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O Guia e Manual do Cultivador é publicado com o fim de fomentar a instrucção da classe agricola. Ha poucos paizes na Europa, em que a instrucção agronomica se ache tão escassamente diffundida como no nosso. Nós podemos dizer como dizia antigamente Columella aos romanos: Vós quereis ter mestres de pintura, de musica, de esgrima, e de dança; mas a primeira das artes, a mais util e moral de todas, a arte de cultivar os campos - essa não encontra entre vós, nem mestres, que a ensinem, nem discipulos, que a aprendão. Nós temos Academias, e Conservatorios onde, á custa de grandes sacrificios, se ensinão todas aquellas artes; mas não temos uma eschola experimental de agricultura. E' verdade que uma lei recente mandára crear entre nós estas escholas; mas esta lei inda não foi, nem será tão cedo executada! - Foi uma homenagem esteril rendida á classe, que no dizer do grande rei D. Diniz é o nervo do estado!
Na instrucção primaria e intermedia nem um unico preceito agricola se ensina. Temos importado dos estrangeiros quanto ha de proprio ou de improprio em legislação; mas n'este ponto inda não copiamos as sabias providencias ultimamente adoptadas por francezes, e alemães.
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A agricultura está ha seculos abandonada a si mesma; e vive em Portugal (salvas algumas excepções felizes devidas a exforços individuaes) das antigas rotinas, e no meio dos prejuizos e da ignorancia. Não ha intermedio algum entre os processos da arte e os principios da sciencia; entre a rotina tenaz ou indolente, e os methodos racionaes e philosophicos.
A publicação por tanto de livros elementares, que tornem por assim dizer populares as principaes doutrinas e preceitos agricolas, é um grande serviço feito ao paiz. A exposição destas verdades em linguagem simples e chaã, despida do luxo e das galas da sciencia, é uma condição indispensavel da vantagem e do proveito destes livros. As sciencias naturaes serião objecto de insaciavel e geral curiosidade, se a sua terminologia difficil e enfadonha não afugentasse do seu estudo esse grande numero de pessoas, que querem encontrar a distracção e o prazer em tudo, até nos exforços penosos do espirito para adquirir uma sólida instrucção.
E' preciso por tanto que as sciencias, e principalmente as da natureza, desção algumas vezes da altura a que as eleva o genio; e venhão beneficas e complacentes viver no meio do povo nos campos, e nas cidades - para se popularisarem é preciso que se humanizem; e que, á imitação da providencia, de que são filhas, atraião os que as evitão pela suavidade do prazer, e pelo encanto da verdade - é preciso, para serem entendidas, que fallem ao povo a linguagem clara do povo. Esta tarefa é mais difficil do que se presume, mas tambem é mais gloriosa do que geralmente se entende.
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Estes são os motivos, que nos persuadiram á publicação deste pequeno livro. Assim nós podessemos seguir, posto que de longe, os agronomos, que ultimamente se tem entregue em alguns dos paizes mais cultos da Europa a estes humildes mas uteis trabalhos! Assim a nossa pequena obra podesse revelar ao agricultor alguma verdade fecunda, occasionar alguma descoberta, ou instituir algum processo util! Se assim acontecesse, se esta classe tão injustamente desdenhada - creadora das mais solidas riquezas - se esta classe que revolve e cultiva os nossos campos, que abastece e nutre as nossas cidades, podesse encontrar aqui alguma instrucção proveitosa, nós teriamos por afortunadas as horas, que consumimos nesta nossa meza de trabalho!
Julho de 1848.
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O GUIA E MANUAL DO CULTIVADOR.
A agricultura, ou a arte que nos ensina a cultivar a terra, deve fundar-se principalmente nos conselhos, e nas tradições da experiencia; mas não póde nem deve regeitar os principios e as conclusões da sciencia, que umas vezes encaminham, e outras esclarecem, e corrigem os trabalhos e as praticas do lavrador.
Aquelle cultivador, que quizer extrahir das suas terras o maior proveito com a menor fadiga e despeza possiveis, deve respeitar em regra os usos e processos agricolas, que o tempo tem consagrado; mas não deve seguil-os céga e invariavelmente. A agricultura é como todas as outras artes, que são sempre aperfeiçoadas pela acção do tempo, e da experiencia. E' mister que o agricultor nem seja um cégo rotineiro, nem um innovador imprudente. O mal não está sómente em seguir irreflectidamente as praticas antigas, estaria tambem em abraçar sem exame, e sem discrição as modernas.
Tudo em agricultura precisa ser cuidadosamente reflectido, e examinado; porque se uma pratica viciosa de longo tempo adoptada póde ir arruinando lentamente o lavrador, uma pratica nova egualmente viciosa, e imprudentemente admittida, póde precipital-o de repente n'uma ruina inevitavel.
Regeitar um processo util, ou um instrumento agrario proveitoso, só porque é moderno, e porque não fôra usado nem conhecido de nossos antepassados, seria condemnar a agricultura a uma perpetua infancia, e barbaridade; e forçar os agricultores a um trabalho perpetuamente machinal, similhante ao dos castores na edificação das suas casas, e ao das aranhas na urdidura das suas teas.
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As praticas agricolas, que hoje se usam não são as que se usaram na remota antiguidade: o arado e a charrua de hoje não são os das sociedades primitivas: e então se os nossos maiores aperfeiçoaram os processos e os instrumentos agrarios servindo-se como homens da razão que aperfeiçoa, em vez do instinto automático que imita, porque motivo não farão os homens de hoje ajudados do seu saber, e da sua experiencia o mesmo que fizeram os de outro tempo?
Ora os factos tem já mostrado que são de maximo proveito na cultura das terras varias innovações, que muitos dos nossos agricultores teimam em não adoptar; mas que outros vão adoptando com grande vantagem sua, e do paiz.
O espirito de exame e de observação é sobre modo necessario ao cultivador; mas para elle saber examinar e observar é mister que tenha adquirido uma certa instrucção; quando esta instrucção falta veem-se as cousas, mas não se apreciam; sentem-se os effeitos, mas desconhecem-se as causas. A pratica só se corrige e aperfeiçoa pela instrucção; a applicação só se amestra pela theoria. E' necessario que saibamos não só o modo porque as cousas se fazem, mas tambem a razão porque se fazem.
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A consequencia a tirar de tudo isto é, que o lavrador, que quizer ser discreto e prudente na sua profissão, - isto é, o que quizer quasi sempre ser afortunado - deve soccorrer-se ás luzes daquellas sciencias, que maior e mais valioso auxilio prestarem á agricultura.
Estas sciencias são, como todos sabem, as sciencias naturaes; e entre estas a botanica, ou a sciencia dos vegetaes, que se apresenta em primeiro logar.
E' por isso que nós vamos previamente apresentar algumas idéas muito succintas e muito claras sobre a organisação e a vida das plantas. Estas idéas, que formarão a primeira parte desta pequena obra, servirão de introducção, ás outras quatro partes que devem constituil-a; a saber; elementos de agricultura (2.ª); principios de economia rural (3.ª); principios de veterinaria (4.ª); preceitos e maximas do agricultor (5.ª).