Galeria dos Brasileiros Ilustres/Visconde de Uruguai
Paulino José Soares de Sousa, hoje visconde de Uruguai, nasceu na cidade de Paris, no ano de 1807. Ainda muito moço, deixou sua cidade natal e veio para o Maranhão em companhia de seus pais, o Dr. José Antônio Soares de Sousa e D. Antônia Madalena Soares de Sousa. Naquela província começou a fazer os primeiros estudos para a carreira das letras, que tão brilhantemente percorreu e em que logrou muito merecidamente criar um nome considerado e respeitado dentro e fora do Império pelas nações cultas que reconhecem nele o diplomata eminente e o estadista profundo do Brasil.
Na idade de quinze anos deixou sua família e passou a Portugal, com o fim de estudar na Universidade de Coimbra, onde com efeito matriculou-se e estudou até o quarto ano de direito e cânones; não podendo tomar o grau naquelas matérias por ter nesse ano rebentado a revolução em favor de D. Miguel de Bragança e ter-se em conseqüência fechado a universidade. Voltando ao Brasil, o Sr. Paulino não quis perder tantos anos de fadigas, e com os olhos no futuro esperançoso que sua vasta inteligência lhe prometia, resolveu prosseguir na carreira que havia começado, para o que dirigiu-se à província de São Paulo, onde já então existia a Academia de Direito, e aí terminou sua vida escolar, tomando grau de bacharel no ano de 1831.
A política que naquele tempo revolvia todas as cabeças, e absorvia em seu turbilhão todas quantas inteligências que o Brasil produzia, nenhum atrativo teve para ele, ou se o teve encontrou em seu juízo reto e em sua vontade mais forte que suas inclinações uma barreira insuperável. O Sr. Paulino atirou-se para outro lado: escolheu a magistratura, e pouco tempo depois de formado alcançou o despacho de juiz de fora de São Paulo, donde no fim de oito meses foi removido para a Corte, no lugar de juiz do crime do bairro de São José, a que também foi anexado o expediente da Intendência da Polícia. Com a execução do Código do Processo deixou o juizado do crime de São José e passou a ocupar o do cível da segunda vara da corte. O ato adicional criando as assembléias de províncias abriu um novo campo em que brilharam e se fizeram conhecidas muitas inteligências que não tinham alcançado entrar no seio da representação geral do país. Foi desse número o Sr. Paulino, que estreou brilhantemente sua carreira parlamentar na Assembléia Provincial do Rio de Janeiro, da qual recebeu a maior prova de consideração, sendo por ela escolhida para entrar na lista dos vice-presidentes daquela província.
O magistrado íntegro tinha reunido à sua coroa de glória novos louros colhidos na tribuna. Seu nome já era tão conhecido quanto respeitado, e o regente Feijó, apreciando com justiça as qualidades que o distinguiam, despachou-o presidente da província que o tinha eleito deputado. Esse cargo importante que ele desempenhou tão hábil quanto honradamente deu-lhe tal popularidade que em 1836 foi eleito por aquela província para representá-la na Câmara dos Deputados da Nação. Esta prova de consideração nunca mais lhe foi retirada até a sua entrada para o Senado, salvo na eleição de 1844, em que saiu segundo suplente, o que o não privou de tomar assento por ter falecido um deputado, e entrado para o Senado o primeiro suplente. Na Câmara ligou-se ao lado político de que era chefe Bernardo Pereira de Vasconcelos, o marquês de Paraná, mas não só nunca se levantou para defender e sustentar idéias exageradas, tão em moda naqueles tempos, como até mesmo não tomou parte em discussões puramente políticas e de partido.
Essa abstenção numa época em que não havia outra base nem outra matéria de discussão que não fosse a política de partido, longe de prejudicar sua reputação, fazendo-o cair no esquecimento, que para os homens políticos é a morte, deu-lhe pelo contrário a reputação de grave, prudente e moderado. É que ele teve ocasião de se mostrar e fazer-se lembrado. Como relator da comissão que em 1836 apresentou o projeto de interpretação ao ato adicional de que foi o mais extremo defensor, teve ele ocasião de mostrar-se mais vantajosamente do que o poderia fazer nessas questões pequenas que absorviam todos os ânimos e estragavam tão belas idéias e tão robustas inteligências. No ano de 1840 foi o Sr. Paulino pela primeira vez fazer parte do Conselho da Coroa, aceitando a instância de seus amigos e correligionários políticos a pasta da Justiça do Ministério de 23 de maio, em que esteve apenas dois meses, caindo com seus colegas no dia 23 de julho, em que subiu ao trono imperial o senhor D. Pedro II; mas nem por ter sido tão curto o seu governo passou ele despercebido e indiferente para o país.
No Senado sustentou uma longa discussão sobre o projeto da lei de 3 de dezembro de 1841, apresentado pelo senador Vasconcelos, com as emendas que lhe foram anexas. Nas eleições que se seguiram à maioridade do Imperador, tomou uma parte muito ativa, e tendo sido reeleito deputado, foi, em 1841, chamado ao Ministério de 23 de março ocupando novamente a pasta da Justiça. Como membro daquele governo, e particularmente como ministro da Justiça, tomou medidas enérgicas e até certo ponto violentas, para reprimir o movimento revolucionário despertado em Minas e São Paulo. Este procedimento do Sr. Paulino, que se tem alguma desculpa é somente a de ter sido aconselhado por circunstâncias extraordinárias, deu-lhe na opinião pública o conceito de violento e partidário. Em 1843 caiu o Ministério de 23 de março, e subiu o de 20 de janeiro. O Sr. Paulino continuou neste, passando a 8 de junho a ocupar a Pasta dos Negócios Estrangeiros por ter passado a da Justiça ao marquês de Paraná.
Continuou com essa pasta até 2 de fevereiro de 1844, quando, retirando-se do poder, foi para a Câmara dos Deputados fazer decidida oposição ao Gabinete que subira naquela data. Foi nesse ano que, pela dissolução da Câmara, procedeu-se a novas eleições em que, como já se sabe, saiu segundo suplente. Tomando assento em razão de ter morrido o cônego Januário e entrado para o Senado o marquês de Caxias, colocou-se novamente nos bancos da oposição, e neles permaneceu firme até o fim da legislatura. Nas eleições de 1848 foi reeleito deputado pela província do Rio de Janeiro, que ele por tantos anos representara; mas foi esta a última vez, porque logo após essa eleição o povo que o tinha honrado com seu voto desde 1834, que lhe tinha em todas as legislaturas subseqüentes confiado a guarda e defesa de seus mais sagrados direitos, quis dar-lhe uma prova mais subida de sua estima e seu reconhecimento, elegendo-o seu representante na Câmara vitalícia, para onde entrou por carta imperial de 21 de março de 1849.
Nem foi esta a única e a primeira vez que igual honra coube ao distinto senador pelo Rio de Janeiro. Já antes a mesma província tinha oferecido seu nome à consideração da Coroa, e o Maranhão o tinha também uma vez incluído na lista tríplice para um senador. A 8 de outubro desse ano entrou para o Ministério de 29 de setembro de 1848, e ocupou pela segunda vez a pasta dos Negócios Estrangeiros, em que muito se distinguiu da primeira. Nesse ministério, sem dúvida a mais gloriosa fase da vida pública do Sr. Paulino, contribuiu ele eficazmente para a destruição do cancro roedor da sociedade brasileira -- o comércio infame de carne humana. Seu brilhante discurso pronunciado na Câmara dos Deputados a 15 de julho de 1850 elevou-o e colocou o governo do Brasil em uma posição tão nova quanto nobre e respeitável. Foi com efeito a primeira vez que se viu esse governo pronunciar-se com tanta decisão e firmeza; e a correspondência de S. Exª com a legação inglesa, em que se opõe à arrogância de uma nação poderosa que tudo quer levar pela força, a firmeza e resignação, calma e fria da nação fraca que prefere a extinção ao aviltamento de sua dignidade e de seus brios, é um padrão de glória para o ministro, para a Coroa e para o país.
Foi ainda nesse seu Ministério que o Brasil se coligou com o general Urquiza para derrubarem o tirano Rosas, e neste empenho tomou uma parte muito ativa o ministro dos Estrangeiros. Com as repúblicas do Uruguai e do Peru concluiu o Tratado de Comércio, Limites e Navegação Fluvial de 23 de outubro de 1851, e depois de ter prestado todos esses serviços ao país, deixou o poder a 6 de setembro de 1853, sendo dois dias depois nomeado conselheiro de estado ordinário. A 2 de dezembro de 1854 foi-lhe concedido, por graça imperial, o título de visconde de Uruguai, com grandeza; em 1855 foi encarregado, como enviado extraordinário e ministro plenipotenciário, de uma missão especial junto à corte de Napoleão, dando dessa vez mais uma prova de inteligência, patriotismo e talento diplomático. O fim daquela difícil missão era regular os nossos limites com a Guiana Francesa, que tinha a pretensão de estender sua posse até a margem esquerda do Amazonas.
O nosso ministro mostrou a sem-razão desta pretensão, e provou à luz da evidência que o rio Oiapoque é a divisa dos dois países, como se depreende não só das tradições e idéias arraigadas entre os dois povos como e principalmente dos próprios tratados entre eles celebrados. De volta dessa missão, o Sr. visconde de Uruguai não tem mais tomado parte ativa nos negócios do país, limitando-se a tratar deles como senador do Império. Diversas nações da Europa honraram nele o distinto estadista brasileiro concedendo-lhe condecorações de suas ordens mais estimadas. O Sr. visconde de Uruguai, senador do Império e oficial da Ordem Imperial do Cruzeiro, foi agraciado em 1850 por S. M. o rei de Nápoles com a grã-cruz da ordem de São Genaro; pelo rei da Dinamarca em 1852 com a da ordem real de Danebrog; pelo imperador da Áustria, no mesmo ano, com a da ordem imperial da Coroa de Ferro, e pelo rei de Portugal com a da ordem de Cristo daquele reino. Além disto, é membro honorário da Academia Tiberina de Roma; da Academia Arqueológica da Bélgica; da Academia Britânica de Ciências, Artes e Indústria; da Sociedade de Zoologia e Aclimatação de Paris; da Sociedade Animadora das Ciências, Letras e Artes de Dunquerque; do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e do Rio da Prata e da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional do Rio de Janeiro. O Sr. visconde de Uruguai é casado com a Exmª Srª D. Ana de Macedo Álvares de Azevedo, com quem se desposou a 20 de abril de 1833.