2) Logo depois da saída em mar grosso, disse o comandante da Lucônia ao imediato, segundo este referiu ao Deputado José Joaquim da Rocha, que a viagem para o Havre era mui perigosa, pois que iam chegar ao canal na força do inverno; que seria melhor arribar a Lisboa, ou alguma das ilhas dos Açores; ao que respondera o imediato que, proibindo as instruções arribar aos portos do Brasil ou de Portugal, não poderia jamais anuir à arribada proposta. Então indicou o comandante o porto de Vigo em caso de necessidade.
3) Quando o comandante se julgou na altura dos Açores, ordenou ao seu imediato que à noite se pusesse à capa, porque temia um baixio naquelas alturas. Sabendo, porém, o imediato que tal baixa não existia, e que o fim daquela ordem era ver se aparecia por ali algum vaso de guerra português, dos que costumavam cruzar naquela paragem, que os apresasse; quando entrava de quarto fazia navegar o navio com pouco pano, mas em rumo oposto, pondo-o inteiramente à capa quando tinha de entregar o quarto.
4) Na altura do golfo da Biscaia, próximo a Bordéus, caiu um temporal no dia 30 de janeiro, que causou sérias avarias. O comandante arribou a Vigo, em vez de o fazer para os portos da França, gastando para chegar a Vigo 13 dias.
5) Logo que deram fundo na baía de Vigo, vieram a bordo em uma barqueta o capitão do porto e outro sujeito; este, logo que se aproximou do navio, perguntou se não era a charrua Lucônia, como se a esperasse. Depois soubemos que aquele sujeito era o cônsul português Mendes.
6) Falecendo no dia em que fundearam o cirurgião do navio, prevaleceu-se desta circunstância o governo de Vigo para os pôr em quarentena rigorosa de quarenta dias, a despeito de saber que o cirurgião morrera de excesso de bebidas alcoólicas.
7) Na tarde do dia 28 de fevereiro, entraram pela barra a corveta Lealdade e um brigue de guerra português, e fundearam detrás das ilhas que ficam à entrada. O comandante foi à terra e solicitou a entrega dos proscritos, ao que, não anuindo o governador Eguia, saíram e cruzaram fora mandando oficiais pela baía de Mariú, por terra, a Vigo indagar o que se dizia, ou se pretendia fazer a respeito dos patriotas exilados.
8) Findos os quarenta dias de quarentena, e não desimpedido o navio, os deportados Martim Francisco e padre Belchior desembarcaram e, apresentando-se ao governador Eguia, instaram para que o navio fosse posto à livre prática. Respondeu o governador que, havendo reclamações do governo português, pendia a sua solução do governo supremo; e voltaram aqueles deportados para bordo escoltados pelo capitão do porto e outro oficial, os quais reti-rando-se de bordo levaram consigo o escaler e a lancha do navio, e no dia seguinte mandou o governador tirar-lhe o leme, e ficaram desde então prisioneiros a bordo.
9) Pelo intermédio do Sr. Lapeyre, vice-cônsul de França em Vigo, e do Sr. Lagoanere, cônsul-geral na Corunha, levaram ao governo espanhol uma representação contra as violências que sofriam, mostrando que o artigo do Tratado de Utrecht que permitia a extradição não se podia considerar em vigor depois de declarada a guerra entre Portugal e a Espanha, não tendo depois de feita a paz renovado as duas nações aquela estipulação. O marquês de Talaru, embaixador francês então junto a S.M.C., apoiou a representação perante o Conde d'Ofália, ministro dos Negócios Estrangeiros na Espanha.
10) Devemos aos bons e generosos ofícios daquele distinto diplomata uma ordem para poderem sair de Vigo em navio neutro, sendo-lhes absolutamente impossível executar sem risco esta ordem, visto que, desacoroçoado o governo português da extradição que pretendera, mandou pela fragata Lealdade e um brigue cruzar na barra de Vigo! Representaram de novo, e se lhes mandou a permissão de irem por terra atravessando a Espanha escoteiros.
11) Estiveram em Vigo incomunicáveis desde 12 de fevereiro em que ali chegaram até 30 de abril, em que se permitiu aos deportados o conselheiro José Bonifácio de Andrada e a seu irmão Martim Francisco, por doentes, o irem para terra. Aproveitou-se o Sr. Montezuma dessa permissão, e foi com eles.
12) O comandante do referido transporte Lucônia, na véspera da sua partida era o oficial de marinha Antônio dos Santos Cruz, nascido no Brasil. Foi demitido, e nomeado em seu lugar o português Joaquim Estanis-lau Barbosa, capitão-tenente honorário da marinha de Goa: posto que se lhe fez efetivo posto na armada quando regressou a esta corte.
13) Se não todos, mais de duas terças partes da tripulação da Lucônia, que se compunha de 99 praças, haviam sido marinheiros aprisionados na Bahia, não só da esquadra lusitana comandada por João Félix, como de outras presas.
14) Estando os deportados em Vigo, e com a fragata Lealdade quase no lado, sublevaram-se os marinheiros, armaram-se de achas de lenha e garrafas cheias de água, pretextando haver deles o pagamento de suas soldadas; tudo porém fazia crer que o fim era prendê-los; e querendo o comandante, ou antes o seu imediato, defendê-los, foi à praça de armas, e só achou seis espingardas e essas completamente inutilizadas. Defenderam-se com o escuro da noite, e com as armas que cada um tinha levado! Até que implorando socorro da força espanhola, que vigiava o navio, esta deu parte ao governador de Vigo, o general Eguia, e este nobremente ordenou que saltasse tropa dentro dele e sufocasse a rebelião.
15) No dia seguinte instaram, e mais os oficiais, para que se procedesse a uma devassa. Por ela conheceu-se que o fim era entregar os deportados à fragata Lealdade. Os cabeças foram presos; mas o comandante os mandou para terra, e o cônsul português os recebeu, e nunca constou que houvesse punição!
16) A incerteza em que estavam do êxito da representação, contando apenas com a promessa dos bons ofícios do cônsul francês Lapeyre, sem um procurador em Madri que os escudasse com o seu zelo e dedicada solicitude, ao passo que apuravam o horror da situação dos deportados, de um lado o estado anárquico em que se achava a Espanha, e de outro os sucessos de Vila Franca, cujas conseqüências difícil lhes era calcular, ainda que revogadas fossem; feito assim o juízo de todos em mil voltas, arrastou-se o Sr. Montezuma a oferecer-se para ir disfarçado a Madri solicitar o deferimento da representação. Para fugir de bordo re-solveu-se: 1º, que o faria em noite de chuva ou cerração, e meia hora antes da mudança dos guardas da noite, cujos barcos se aproximavam mais do navio do que os que o guardavam de dia; 2º, que nessa noite iriam jogar com o comandante os deportados José Bonifácio, Antônio Carlos e Martim Francisco, a fim de o entreterem. Despedido de sua mulher e acompanhado do deportado o padre Belchior, falecido vigário de Pitan-gui, em Minas, dirigiu-se o Sr. Montezuma às janelas da popa, único lugar onde era possível lançar-se ao mar. No ponto em que ia fazê-lo chegaram as barcas, e tão próximas, que com muita dificuldade pôde en-cobrir-se delas. Dias depois atiraram sobre dois marinheiros que fugiam a nado!
Igualmente omitiremos, como mais própria de uma memória, os meios que empregou o Sr. Montezuma para conseguir, depois de chegar à Corunha, e ter deixado em Vigo sua graciosa mulher, o vir buscá-la; o que ocorreu com um mal sim mandado vigiá-lo pelo governo durante essa arriscada jornada; o que teve lugar em Santander, com ordem de prisão, que lhes foi intimada pela polícia como portugueses que não tinham passaporte com o visto do cônsul português com exequatur do governo espanhol; o modo por que foi iludida esta prisão: as cenas horrorosas que se passaram em Plencia; o logro que lhes quis pregar o arrais, justo para levá-los à Socoa, primeiro porto da França, e os demais dissabores por que passaram até que chegaram a Orleans. Mas não podemos omitir o modo por que ao ilustre exilado receberam as autoridades francesas, já prevenidas pelo diplomata brasileiro, ali residente! Logo que chegou a Baiona, achando-se sua mulher ainda enferma, conseqüência do mau sucesso que tivera a bordo da Lucônia, pediu passaporte para o Havre, onde esperava achar cartas do Brasil e alguma ordem para receber dinheiro, visto como a pensão que se deu era paga no Rio!
Respondeu o subprefeito que ia consultar o ministro; e no fim de onze dias, pouco mais ou menos, mandou-o chamar, e disse-lhe que não podia residir nem em departamento fronteiro do mar ou de terra, nem no departamento do Rhône, nem onde existisse residência real, e que só lhe dava cinco dias para aprontar-se e partir. E que nestes termos, não podendo dar-lhe passaportes para o Havre, escolhesse residência no interior.
Espantado de tal cominação, disse o Sr. Montezuma que os seus companheiros residiam, uns em Paris e outros em Bordéus; e que por isso lhe era impossível compreender os motivos de tal exceção!
Esta ordem não foi revogada, e teve de escolher a cidade de Orleans, para onde partiu, acompanhado de sua mulher, com um passaporte, no qual, à imitação das cartas de guia dadas aos presos ou galés, ia apontando o caminho ou itinerário que havia de levar, e se ordenava às autoridades que o prendessem no caso de encontrarem desviado do referido itinerário, o que sendo o visto em Angoulême pelos passageiros com quem ia na diligência, deu motivo a manifestações expro-bradoras de tal procedimento da polícia, mormente vendo-se acompanhado de uma jovem esposa, que apenas contava dezesseis anos incompletos!
Em Orleans viveu apertadamente vigiado por espiões de polícia, como consta do Livro Negro, obra oficial publicada depois da elevação ao trono da casa de Orleans em 1830; deveu a Mr. du Briche, então subprefeito daquele departamento, mil ofícios de amizade, com os quais atenuou o furor e adoçou quanto pôde o azedume da perseguição. Depois de entreter uma muito desagradável correspondência com o nosso ministro em Paris, reclamando a revogação de tais ordens, e a permissão de sair de Orleans, que se lhe havia dado por homenagem, e nad a obtendo, o mesmo subprefeito tomou sobre si o permitir-lhe ir a Paris.
Entendendo que viveria ali mais comodamente em sua casa do que em hotéis, e receando sempre nova perseguição ou a sua continuação, deixou sua mulher, e escoteiro partiu!
Quatro dias foram suficientes para que o ministro brasileiro soubesse e a polícia o obrigasse a voltar a Orleans. Perdeu então toda a paciência. E daí em diante ditava a desesperação, e com o fel o mais amargo escreveu as cartas com que não cessou de mortificar o nosso ministro em Paris. Os lisonjeiros são piores que os abutres, pois que estes devoram os cadáveres, e aqueles os vivos!
Cansado, se não envergonhado por fim o governo francês, de prestar-se a ser cúmplice nos vexames e gratuita perseguição de que era vítima o patriota exilado, expediu ordem às autoridades de Orleans para que fosse levantada a homenagem. Foi então de todo para Paris.
Chegando ali um cunhado seu, pediu passaporte para a Suíça, a fim de o meter em Berne no célebre colégio de Mr. Fellenberg. Não foi possível obter passaporte, dizendo-lhe a polícia: "traga o visto do seu ministro". Este sempre lhe negava. Resignado, matriculou seu cunhado no Colégio Morin, em Fontenay-aux-Roses. Faleceu! Sofreu o Sr. Mon-tezuma um horrível ataque de reumatismo três dias depois de sua morte.
Melhorou com os banhos sulfúricos d'Enghien, e resolveu sair de Paris, qualquer que fosse o meio. Todos os sacrifícios, exceto este, estava pronto a fazer para expiar a culpa de haver servido ao seu país e não apoiado a infame política do dia.
Dirigiu-se à polícia: deu-lhe a costumada resposta. Procurou o general Lafaiete e Mr. Benjamin Constant: contou-lhes o seu caso, e pediu-lhes que se encarregassem de um requerimento seu à Câmara dos Deputados, se não o deixassem sair de França. Isto feito foi ao prefeito da polícia, e disse-lhe: "que não queria mais continuar a ser prisioneiro em França, pois a falta do visto do seu ministro não podia obrigar o governo francês a ser carcereiro do governo brasileiro! E que tinha já o requerimento, e o ia entregar a um daqueles senhores, para ver este ponto de direito público internacional decidido".
Respondeu-lhe que voltasse no outro dia. Voltou, e disse o prefeito que podia sair de França com um passaporte à imitação dos que tiram os franceses: isto é, por meio de uma justificação perante o comissário de polícia do quarteirão onde morava; e à vista dela se lhe daria passaporte, declarando-se nele que não era francês, e o motivo por que se lhe dava o passaporte daquela espécie. Assim executou-se. O conde de Tasher, par de França, seu íntimo amigo a quem comunicou isto na véspera e que morava no mesmo quarteirão, rua de St-Guillaume, nº 3, paralela à de Saint-Pères, quis honrar esta justificação jurando nela, e mais o barão de Ferussac, editor do célebre Boletim Universal de Ciências. À casa de ambos foi o comissário de polícia tomar o juramento. E foi assim que partiu para a Inglaterra, onde chegou em julho de 1828.
A célebre Sociedade de Geografia de Paris, sendo presidente o Sr. Jomard, nomeou o ilustre proscrito seu membro, e mais outra Sociedade de Ciências Morais e Políticas, e de História, e a sociedade dos Antiquários do Norte (na Suécia), e o Instituto dos Advogados em Paris.
A antiga Sociedade dos Templários, sendo grão-mestre o Sr. Palaprat, havia feito por ocasião da guerra que sustentamos com as repúblicas do Prata uma proposta ao Imperador para assisti-lo com um certo número de homens na referida guerra, contanto que reconhecesse S. M. I. a sociedade publicamente no Império, e se dignasse ser o seu chefe, pois ele abdicaria.
Veio ao Rio de Janeiro trazer a proposta Mr. du Back, coronel francês. S. M. I. não aceitou, segundo aquele grão-mestre comunicou ao Sr. Montezuma na ocasião de o receber cavaleiro, cujo diploma é escrito em latim.
Na França ocupou-se sempre em estudar, como a única vingança que lhe restava, freqüentou um curso de botânica no jardim deste nome, sendo professor o célebre e venerando Mr. Desfontaines, e de física médica na escola de medicina de Mr. Pelletan, e o de frenologia de Mr. Gall no Ateneu.
Não escreveu coisa alguma na França relativamente aos negócios do Brasil, à exceção de um artigo assinado pelo próprio nome, e dirigido a uma folha de Lião, que censurou nomeadamente o seu comportamento na Assembléia Constituinte em relação à opinião que sustentou sobre o título de marquês do Maranhão, e outras. Justificou-se, e o jornal pareceu ficar satisfeito, e elogiou-o.
Chegando a Londres, o passaporte que trouxe causou admiração na repartição policial ao apresentá-lo e declarar onde ia morar, o que então se fazia naquele país.
Viveu em Londres, como na França, freqüentando os tribunais do júri e cíveis. Visitou Manchester, Birmingham e Liverpool: examinou suas fábricas, manufaturas e minas, com cartas de negociantes de Londres, que lhas deu o sr. Freese, atualmente diretor de um excelente colégio no Morro Queimado. Foi à Escócia e Irlanda: demorou-se principalmente em Edimburgo, Glasgow, Belfast, Dublin e no condado de Londonderry.
Depois voltou à França, e não podendo ir à Itália, em con-seqüência do terrível inverno desse ano, passou à Bélgica, daí aos Países-Baixos: demorou-se o que pôde em Haia, Roterdã e Amsterdã.
Tendo já dois filhos nascidos em Londres; não se tendo prazo marcado para o seu degredo achou já funcionando a assembléia-geral legislativa, e não tendo um só membro dela pedido informações ao governo sobre o seu desterro, nem proposto coisa alguma que tendesse ao menos a fixar-lhe um termo; recebendo da Bahia a notícia que na eleição dos deputados à segunda legislatura era primeiro suplente; e reunida esta, pedindo, e obtendo o Sr. Miguel Calmon, hoje marquês de Abrantes, deputado por aquela província, licença por um ano para fazer uma viagem à Europa, entendeu que era azada ocasião de partir para o Rio de Janeiro, a despeito de lhe negar legação o competente passaporte; e, por uma destas coincidências inexplicáveis na vida humana, fez-se de vela de Falmout o paquete no dia 7 de abril de 1831!
Chegou ao Rio de Janeiro com longa viagem. O magno acontecimento político daquele dia, e o caliginoso estado em que se achava esta capital o aterraram.
No dia seguinte ao de sua chegada, indicou na câmara o Sr. padre José Custódio, deputado por Minas, que fosse convidado para tomar assento em lugar do deputado o Sr. Miguel Calmon. Assim se deliberou.
No dia 31 de maio tomou assento, e mais de uma vez temos ouvido dele a sincera confissão de que não sentiu prazer em ver-se livre do desterro, na sua pátria e no meio dos representantes da nação.
O estado em que se achava o seu espírito, entrevado na escuridão de um futuro para o qual não havia concorrido e que não podia descortinar, levou-o a adotar na câmara uma posição neutral, não sendo ministerial nem oposicionista.
Eis que no dia 4 de junho aparece na câmara o ministro da Fazenda com uma proposta para se suspender por cinco anos o pagamento dos juros e amortização dos empréstimos externos. A oposição que fez a tal proposta foi ardentíssima, principiando logo por propor, assim que o ministro saiu, a nomeação de uma comissão especial. O que se adotou, e foi ele um dos membros.
Desde então submeteu-se de bom ou de malgrado às difíceis e penosas condições de um deputado quase isolado dos seus colegas por suas idéias e princípios.
Nomeada a regência permanente, fez-lhe a honra o sr. regente José da Costa Carvalho, hoje marquês de Mont'Alegre, de ir à Rua das Violas, onde morava, às 7 horas da noite, convidá-lo para membro do primeiro Ministério da regência.
Depois de sincera e cordialmente agradecer-lhe a grande prova de sua confiança, expôs-lhe que tendo estado na Europa perto de oito anos, e não pertencendo por isso mesmo ao partido que dera nascimento à atualidade, não podia julgar-se habilitado para ganhar o seu conceito e confiança, sem o que impossível era contar com aquela necessária estabilidade. A conversação durou até perto de onze horas da noite, e no fim dela teve o prazer de ficar convencido que S. Exª o regente aceitara benevolamente a sua recusação. O modo por que se comportou nas variadas crises dessa época parlamentar consta das atas e dos jornais que publicaram os debates.
Foi seu principal intento arrancar o Governo das garras dos turbulentos e dos sicofantas, defendendo os princípios monárquico-representativos, ameaçados seriamente pelas exagerações da época anormal em que estava o país. Para o conseguir, defendeu com energia os ministros acusados e os brasileiros adotivos: declarou-se na tribuna contra os projetos de lei: 1º, que autorizava o governo a demitir e aposentar os empregados que julgasse suspeitos; 2º, que extinguiam os títulos e ordens, até a do Cruzeiro; 3º, que propunham reformas à Constituição; 4º, que em 30 de julho de 1832 convertia a Câmara dos Deputados em assembléia nacional; e o que bania o Imperador Pedro I.
Em 5 de agosto de 1831, talvez o primeiro deputado que teve a coragem de o fazer, requereu na Câmara que se tomassem medidas legislativas contra a importação de escravos, expondo que se fazia no Brasil um grande contrabando em fraude da lei e dos tratados, prometendo até declarar os nomes dos contrabandistas da Bahia; tendo aliás na Constituinte energicamente se declarado contra o princípio de se abolir o tráfico por uma estipulação diplomática, era de opinião que o fosse por uma lei nacional, a fim de evitarmos dificuldades futuras e a vergonha de darmos este passo na carreira da civilização, como que forçados pela necessidade de termos reconhecida a nossa independência pela Inglaterra.
Convencido da urgentíssima necessidade de fomentar a nossa indústria e comércio, o que modificaria muito a agitação pública, propôs que se nomeasse uma comissão especial para oferecer à assembléia-geral um projeto de banco nacional. A câmara assim resolveu, e, sendo nomeado membro da comissão, foi oferecido o projeto, que passou; mas teve emendas no senado, as quais em assembléia-geral não foram aprovadas; e passou o projeto a ser a lei de 8 de outubro de 1833.
Da Bahia, preveniram-lhe os cidadãos influentes da época que, se votasse contra as reformas, não seria reeleito. Respondeu: que havia passado o Rubicão, e repugnava o andar de costas! Não foi reeleito, apenas obteve 36 votos em toda a província!!
Foi nessa época que a imprensa do honrado Nicolau Lobo Viana publicou um célebre folheto A liberdade das repúblicas, escrito pelo Sr. Montezuma, o qual tinha por fim pôr barreira ao predomínio das idéias federativas e norte-americanas, que então eram muito acreditadas no país. Uma publicação da Europa (em França) de grande vulto respondeu a esse folheto monarquista com seu espírito republicano. Ah! se o Sr. Montezuma fosse homem de calcular seus interesses, teria, como fizeram outros, adotado as idéias do dia; e ele, que tinha trazido da Europa o prestígio da deportação, com facilidade dominaria o país, embora depois se convertesse. Ele não é desses.
Foi usar das letras a que lhe dava o direito o título acadêmico e a sua poderosa inteligência e conhecimentos jurídicos experimentados tantas vezes. Como advogado freqüentes vezes sentou-se na tribuna judiciária, e com tal êxito que todos os réus por ele defendidos saíram absolvidos.
No mês de abril de 1837 foi convidado pelo regente para ter uma conferência com S. Exª em casa de João Silveira Pilar. Aí, depois de lhe expor o regente miudamente o estado político do país, perguntou-lhe se, à vista do quadro que acabava de bosquejar com toda a lealdade, aceitava ele o ser seu ministro.
Tendo acusado na Câmara de 1831 o regente quando ministro da Justiça, julgou do seu dever corresponder à exímia prova de confiança que nesta ocasião lhe dava com a outra não menos sincera; e respondeu afirmativamente, pedindo-lhe porém que anuísse às seguintes cláusulas: 1º, que S. Exª não iria para São Paulo por motivo de suas enfermidades, como lhe havia anunciado, antes do dia 2 de dezembro; 2º, que o Ministério ficaria completamente livre em sua ação político-administrativa até o mês de março, época marcada por S. Exª para a sua volta; 3º, que, se S. Exª achasse o estado político-administrativo do país a seu contento, o Ministério continuaria. S. Exª anuiu ao que expusera; e entrou para o Ministério o Sr. Montezuma em 16 de maio do ano dito, poucos dias depois de uma reunião em casa do regente, expressamente convocada para tratar do estado do país, atenta a oposição que se manifestava já às questões que absorviam então toda a atenção pública e constituíam a principal alavanca da oposição eram a confirmação do bispo eleito para a diocese do Rio de Janeiro e as nossas relações com Montevidéu, atenta a guerra civil que lavrava e devastava a província do Rio Grande do Sul. O patriotismo e a religião eram pois os dois pedestais ou apoios em que descansava e assentava o poderoso motor oposicionista. Logo, era mister e urgente dar uma solução pronta a estas questões. Como ministro da Justiça e dos Negócios Estrangeiros, delas se ocupou imediatamente.
Enquanto à 1ª ofereceu a monsenhor Fabrini, então delegado do papa nesta corte, um projeto de concordata, e a elevação a arcebispado da diocese do Rio de Janeiro, nomeando-se para ela um arcebispo, que seria outro que não o bispo eleito Moura, o qual seria confirmado bispo in partibus. O Sr. Fabrini, transbordando de verdadeira satisfação, aprovou o indicado expediente, dizendo "que era assim que se encarava a questão em grande, e não mesquinhamente como o havia sido: que estava certo que S. Santidade conviria, porque deste modo não só ficavam satisfeitos os seus escrúpulos de consciência e a dignidade da Coroa imperial, como que era uma medida eminentemente útil à Igreja brasileira, visto como por este plano ficava o Império dividido em duas metrópoles, a da Bahia para o Norte e a do Rio de Janeiro para o Sul, divisão reclamada pela grande extensão do país".
Não transcrevemos aqui os artigos da concordata, por ser isso mais próprio de uma memória, e constarem eles dos respectivos documentos existentes na Secretaria dos Negócios Estrangeiros.
Enquanto à 2ª, escreveu logo ao general Manuel Oribe, Presidente da República Oriental, de quem era amigo, sobre o assunto; e aquele general, acedendo da melhor vontade, respondeu-lhe: que, em prova da consideração e confiança que lhe merecia o atual Ministério, ia com prontidão fazer partir um encarregado de negócios para esta corte. E na verdade aqui chegou pouco tempo depois o Sr. Villademoros naquele caráter.
A enfermidade, porém, do regente aumentava diariamente, e resolveu dar a sua demissão. o que ocorreu antes dela, e depois, é mais próprio de uma memória.
Esteve portanto o Sr. Montezuma quatro meses no Ministério; dentro deles era impossível terminar o que havia encetado.
Em 1837 foi nomeado deputado pela Bahia, e tendo lugar a maioridade do Imperador em 1840, para a qual votou, e pugnou como necessária, não só pelas circunstâncias em que se achava o país, como porque não era conveniente, sem ter ela lugar, cuidar do casamento das princesas suas augustas irmãs, nomeou-o o Ministério da Maioridade enviado extraordinário e ministro plenipotenciário junto ao governo britânico, e deu-lhe a carta de conselho. Exerceu aquele lugar até 24 de agosto de 1841, tendo tomado posse dele a 5 de dezembro do ano anterior.
Fez ali um importantíssimo serviço, e foi o de providenciar o pagamento em abril do juro da dívida pública externa, não concorrendo para isso a agência do Brasil, e sem que o tesouro público sofresse os prejuízos que de uma tal situação soem seguir-se.
Chegando de volta ao Brasil, continuou a advogar. Foi membro da assembléia provincial do Rio de Janeiro durante duas legislaturas, e teve a honra de ser seu presidente.
Criou o Instituto dos Advogados e o presidiu desde sua instalação em 7 de agosto de 1843 até que, sendo em 14 de setembro de 1850 nomeado conselheiro de estado extraordinário, deu a sua demissão, por julgar este lugar incompatível com o exercício da profissão de advogado, segundo expôs em um discurso que proferiu em sessão pública e solene, na qual o mesmo Instituto, aceitando com pesar a demissão do seu sócio fundador, o nomeou seu presidente honorário.[2]
A Associação dos Advogados de Lisboa, memorando os serviços por ele prestados à ordem em geral dos advogados, nomeou-o membro correspondente.
É um dos mais antigos membros das sociedades literárias do Rio de Janeiro, Auxiliadora da Indústria Nacional, de Estatística, e da de 2 de Julho da Bahia, do Instituto Histórico e Geográfico, e membro honorário da Academia de Belas-Artes.
Três vezes foi apresentado à Coroa em lista tríplice para senador: duas pela Bahia e uma pelo Rio de Janeiro. Por carta imperial do 1º de maio de 1851 foi nomeado senador. O grau de ardente entusiasmo com que lhe deram os seus votos quase unânimes, os seus concidadãos de todos os partidos, consta das folhas da época da cidade da Bahia, onde se acharão descritas e transcritas as festas e felicitações das câmaras municipais e dos povos dos lugares por onde passou.
Em 2 de dezembro de 1854, havendo por bem S. M. I. agraciar com um título a cada um dos seus conselheiros de estado, foi nomeado visconde de Jequitinhonha, com grandeza.
Teve sempre a maior simpatia pela armada nacional, e desejando ter oficiais hábeis de marinha na sua família pediu ao governo para solicitar da Grã-Bretanha a permissão de entrarem para a armada inglesa dois filhos seus, um de nome Artur Leão Marcondes de Montezuma, e outro Leônidas Marcondes de Montezuma, na qualidade de aspirantes. O governo britânico consentiu. Deus, porém, malogrou a vontade do homem. O primeiro faleceu no naufrágio do brigue a vapor inglês Avenger. O segundo, depois de estudar ali sete anos, fazer seus exames, ser aprovado com grande louvor, foi uma das vítimas de uma epidemia que apareceu a bordo, e por fim ficou cego. Referimos isto unicamente para explicar a razão por que é o Sr. Montezuma comendador da ordem portuguesa de Nossa Senhora de Vila Viçosa, e vem a ser: o primeiro de seus filhos achou-se a bordo da fragata inglesa, que foi ao Porto em defesa do governo português contra os rebeldes, cujo chefe era o conde das Antas. Ali prestou serviços que mereceram a atenção do governo português, o qual, em correspondência com o nosso ministro em Lisboa, declarou que oferecia ao pai a prova de consideração que devia ao filho falecido. Que maior glória pode alcançar um pai neste mundo do que a de ser galardoado por uma nação estrangeira, como para convencê-lo e à sociedade em que vive das virtudes e do merecimento do filho! Só uma homenagem tal e tão solene poderia dar ao quadro das tristezas do pai um belo claro. Dizem os moralistas que o amor desce do pai para o filho; entendemos porém que as honras deviam subir do filho para o pai.
Por decreto de 20 de agosto de 1859 foi nomeado conselheiro de estado ordinário, e tomou cadeira na seção da Fazenda.
O visconde de Jequitinhonha conta 66 anos de idade, e apesar das grandes provações por que tem passado, correndo todos os perigos das crises as mais extraordinárias do país, nas quais figurou principalmente; apesar dos profundos golpes que seu coração de pai e de esposo tem suportado, perdendo um filho no fundo do mar, vítima de horrível naufrágio, e recordando-se todos os dias da desgraça daquele para quem a luz não existe, apesar da luta de gigante que teve necessidade de sustentar contra seus adversários políticos, em que mais de uma vez foi acometido pelas costas e nas trevas; apesar de seus porfiados combates oratórios, ainda tem esta robustez de espírito e generosidade do coração, que fazem invejar os mais novéis. Dotado de memória pronta, de argumentação lógica sem asperidade, de palavra altiva e dominadora; preparado para todas as questões, pois sem quebra do merecimento alheio se pode dizer que é a mais vasta inteligência que orna o Senado brasileiro: — razão clara, força de vontade capaz de conceber e de executar, e com um nome ilustre, porque está escrito nos livros das vitórias da liberdade brasileira; parece que a Providência, conservando-lhe a vida, depois de haver chamado aos destinos de além-túmulo a maior parte de seus companheiros da independência, o reserva para novas, se não mais gloriosas épocas.
A paixão da política, como uma chama ardente, se apoderou da sua alma desde a tenra mocidade de acadêmico em Coimbra, e ainda não conseguiu consumir esta natureza secular. Desde 1822 que ele sofre as conseqüências de uma política versátil e exclusivista, e se um ou outro dia se anunciarão belas auroras, durarão pouco tempo, e se transformarão em noites negras.
Sem riquezas materiais, foi de mister multiplicar esforços e sacrifícios, para sair triunfante dos odientos combates de uma política estreita e mesquinha. Quantas vezes os príncipes do dinheiro o esperaram no desfiladeiro da necessidade para o seduzir, e depois atraiçoar; quantas vezes o quiseram vexar alardeando compromissos, que o trabalho honesto e assíduo solveu real por real, sem que o caráter perdesse nem sequer as feições de sua independência elevada até o heroísmo.
Luta antiga tem sido esta entre os príncipes do ouro, e os do entendimento, que a ganância de uns e o espírito de submissão de outros tem de perpetuar.
O visconde de Jequitinhonha é uma inteligência forte, cheia de recursos, e uma atividade que se não gasta. No meio das mais desencadeadas procelas políticas — advogava extensamente — falava quase toda a sessão da Câmara dos Deputados — escrevia para a imprensa, assistia aos clubes, sustentava uma correspondência imensa — e estudava. O trabalho e a economia constituíram-no inteiramente independente.
Como todos os grandes oradores, suas orações fizeram vítimas, que nunca lhe perdoarão o martírio, pelo que incorreu em excomunhões maiores, e o baniram do parlamento de 1840 até 1850, afora os oitos anos de desterro!
Dentro dos acanhados limites de uma biografia não é possível comemorar todos os grandes triunfos deste célebre orador brasileiro, que começou seus combates na larga e gloriosa arena da Constituinte, que os sustentou nas tormentosas discussões do período regencial, e os tem renovado no Segundo Reinado. Há discursos seus, que são verdadeiros acontecimentos políticos.
Como advogado criminal patrocinou as mais belas causas que se têm julgado no país. Defendeu José Bonifácio de Andrada, o patriarca da Independência. Esta brilhante oração perdeu-se; entretanto tal foi a impressão que causou no espírito público desta capital, que ainda são eloqüentes e comovedores os trechos truncados que os cidadãos daqueles tempos recitam de cor, trêmulos de entusiasmo.
Advogou as causas de seus amigos políticos que se arriscaram contra os seus conselhos em revoluções armadas, e de escritores políticos ardentes, que o governo mandou responsabilizar, os quais depois de absolvidos entraram em felizes carreiras, e finalmente envergaram a farda de ministros da Coroa. Salvou do cadafalso um ilustre militar, que veio depois a prestar relevantes serviços ao município da corte e à mocidade desventurada.
Há na sua coroa de glórias um florão de preço inestimável. O Imperador, mal aconselhado, escreveu seu nome nas tábuas da proscrição; quis o destino que o próprio Imperador abdicasse o trono, e que contra ele se propusesse no parlamento a lei do banimento. O visconde de Jequitinhonha, comprometendo sua popularidade, e afrontando o poste da calúnia, opôs-se com toda a eloqüência à lei de banimento que tinha de pesar sobre a fronte do imperador decaído. A generosidade é tanto mais memorável quanto ela se produziu quando a vítima da dissolução da Constituinte apenas tocava em terras da pátria depois de oito compridos anos de desterro e esquecimento. Grandes e inexplicáveis sentenças do Céu, — no dia em que o Imperador assinava no paço de S. Cristóvão o ato da abdicação, nesse mesmo dia o Visconde de Jequitinhonha embarcava em um dos portos da Inglaterra com destino ao Brasil; e quando um rei sem trono corria o mar, buscando a terra do desterro, o banido de 1823 demandava as praias da pátria, onde o esperava a tribuna do parlamento para defender o Imperador.
Com a consciência do que vale, e capaz de representar um país e uma época inteira, teve a coragem de dizer a verdade nua e crua até nos degraus do Trono. Assim falou ao ex-imperador, quando o felicitou pelo triunfo da causa da Independência, sobressaindo estas vigorosas palavras: "Nem nos perturbará a demagógica ambição, instabilidade das repúblicas, nem nos definhará a tirania e prepotência das monarquias absolutas. Uma prudente e bem equilibrada divisão dos poderes públicos, guardada a inviolabilidade e mais direitos próprios da majestade, e defendido o sacrossanto do cidadão, constituirá para sempre a prosperidade, grandeza e segurança do rico Império do Brasil."
Era esta a genuína vontade de todo o império, e o visconde de Jequitinhonha não trepidou em exibi-la nos paços imperiais.
Este discurso eloqüente, além de ser um rasgo de independência do cidadão que sabe ser livre, é um largo programa político, que ainda hoje pudera ser a bandeira de um grande partido político.
Como todos os notáveis oradores, o visconde de Jequitinhonha deve ser ouvido para ser devidamente apreciado. O discurso lido perde a maior parte de seu valor. Uma fronte larga, digna sede de um entendimento ilustrado, olhos vivazes, e que parecem perscrutar mistérios, gesto nobre, rosto expressivo, uma presença imponente, voz com todas as cadências, ele figura ao vivo todos os grandes sentimentos, e sobre as suas palavras as idéias tomam corpo e tudo se anima. Convence a uns, castiga a outros, e debela os adversários com todos os recursos das as-sembléias, principalmente com a estratégia parlamentar em que é invencível. Quem teve a fortuna de o ouvir no período tormentoso da regência afirma que o estadista tem apagado os clarões do orador. Entretanto ainda se pode considerar esta palavra eloqüente como um poder que se teme quando ataca, e que se ama quando defende.
Os seus contrários têm-no averbado de versátil, olhando a sua vida política pelo prisma dos partidos, sem se recordarem que o homem da independência tomou perante sua consciência e a posteridade o compromisso de ser cidadão antes que correligionário. Aquele que arriscou sua vida pela liberdade de um país, que assistiu, e tomou parte ativa e gloriosa na sua formação, assumiu deveres paternais, que não pode nem deve sacrificar aos interesses especiais de partidos, que lutam, e desobedecem a seus conselhos. O visconde de Jequitinhonha tem um pensamento único, e fixo, mas não acompanha um partido em todas as suas transformações, ou em suas crises apaixonadas. Os seus princípios de 1822 conserva-os com o entusiasmo de um crente convicto.
Ele, e Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, que Deus chamou à sua glória, são os dois homens públicos da nossa pátria, que mais sofreram pela liberdade brasileira. A mais estreita amizade os uniu durante a vida; e, como duas águias, sempre que a tempestade se anunciou voaram do ninho do repouso, e afrontaram-na no meio do espaço.
A posteridade os julgará com justiça, o que não consente o ciúme dos contemporâneos, e os sofrimentos durante a vida serão compensados pelas honras póstumas prestadas com sublime espontaneidade pela geração que há de vir.
Notas
editar- ↑ Na sessão de 2 de outubro, comunicou o Governo à assembléia que pelo bergantim Maria, chegado do Maranhão com 43 dias de viagem, comunicara o 1º Almirante Lorde Cochrane a notícia de haver feito com que aquela província proclamasse em 28 de julho a sua independência política, adesão ao Império brasileiro e governo do Imperador. O Sr. Ribeiro de Andrada propôs que se oficiasse ao 1º almirante reconhecendo os serviços que acabara de fazer à causa do Império, promovendo a reunião da província ao Império, e declarando que a nação jamais os esqueceria... O Sr. Vergueiro propôs o seguinte aditamento: "Que igualmente se dêem os agradecimentos às tropas de mar e terra e aos cidadãos que concorreram para a liberdade e união da província e capital do Maranhão". O Sr. Silva Lisboa propôs que se suprimisse — que a nação jamais os esquecerá. Opôs-se à indicação e ao aditamento: primeiro, porque tudo isso pertencia ao Poder Executivo, e não à assembléia; segundo, porque a assembléia havia negado iguais demonstrações à Bahia quando chegou a notícia de sua restauração e expulsão dos portugueses, quando aliás ali é que se tinha verdadeiramente conquistado a independência... Esta discussão tomou um caráter extremamente caloroso, crendo-se insultado pelo Deputado Sr. Pedro José da Costa Barros.
- ↑ Obteve do governo imperial o decreto de 23 de novembro de 1844, pelo qual se concedeu aos membros do Instituto o uso de veste talar, barrete e outros privilégios. Propôs no Senado e passou um projeto de lei constituindo definitivamente a Ordem dos Advogados. Na Câmara dos Deputados nunca se lhe deu andamento. E assim ficou a profissão honrosa e de público interesse sem unidade, sem prestígio, e inteiramente sujeita aos caprichos e paixões dos litigantes. Reduzida a advocacia a uma mera indústria privada, cresceram as quotas lites, caindo em declínio o estudo da jurisprudência clássica e as práticas de severa moralidade. Sem disciplina a advocacia tem seguido às pressas o caminho da licença, quiçá da ganância. Ante os nossos tribunais não há pretensão, por mais desarrazoada, que não tenha patrocínio. Dando-se um mal-entendido desenvolvimento às imunidades dos advogados, assumiram estes violentamente o poder de defender e acusar contra suas próprias consciências. Especialmente no júri é raro encontrar um patrono que não peça a absolvição do crime o mais provado. A argúcia e o mais grosseiro sofisma são manobrados com a arte do chicanista para ilaquear a boa-fé ou a ingenuidade dos cidadãos jurados. Ora, quando o advogado não respeita a lei, a sua consciência, e principalmente a honra de seu grau acadêmico, como exigir do resto do povo esse respeito e veneração, que por si sós fazem a fortuna política e social da Inglaterra? Talvez aconteça grande resistência e se ofereça dificuldade maior em reformar o estado presente, quando o abuso à força de praticar-se tenha como que constituído um direito consuetudinário, ou uma posse, ainda que de má fé. Entretanto é certo que o Sr. Montezuma conheceu o mal, e tê-lo-ia curado, se em vez de estar na posição de propor pudesse decidir.