Galeria dos Brasileiros Ilustres/Visconde de Sepetiba
Aureliano de Sousa e Oliveira Coutinho nasceu na província do Rio de Janeiro em 21 de julho de 1800 e foi batizado na freguesia de Itaipu. Seu pai, o coronel do imperial corpo de engenheiros, Aureliano de Sousa e Oliveira Coutinho, deixou seu nome gloriosamente estampado nas diversas obras que ainda avultam na corte e província do Rio de Janeiro.
Veio da serra da Estrela e frequentou o seminário de S. José com tal aproveitamento e siudez, que o reverendo professor régio, João Batista Soares de Meireles, dedicou-lhe uma dessas afeições que honram tanto o indivíduo que as merece, e que nunca diminuiu até à morte, que há pouco foi, daquele perito latinista. Deviam os elogios do severo padre-mestre ser-lhe mais lisonjeiros do que o entusiasmo público que tanto realce deu à sua carreira administrativa. Assim pensamos, porque a multidão é menos poderosa do que se julga, mesmo no reinado das maiorias: as massas nunca julgam por si: por isso tal sufrágio apenas embriaga; mas o dos homens superiores deve encher-nos de legítimo orgulho.
Em seguida matriculou-se na Academia Militar, onde sobejamente patenteou sua bela inteligência, e obteve em dois anos consecutivos o primeiro premio. Daí partiu para Coimbra, em cuja universidade se formou em Direito.
El-Rei D. João VI concedera uma limitadíssima pensão com a expressa cláusula de que ele se formasse em ciências naturais. O favor do rei não teve lugar, pois que o futuro estadista preferiu as ciências jurídicas e sociais.
De volta ao Rio de Janeiro, o imperador D. Pedro I houve por bem despachá-lo para S. João d'El-Rei e Ouro Preto, onde serviu os cargos de juiz de fora e de ouvidor, e de tal sorte se conduziu que quando partiu para a corte a tomar assento na câmara como deputado à assembléia geral, um concurso extraordinário de bons cidadãos o acompanhou longe com demonstrações inequívocas de muito pesar por sua ausência, e numa despedida por escrito com cerca de 600 assinaturas nota-se este eloquente período: "Ide coberto de bênçãos, homem probo e leal; a pureza da vossa consciência granjeou-vos um título glorioso; bem sabeis que vos chamais aqui — o juiz reto".
Em S. João, em Ouro Preto, como em todos os lugares onde ele esteve, revelou seu génio criador, seu inaudito amor ao trabalho e o gosto de bem-servir a sua pátria. Tentou estabelecer ali uma biblioteca pública, pois que a instrução de seus concidadãos lhe mereceu constantemente particular atenção. Por mui atiladas medidas fez entrar para o tesouro nacional grossa soma de dinheiros transviados e considerados perdidos: serviço eminente que frequentes vezes repetiu com imenso tino nos diversos cargos que ocupou.
Sabe-se que o augusto fundador do império indagava minuciosamente da conduta de seus súditos por ele incumbidos da distribuição da justiça. Ouvindo a todos render encómios à inteireza, prudência, zelo e virtudes daquele seu despachado, não ocultou o seu contentamento, fê-lo cavaleiro do hábito de Cristo, e quando como deputado à assembléia geral tornou a vê-lo na corte, o nomeou presidente da província de S. Paulo, então abalada por estranhas comoções e em perigosa fermentação. Ninguém ignora como esse digno presidente conseguiu apaziguar a província. Nesse tempo deu-se o fato da abdicação e saída do primerio imperador! O Sr. Aure-liano de modo algum, nem indireta nem diretamente, concorreu para tais sucessos. Deixou em S. Paulo intensas amizades, pois era privilégio seu fazer-se amado de quantos o conheciam, e o dia de sua retirada foi um dia de tristeza.
Em seu regresso à corte foi logo procurado para desempenhar com sua costumada perícia e honra os lugares de juiz de órfãos, inten-dente-geral da polícia e desembargador. Com grande e espontânea votação foi novamente eleito deputado à assembléia geral legislativa. De 1832 a 1836 serviu os cargos importantíssimos de ministro e secretário de estado dos negócios da Justiça, de ministro do Império e de ministro dos Negócios Estrangeiros. Nessa quadra sobretudo, em grandioso relevo aparecem hercúleos, memoráveis serviços feitos à sua pátria, à monarquia e à sociedade. Opôs-se com energia à restauração, porque entendeu muito bem que esse movimento revolucionário traria a destruição do trono do Sr. D. Pedro II. Zelou noite e dia com incrível vigilância e sabida dedicação, toda a infância do monarca, a quem votou sempre do fundo do coração o mais sagrado e respeitoso amor. Procurou com afortunado acerto para tutor de S. M. I., o nobre marquês de Itanhaém, para seu mordomo o conselheiro Paulo Barbosa da Silva, para seu mestre o ilustrado Sr. D. Fr. Pedro, bispo de Crisópolis. Embalde cartas anónimas indicavam-lhe que se erguia contra ele o punhal dos demagogos e sicários, embalde uma falange repulsiva uivava cantos de morte sob suas janelas, com imperturbável serenidade e, circunspecto vigor suspendeu as convulsões da anarquia, destruiu os facínoras audazes que assoberbavam a capital e seus subúrbios, aniquilou as facções, restabeleceu a ordem tão profundamente comprometida, e conseguiu firmar a unidade dos espíritos em redor do trono, então como hoje, salvação do império. Inúmeros, indestrutíveis documentos abundam que comprovam tantos e tão reais serviços. Sem dúvida há de recolhê-los do pó das secretarias a mão piedosa de alguns dos seus descendentes. E convém relatar que um dos seus mais ilustres adversários, o senador Bernardo Pereira de Vasconcelos, disse, com seu espírito lógico, e reconhecendo tais esforços enfim coroados de felicíssimo êxito, que o Sr. Aure-liano gravara seu nome na base da nossa monarquia.
Então, depois de haver, por assim dizer, organizado de novo nossa sociedade, dilacerada por violentos embates, fez surgir como por encanto essas obras magníficas e de transcendente mérito: os ônibus, a casa de correição, o monte pio, a caixa económica, a nova Carioca, a introdução do gelo no país, a destruição dos moedeiros falsos, dos jogos ilícitos nos lupanares, muitos benefícios à instituição liberal da Guarda Nacional, ao corpo de permanentes, impulso da navegação a vapor entre as províncias, etc. Já nesse tempo, previdente como era, ocupava-se muito da nossa colonização, como prova sua correspondência para Bremen e o Grã-Ducado de Hesse Darmestadt. Fez com uma nação amiga um dos nossos melhores tratados; escreveu e publicou nessa ocasião o regimento de nossas legações, e buscou dar garantia e estabilidade ao nosso corpo diplomático. Um bom sistema de viação, canalizar nossas águas, tornar navegáveis nossos rios, franquear nossos portos, desenvolver e sustentar a indústria, a agricultura, as artes eram sua ocupação favorita, e em tudo isso deixou vestígios de seu elevado espírito. Quis mudar para o vasto terreno ao lado direito do Aterrado, o Passeio Público, e do lado esquerdo, pela frente da correição, cavar um grande canal que findasse no campo de Santana, senão na praia em face do Mercado, devendo erguer-se no lugar do Passeio a Câmara dos Deputados, e ficar a academia de medicina no paço da dita Câmara, e assim perto da Misericórdia por causa da clínica e das autópsias. Seu afastamento do ministério sufocou esses e outros projetos de vital interesse e beleza para o nosso país. Nunca o viram inocupado, pois nada lhe era mais insuportável do que a ociosidade. Todavia, seu acrisolado patriotismo, a tenacidade em tão sérias e árduas tarefas, que demandavam incessantes vigílias, arruinavam-lhe pouco a pouco a robusta saúde.
Todos sabem que o senador Diogo António Feijó instara com ele para que ficasse na regência em seu lugar; todos sabem como o sr. Aureliano eximira-se desse brilhante posto. Cheio de modéstia, ardia, sim, em desejos de bem-servir sua pátria, mas preferia como Cincinato, como Washington, o sossego que tanto agrada, após tormentosas lidas, aos homens virtuosos. Quando ia deixar o ministério, e já assim o participara aos seus amigos, recebeu a melhor recompensa de seus valiosíssimos trabalhos. O estimável e erudito Francisco Ramiro de Assis Coelho, ocupando a tribuna, no meio de um religioso silêncio exclama: "O Sr. Aureliano dentro e fora da Câmara é o melhor cidadão! São muitos e de imensa importância os seus serviços; estão aí bem patentes; e praza a Deus que não nos esqueçamos nunca, nós todos brasileiros, de apreciar e respeitar tão benemérito cidadão!". A Câmara dava pleno assento às palavras arrebatadoras de um homem independente e sensato, e assim agradecia o incansável ministro. Nessa mesma data S. M. o rei dos belgas conferia-lhe a Grã-Cruz da Ordem Real de Leopoldo I.
Aureliano saiu triunfante dessa luta formidável. Acabava de consolidar e manter a ordem material, a autoridade das leis, a ação da administração, de fazer enfim reconhecer pelo mundo o nascente governo do atual imperante. Quis por alguns momentos descansar; seu laborioso espírito vedava-lhe esse gosto. Em sua tranquila residência, que então era no Engenho Velho, ainda acuradamente atentava os meios de promover a indústria e a fortuna geral. A diminuição dos impostos, a conversão da dívida estrangeira, os favores à agricultura, o engrandecimento da nossa marinha foram motivos que prenderam sua atenção, produzindo idéias úteis que nos teriam adiantado se entre nós houvesse antes política do que intriga. Angustiado como bom brasileiro pelos estragos causados pela seca no Ceará, elaborou um projeto curioso por seu interesse e magnitude, para que se rompendo a serra de Borborema viesse um braço fertilizador do rio S. Francisco estender-se pelos plainos dessa desditosa província. Desconhecidas suas intenções, consolou-se, entre-tendo-se com o seu amigo o Rev. cónego Januário da Cunha Barbosa e o sábio visconde de S. Leopoldo acerca do Instituto Histórico.
Entretanto, uma imprensa ardente atiçava o fogo das paixões subversivas e belicosas, e por cúmulo de dificuldade havia em quase todos os espíritos "desconfiança", em quase todas as coisas "incerteza". Súbito os olhos, fitaram-se no homem vigilante pela segurança nacional, e que pusera o Brasil ao abrigo de um cataclismo temível pelas exaltações, então em moda, apologísticas da revolução francesa. Havia uma verdadeira simpatia para com o indivíduo experimentado que restaurara o crédito, garantira a ordem pública, e dera à autoridade sua justa ascendência. Aureliano, com o poderio de um grande caráter, exercia em torno de si a autoridade que dá a razão e o sangue-frio. Suas palavras, sua conduta enérgica, sua atitude, enfim, acham-se pintadas na eloquente expressão de um heróico pernambucano: "Aureliano foi o Aquiles da maioridade!". Com efeito, pesaroso ao aspecto dos negócios públicos, ele repetia incessantemente aos seus amigos que só na fronte imperial do moderno Trajano enxergava realizado o sonho eterno dos melhores corações — a justiça chamando a si todos os efeitos e desejos. Depois, como
relator da comissão de resposta à fala do trono, Aureliano exprimiu-se assim: "Senhor, a Câmara vê com infinito prazer aproximar-se a época feliz em que V. M. I., assumindo as rédeas do governo, vai tornar venturoso e firme este belo país". Longo, acalorado debate seguiu-se do qual foi o triunfo a declaração entusiástica da maioridade.
O jovem imperador subiu ao trono rodeado de um prestigio imenso, devido às suas qualidades pessoais. Dotado de uma vasta inteligência, de uma bondade cheia de atrativos, de uma perspicácia rara, conhecendo os homens à força de estudo e de lembrada experiência, apreciando e galardoando o mérito com particular satisfação, dir-se-ia a tutelar divindade da terra da Cruz. Hoje a vida do imperador está cheia de "meritórios fatos que hão de fulgurar com inaudito brilho nas páginas de sua história; mas o que era sobremodo notável no princípio de sua carreira pública era o zeloso cuidado que sempre manifestou de manter sua dignidade pessoal; era o sentimento consciencioso de sua responsabilidade moral, mesmo quando presidia seu imperial conselho; era, enfim, a ideia que involuntariamente derramava ao redor de si, de sua superioridade natural. Por toda a parte onde aparecia inspirava de pronto a crença de seus grandes destinos. A S. M. o Sr. D. Pedro II cabe de há muito a glória, conservando-se Chefe do Estado e nunca chefe de um partido, de resolver o difícil problema do governo de um povo livre. Um exemplo recente caracteriza seu pensamento benigno e generoso coração. Quando se deu o cómico sucesso de uma câmara sem um só representante da opinião popular e nacional, foi S. M. I. o primeiro que sinceramente se afligiu e mostrou a flagrante violação do princípio elementar, comum e histórica origem da liberdade moderna. Reunindo, pois, em seu gabinete, em 1840, estadistas de opiniões talvez opostas deram ao monarca o exemplo desse gosto pelos homens superiores, que às vezes falta aos mesmos homens superiores, e dessa alta imparcialidade que, longe de isolá-la, de quebrantá-la, aproxima, liga as influências aos talentos. Foi de tal sorte, e fazendo sua vontade, que o imperador assegurou a liberdade do país. O Sr. Aureliano foi o escolhido para ministro dos Negócios Estrangeiros.
Ele aceitou essa missão com o sentimento de um dever sagrado, com a coragem de um grande coração; porque era daqueles que não sabem aceitar a honra da confiança do príncipe senão depois de cer-tifícarem-se dos meios de tornarem-se digno dela. O imperador, a quem nem de leve incomodavam os sacrifícios inseparáveis de sua alta posição; o imperador, que fixara sobre a Pátria um olhar atento, e seguia com muita solicitude o curso dos negócios públicos, teve azada ocasião de conhecer de perto seu distinto ministro, sincero e leal; por sua munificência nomeou-o cavaleiro do Hábito da Rosa, oficial da Ordem do Cruzeiro, seu camarista, e aprovando uma eleição popular, senador do império. Ao mesmo tempo, alguns soberanos estrangeiros enviavam-lhe também distinções honoríficas. Com o preciso desvelo tratou do casamento de SS. MM. II. o Sr. Aureliano, e todos sabemos quanto é merecidamente adorada a excelsa Srª Imperatriz D. Teresa Cristina de Bourbon. Sem quebra dos brios nacionais sustentou nossas boas relações com as potências europeias; contribuiu com seus colegas para exterminar a rebelião de 1842 e a guerra civil que devorava o Rio Grande do Sul; reformou com aplaudido cuidado a secretaria do estado dos Negócios Estrangeiros, e no meio de imensos, variados trabalhos, esforçou-se para que o Império tomasse, na América Meridional, a supremacia a que tem direito, e consequentemente adotou para com as repúblicas conterrâneas a política mais sensata e de evidentes vantagens.
"A paz do Brasil, afirmava ele, depende da sua prudência, e a política que o pacifica interiormente é também a única que o garanta no exterior. Defensiva e conservadora, tal é, tal será minha marcha". Muitos meses depois, por uma coincidência rara, Palmerston expendia no parlamento britânico a mesma opinião. O tempo mostrará a bem fundada previdência do ilustre brasileiro; então dir-se-á dele o que disse de Pitt lorde Castlereagh: "Sua política triunfou sobre seu túmulo". E, coisa singular! Enquanto uma raça sem escrúpulos e sem princípios, agentes de uma intriga surda espalhavam que o ministro acurvava o país ao jugo da Inglaterra, o embaixador inglês lorde El-lis, como para desmenti-los, em tom ameaçador queixava-se do mesmo ministro! E Hudson, também diplomata daquele país, embora elogiando o Sr. Aureliano por suas eminentes qualidades e como um dos melhores servidores do estado, o dizia pouco favorável à Grã-Bretanha.
Superior, mas não insensível à calúnia e à injustiça, o Sr. Aureliano quis, com permissão de S. M. o Imperador, trocar pelo repouso suas elevadas funções. Porém, mesmo fora do poder, nunca os seus amigos abandonaram-no, e nem diminuiu jamais a cordial afeição que lhe tributavam numerosos estrangeiros de nomeada. Entre estes, citaremos com prazer o barão de Langsdorff, o conde Oriola, o barão Daiser, Taunay, Sevelot, o conselheiro de estado da Rússia Lomonosoff, Ouse-ley, de Sauve, DelPHoste, o barão d'Arcet, que lhe beijava as mãos, D. Gennaro Merola, o general Guido, o barão Rouen, o internúncio apostólico Fabbrini, que referia ao célebre cardeal Lambruschini a admiração e estima que lhe inspiravam tão perfeito cavaleiro, enfim um médico da armada do sultão, Abdul Medjid, o Dr. Castro, que cheio de gratidão, ergueu em sua sala em Constantinopla o retrato do Sr. Aure-liano.
Mais sossegado, entregava-se ao cultivo do chá e à curiosa educação das abelhas, sobre cujos assuntos preparou interessantes opúsculos, quando um evento deplorável em si mudou bruscamente a face dos negócios políticos. Então S. M. o Imperador mandou-o presidir a província do Rio de Janeiro. Apenas correu essa notícia, houve um verdadeiro regozijo público, e com razão. Naturalmente, inimigo da desordem, profundamente adeso a todas as idéias de autoridade, de subordinação, de respeito, inacessível às ilusões especulativas, cheio de ironias e desdém pela política romanesca e fútil, o Sr. Aureliano abriu ao Partido Liberal o campo da política, duramente fechado por longo e odioso domínio. Depois de haver, com decisiva firmeza, estabelecido a igualdade legal das condições, dos direitos, depois de haver reunido ao redor do trono não só interesses como dedicações, e assim assegurado à razão de estado o apoio da convicção, e do entusiasmo, converteu a província em um vasto arsenal de trabalho. Magicamente obedecendo ao seu passamento, todos os municípios aporfia se ufanaram de engran-decer-se e de exarar na frente de seus edifícios o nome de tão hábil, quão patriótico, administrador. Grandes obras paradas tiveram espantoso incremento ou concluíram-se, levantaram-se chafarizes, e a água artisticamente conduzida circulou pelas vilas e cidades, abriram-se estradas, transpôs-se o cume de soberbas montanhas, as matrizes restauraram-se, alicerces de novos templos pren-diam-se na terra, criou-se, utilíssimo para o nosso mercado, um depósito de sal, auxiliou-se a empresa dos teatros nacionais, premiou-se a inteligência de hábeis engenheiros, lançaram-se pontes sobre diversos rios, e noutros lugares flutuaram barcas que facilitaram o trato dos fluminenses e o transporte dos produtos agrícolas. Enquanto Petrich talhava no mármore seu busto para o canal de Mags, um pincel amestrado reproduzia os traços de seu ameno semblante para o salão da
companhia Seropédica de Itaguaí, e em uma reunião esplêndida, presidida pelo venerando visconde de Araruama, seu nome mil vezes repetido foi mil vezes abençoado às margens do canal de Campos. Fundou a formosa colônia de Petrópolis, para a qual o augusto imperante, protetor de tudo o que é grande, mandou fornecer as terras e onde mais se lê o seu nome e o de muitos dos seus amigos. Tal confiança inspirava, tanto amor merecia, que muitos cidadãos, com generosa espontaneidade, ofereceram não pequenas somas para a confecção do cais de Niterói, o capitão-mor Gabriel Alves Carneiro, só pelo impulso da amizade que lhe consagrava, fez à província doação de espaçosos terrenos que se converteram em praças públicas. As câmaras municipais, quase unanimemente o felicitaram pelos resultados de sua benéfica e exemplar administração, e a câmara da municipalidade niteroiense, empenhada no cómodo e beleza da cidade, quis, todavia, perpetuar a lembrança de tantos serviços, dando a uma nova rua o nome Rua Jlureliana
No meio de tão multiplicados afazeres, nunca Aureliano recusou amparo aos desvalidos que o procuravam, nunca fechou sua bolsa às viúvas que se amesquinhavam, tristes, cercadas de filhos, nunca evitou o olhar do pobre que lhe estendia a mão, nem jamais — jamais! — cerrou seu coração às mágoas dos infelizes. S. M. I. perlustrou a província de norte a sul: viu, observou tudo e, juiz competente, satisfeito, nomeou seu fiel delegado dignitário da Imperial Ordem do Cruzeiro.
Nesse comenos, a munificência imperial veio de novo surpreendê-lo outorgando-lhe, no aniversário de S. M. a Imperatriz, o título de visconde de Sepetiba.
Em 30 de março, obtida licença de S. M. o Imperador, partiu com seus filhos e sua senhora, cultivada dos melhores dotes, a visitar alguns pontos dessa província.
Em agosto, dia a dia, sua saúde alterou-se sensivelmente. Cre-scia-lhe a palidez: preferindo a solidão, raras vezes falava, ele de tão fácil acesso e ameno conversar. Dir-se-ia que uma febre, uma dor oculta, mas terrível, o devorava. Em 7 de setembro, mal pôde, no cortejo, pronunciar em nome do Instituto Histórico palavras de congratulação pela Independência. No dia imediato, cheio de respeito por seu monarca e sua soberana, acompanhou seus delicados amos desde manhã até a hora avançada em que terminou um baile: beijou pela última vez as augustas mãos de SS. MM. II., e seu leito de descanso foi, daquele momento em diante, um leito de agonia!
A 24 de setembro, a artilharia gemeu desde a madrugada em feral recordação pelo Sr. D. Pedro I. Esses tiros amiudados fizeram-lhe impressão, e às 10 horas da manhã, com sobre-humano vigor, revolveu-se em luta à morte; cruenta, medonha, prolongada luta, que só findou pouco além da meia-noite!
Como um boato sinistro, em surda voz correu de boca em boca na manhã seguinte a notícia do seu passamento! Fr. Fabiano, que o ungira, estava de joelhos, postas as mãos, a cabeça apoiada em uma das bordas do leito, que uma multidão consternada contemplava imóvel. O sacerdote ergueu-se: "Está tudo acabado", disse. Como se esperassem o som desta voz para despertarem, um, e depois outro, e todos precipi-taram-se sobre o corpo de quem ocupara lugar tão grande no coração de seus concidadãos. Beijavam-no em soluços, chamavam-no, regavam-no de pranto... Tudo foi inútil! Aquele que inventa no Céu solenes tragédias e manda se cumpram na Terra, chamara um justo para guardá-lo consigo séculos e séculos!
Esse justo chamou-se Aureliano de Sousa e Oliveira Coutinho, visconde de Sepetiba, grande do império, do conselho de S. M. o Imperador, fidalgo de sua casa, gentil-homem de sua imperial câmara, senador do império, desembargador da Relação do Rio de Janeiro, cavaleiro das Ordens de Cristo e da Rosa, dignitário da imperial Ordem do Cruzeiro, Grã-Cruz de Leopoldo I da Bélgica, de Nossa Senhora da Conceição da Vila Viçosa de Portugal, da real Ordem de Fernando de Nápoles, da nobre e antiga Ordem de Carlos III de Espanha, de Alexandre Nevsky, dos quatro imperadores da Rússia, cavaleiro de S. João de Jerusalém, vice-presidente do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, membro da Sociedade Etnológica de Paris, da Sociedade Arqueológica de Bruxelas, da Real Associação das Ciências, Letras e Artes de Antuérpia, etc.